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Trintões do pop: a importância de 1987 na evolução da música - parte 5

Combate Rock

25/07/2017 17h00

Caio de Mello Martins* – publicado originalmente no site Roque Reverso

George Michael – "Faith"

Não seria justo em 1987 tirar a coroa do Rei do Pop. Os números falam por si só. Com "Bad", Michael Jackson vendeu 32 milhões de álbuns e emplacou cinco singles no topo das paradas. O detalhe, porém, é que "Bad" passou longe da marca de seu antecessor, nada menos que "Thriller", o álbum que até hoje detém o recorde de vendas da indústria fonográfica com 65 milhões de cópias. Houve também quem considerasse "Bad" um álbum cheio de músicas inócuas e marcado pela produção irritantemente milimétrica de Quincy Jones.

Se por um lado Jackson começava a descrever uma curva descendente em sua carreira, por outro alguém pedia passagem ao inaugurar sua carreira mundial em grande estilo — George Michael. "Faith" abriu as portas para um sucesso que o britânico nunca havia experimentado: seis singles no Top 10 da Billboard e quatro semanas no número 1 com a música título — isso sem contar no dueto com Aretha Franklin "I Knew You Were Waiting (For Me)".

Vender 25 milhões de cópias, como George Michael fez, no mesmo ano em que Michael Jackson, Prince e Madonna lançaram cada um seus discos não é para qualquer um. E "Faith" tem muitos méritos. A performance vocal dele é simplesmente estonteante, o cuidado que o cantor tem ao compor a melodia de cada verso é admirável.

Aqui, ao contrário do affair decididamente frívolo do Wham!, George Michael arrisca seus voos sobre diferentes estilos, de electrobeat ("I Want Your Sex Pt 1") a cool jazz ("Kissing a Fool"), passando por Gospel, Soul e SynthPop. "One More Try" era a menina dos olhos do falecido cantor, e dá para entender o porquê: George gravou nessa balada um de seus maiores tours de force.

E o melhor: nessa época ele ainda parecia se divertir, percorrendo com habilidade a linha tênue entre mise-en-scène e exuberância — do jeitinho que o brega gosta. Depois disso, seriam mais três álbuns de uma produção errática e crescentemente esnobe cujo tom dominante era de clamor por credibilidade artística.

Guns N' Roses – "Appetite for Destruction"

Destrutivo. Irresponsável. Ofensivo. São adjetivos que podem perfeitamente ser usados para descrever várias das primeiras estrelas do rock: Elvis, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry eram grandes misóginos que viviam suas vidas e compunham suas músicas baseados na impetuosidade implacável de suas personas regadas a muita testosterona. Estes ícones fundadores do rock ganharam projeção graças aos seus egos incontroláveis, cuja força libidinal era caudalosa demais para as frágeis barragens da civilização ocidental do pós-guerra, careta e recatada.

Jovens há décadas se fascinam pelo rock por reconhecerem nele os monstros que habitam nossas profundezas: o desejo, a violência, o ódio, o poder. Por isso podemos dizer, sem medo de errar, que "Appetite For Destruction" (veja outra resenha do disco aqui) foi a última grande declaração do rock n' roll, sem sutilezas ou recalques — e muito menos sofisticação.

Em músicas como "It's So Easy", "Night Train" e "Anything Goes", não há medida para os delírios de sexo e drogas de Axl Rose. Não tem nada de sugestão ou sedução: ele vai submeter quem for à sua necessidade latejante por algo que possa inebriá-lo por algumas horas, até que o apetite se renove. Por outro lado, é um grande engano fechar os olhos para o lado animal do ser humano.

Ocasionalmente, Axl reflete sobre a futilidade de competir com outros milhões pelos sonhos de fama e dinheiro, e sobre a maneira fútil com que pessoas se corrompem apegando-se à ilusão de serem predestinadas à glória. Axl sabe do sacrifício que é jogar o jogo, mas aposta alto mesmo assim, como se sua vida não valesse nada.

Esse niilismo e essa auto-rejeição são reforçados pelo rock n' roll nada refinado tocado por Izzy, Slash, Duff e Steven, que ao misturarem a crueza dos Sex Pistols com várias referências do hard rock americano, produziram uma versão "farofa" daquilo que o Motörhead havia criado dez anos antes.

Entre o lançamento em 1987 e o início da escalada nas paradas, "Appetite for Destruction" levou mais de um ano. Quando o público o descobriu, o efeito foi explosivo, tanto é que "Appetite" é até hoje o álbum de estreia mais vendido da história. Guns N' Roses foi a única banda de Hair Metal a sobreviver à onda grunge sem um arranhão, carregando apenas um álbum de inéditas debaixo do braço. Isso diz muito sobre seu caráter atemporal.

* Caio de Mello Martins é jornalista.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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