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Trintões do pop: a importância de 1987 na evolução da música - parte 4

Combate Rock

24/07/2017 17h00

Caio de Mello Martins* – publicado originalmente no site Roque Reverso

Faith No More – "Introduce Yourself"

No final dos anos 1980, quem acompanhava a cena underground do heavy metal tinha a impressão que não havia outro sentido para o estilo: as coisas só iriam ficar cada vez mais repulsivas, violentas, dissonantes e rápidas, estupidamente rápidas.

Presos à essa perspectiva evolutiva, fãs do gênero olhavam com certo desdém para bandas como Rob Zombie, Nine Inch Nails e Jane's Addiction no início dos anos 1990 — reunidas sob o rótulo "Alterna Metal" — e acusavam: "Isso não é Metal!!" Claro, nenhuma delas podia competir com o peso do que bandas como Death, Sepultura ou Morbid Angel faziam na época.

Elas nem tinham essa pretensão. A rivalidade surgia porque o "Alterna Metal" era esteticamente muito menos conservador e não se apresentava como um gênero de nicho.

Nem por isso suas músicas não deixavam o ouvinte com aquela vontade irresistível de bater a cabeça — a diferença era que o peso era só mais um atributo de algo mais eclético e multidimensional. Talvez o primeiro álbum a exemplificar esse novo approach à música pesada tenha sido "Introduce Yourself", o último LP do Faith No More a contar com Chuck Mosely nos vocais.

Não que o guitarrista Jim Martin fosse um coadjuvante na banda — sua pegada metal é parte crucial do som dos caras — mas a grande sacada do Faith No More está na cozinha. A bateria de Mike Bordin pega emprestado o groove da New Wave, os ritmos marcados do rap e a batida xamânica do Killing Joke para desenvolver um vocabulário todo próprio de percussão heavy, que também pode ser atribuída às pulsações e aos vigorosos slaps do baixo de Bob Gould, um dos poucos baixistas do Metal que pode se gabar de ser um protagonista.

Ouvindo o álbum, percebemos que o peso não se mede apenas por gritos, quantidade de riffs ou notas em um solo: o sutil e inteligente uso dos teclados ambientais de Roddy Bottum confere grande intensidade ao clímax das canções; mais importante, temos um vocalista que, se tecnicamente está muito abaixo do resto da banda, compensa com seu carisma como frontman.

Não só Mosely era uma peça rara — um grandalhão de 2 metros com um moicano de dreadlocks — como também sabia contrapor bom humor ao som pesado da banda, adicionando sua peculiar modalidade de rap: avesso a auto-mistificações, preferia incidir cores beatnikianas sobre situações prosaicas.

Ao mostrar que também o heavy metal poderia dialogar e construir pontes com estilos diversos para gerar novas expressões de cultura contemporânea e urbana, "Introduce Yourself" se revelou visionário.

Front 242 – "Front By Front"

Front 242 era o principal grupo de um movimento de bandas para as quais o componente conceitual era tão importante quanto a música. A vasta maioria dos artistas dentro do rótulo da Electronic Body Music era fortemente influenciada pelo construtivismo russo e propaganda soviética.

Como base, bebiam daquela mesma estética que exaltava o progresso tecnológico e fetichizava a racionalidade com que o consumo, o transporte e a comunicação eram otimizados e automatizados.

Mas, é bom notar, os músicos de EBM não estavam interessados em produzir uma visão nostálgica do comunismo, e sim comentar sobre a sociedade que os criou, a capitalista — sua dependência tecnológica, sua obsessão por performance, sua tendência a objetificar pessoas, ideias e relações humanas, tudo isso inspira o ritmo mecânico em looping do EBM, que parece espelhar o contínuo ciclo de destruição e criação que o capital nos impõe.

Vanguardeiro, o EBM também se apropriava das próprias artimanhas de controle da civilização ocidental para veicular sua crítica: aproveitando-se do aperfeiçoamento das tecnologias de sampling, seus grupos puderam reproduzir nas músicas a sensação de sobrecarregamento dos sentidos a que estamos sujeitos pela exposição ininterrupta a todos os tipos de mídia, que vomitam manchetes, anúncios, pastores evangélicos, heróis, vilões, ninfetas, todos disputando nosso inconsciente e estilhaçando nossa percepção em mil pedaços.

Ora monótono e metódico; ora esquizofrênico e cacófono; porém sempre impiedoso com seus tímpanos — "Front by Front" é assim, amplamente considerado a obra-prima não só do Front 242, mas de todo o EBM. "Work 01", "First In/ First Out" e "Welcome to Paradise" são ótimos exemplos de faixas incessantes de dança, contendo um trabalho arrasador de percussão eletrônica, que combinam vários inputs (gritos distorcidos, barulhos em mono, diálogos surrupiados em TVs) sem destruir a musicalidade do todo.

É chover no molhado dizer que "Headhunter" é o grande momento do álbum, mas essa é daqueles hits que poderiam tranquilamente ganhar um remix de meia hora. Entre sintetizadores corrosivos, percussão sísmica, vozes reverberantes e talvez o melhor refrão da história do gênero Industrial, Jean-Luc De Meyer relata a história de um caçador de talentos e abusa do trocadilho para enfatizar sua natureza predatória — afinal, o lobo do homem é o próprio homem. Alguém duvida disso?

* Caio de Mello Martins é jornalista.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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