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Bruce Springsteen prioriza a música e faz um excelente relato em autobiografia

Combate Rock

22/03/2017 07h00

Marcelo Moreira

Autobiografias de músicos, assim como biografias e histórias de bandas contadas por jornalistas em livros, costumam, na maioria das vezes, seguir uma fórmula manjada e simples, que invariavelmente dá certo. Bruce Springsteen apostou n fórmula, mas foi inteligente ao fugir das amarras e privilegiar o básico: a música.

"Bort to Run", de 2016, e lançado no Brasil pela editora LeYa, não é um primor de texto, mesmo com a boa tradução. Springsteen até abusa de algum humor ou mesmo piadas sem graça, mas não inventa, o que é uma grande coisa. Se lhe falta o estilo e a verve de Pete Townshend (The Who) ou o toque dramático de Eric Clapton, sobram-lhe clareza e bons argumentos em um texto linear.

Assim como Clapton, o Boss não se esconde atrás de eufemismos e não se apoia em muletas. Vai direto à questão e abusa da sinceridade e da honestidade. Consegue ser objetivo com doses de compaixão até mesmo quando fala das saídas de músicos amigos de sua E Street Band. Também consegue ser elegante e respeitoso ao falar do fracasso do primeiro casamento e de sua falta de habilidade emocional quando deste rompimento.

Existem outras intersecções com a elogiada e celebrada autobiografia do guitarrista inglês, mas o norte-americano se distingue naquele é o maior mérito da obra: a música como tema central e indissociável.

Clapton e Townshend, mais hábeis no texto, se esforçam por mostrar outras facetas de suas personalidades – querem parecer multifacetados, mesmo que isso os levem a abordar temas enfadonhos que fogem do escopo dos livros, tornando-os até mesmo desinteressantes.

Em "Born to Run", Springsteen faz questão de que todas as histórias, até mesmo as melancólicas e pouco interessantes viagens de motocicleta que fez pelo país e pela Califórnia, tenha relação direta com a música e com as decisões que tomou em relação a sua carreira.

Por este aspecto, e que é o maior mérito da obra, o guitarrista norte-americano dá uma aula de rock'n'roll e de como viver o rock'n'roll sem ser engolido pelos negócios, pela banda, pela briga de egos, pela pressão da família e pela doença (no caso, a depressão).

Em primeiro momento, parece que ele é um sobrevivente – ele mesmo diz isso. Só que, na verdade, é mais do que isso: ele é um vencedor em uma improvável carreira musical.

Bruce Springsteen decidiu muito cedo que seria músico e embarcou muito cedo no mundo profissional da música, no comecinho da segunda metade dos anos 60, com as bandas Castiles e Steel Mill, com amigos de New Jersey. No entanto, demorou para emplacar, o que só foi acontecer non início dos anos 70, já como artista solo acompanhando pela banda E Street Band.

E a aula de sobrevivência na selvageria do mundo dos negócios e do rock'n'roll domina quase toda a primeira metade do livro. Com muitos detalhes e muita sinceridade, Bruce descreve as imensas dificuldades da vida na estrada tocando de bar em bar, a crônica falta de dinheiro e as fracassadas primeiras viagens de carro à Califórnia.

Essa primeira parte parte é permeada com relatos sensíveis, com uma mistura de amor e ressentimento, de sua família ítalo-irlandesa, já indicando o tema delicado que abordaria abertamente mais para frente – a maneira de como enfrentou a depressão entre os 50 e 60 anos de idade.

A autobiografia de Bruce Springsteen não tem a sutileza e as técnicas de "Bruce", de Peter Ames Carlin, lançado em meados dos anos 2000 – o guitarrista e cantor elogiou a obra em várias entrevistas.

Em "Born to Run" não há muito espaço nas quase 500 páginas para recortes psicológicos e longas análises sobre os álbuns fantásticos que o músico gravou.

Ele dá as suas impressões sobre os principais trabalhos, mas prefere abordar a música para mostrar de que maneira ele se tornou o que é, saindo de uma cidadezinha do interior, Freehold, para se tornar um símbolo do rock norte-americano. Só por isso o livro é obrigatório para quem gosta de rock e para quem pretende entender com detalhes as dificuldades de mergulhar na carreira artística. Entre os artistas de rock, nenhum foi tão a fundo no tema.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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