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Galinha dos ovos de ouro nos anos 80, rock nacional perdeu ousadia e virou cult

Combate Rock

03/01/2017 06h46

Marcelo Moreira*

Hoje o cenário do rock nacional é reduzido e carente de propostas musicais ousadas e surpreendentes. Uma das características do rock, aqui e no exterior, é ser surpreendente. E o rock nacional deixou de ser surpreendente desde a banda Raimundos.

Desde então houve o lançamento de alguns bons trabalhos, mas de forma esporádica. Por mais que se questione, o último hit roqueiro brasileiro foi "Anna Julia", da banda Los Hermanos, de 1999 – e que é de uma qualidade questionável, mas que se tornou um hit incotestável.

Com o mercado dizimado, várias cenas que tinham interligação sumiram ou hibernaram. Com o desaparecimento do suporte das gravadoras, o cenário independente demorou a se reorganizar e conseguir algum tipo de visibilidade.

Rock nacional se tornou cult – e não sou poucos os detratores que vaticinam que o rock, como um todo, está no caminho de se tornar em alguns anos o que o blues é hoje, algo cult, mas restrito, um hobby para iniciados… Será?

Seja como for, não podemos descartar a tese de que o interesse pelo rock nacional teve picos de artificialidade nos anos 80 e 90. É consenso que faltou vigor criativo às bandas grandes e pequenas, e que houve um prejudicial distanciamento do rock nacional de seu público – o gênero ficou autoindulgente e derivativo, acomodado e receoso de ousar.

Los Hermanos (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Los Hermanos (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Passou a ter dificuldade de dialogar com o seu público – ou o que restou dele. Deixou de surpreender e, em última análise, deixou de oferecer produtos de boa qualidade com frequência. Houve um atropelamento, como consequência, por "mercados" que tiveram mais sabedoria e menos dificuldades para se adaptar ao terremoto das mudanças do século XXI.

O rock nacional perdeu a capacidade de surpreender. E perdeu essa capacidade porque o público mudou. O engajamento político nas letras do rock nacional, no caso entre as bandas mais importantes, foi recorrente até 1992, curiosamente no mesmo ano do impeachment do presidente Fernando Collor.

Depois disso, o protesto e o engajamento ficou restrito às bandas punks. As bandas parece que se cansaram do tom político e preferiram mudar a abordagem e buscar outros temas, o que fazia sentido, à época.

A democracia ganhava maturidade com eleições livres presidenciais, o plano Real aparentemente indicava que a economia melhorava e o país precisava de mais esperança – sme falar que o trator sertanejo e o crescimento avassalador do pagode faziam uma sombra terrível para o rock.

Sendo assim, o mercado acabou rechaçando tentativas de música de protesto, inibindo, assim, toda uma geração posterior, que teve poucas referências – e vontade -, de entrar em um terreno pantanoso, mas estimulante. Não é por outro motivo que tivemos o surgimento do emocore, de baixíssima qualidade.

Do jeito que está estruturado o mercado nacional, o mercado praticamente não tem mais espaço para o rock brasileiro. É preciso louvar a capacidade de organização e administrativa dessa "cena" sertaneja.

De fora, parece que existem, além de gente competente para gerenciar, uma verdadeira intenção de dar certo, de fazer com que os artistas atuem sempre, de alguma forma, em benefício do todo, do conjunto.

O profissionalismo domina, o estrelismo parece domado e controlado, e são raras as polêmicas destrutivas. As rivalidades existem, mas também são controladas.

Pouco ou nada disso ocorre ou ocorreu no rock nacional, que passou muito tempo contaminado pelo suposto glamour da "vida louca sexo, drogas rock'n'roll".

Admitindo a hipótese de que o rock retornou ao tamanho que sempre teve ou que sempre deveria ter, por não ser um gênero nativo, podemos supor que será difícil haver a médio prazo um crescimento significativo, ou alguma perspectiva de recuperar parte do terreno perdido.

Infelizmente, as gravadoras estão investindo mais no estilo sertanejo (ou outros populares). O rock deixou de ser vendável e essa parece ser uma tendência mundial do mercado fonográfico: dizimado, destruído e sem perspectivas, está mais preocupado em extrair o que resta para ser extraído do que em buscar saídas para revitalizar o negócio.

No caso brasileiro, a ideia é lucrar com o imediatismo o máximo possível, aproveitando qualquer brecha ou qualquer atração de qualidade questionável que possa render alguns segundos na TV e dúzias de shows em curtos períodos.

O rock, como um todo, virou um nicho de mercado nas rádios -e, por enquanto, bem restrito. Em São Paulo, no dial de FM, das quase 100 emissoras que se espremem, somente duas se dedicam ao rock, sendo que uma é voltada ao classic rock, ou seja, com espaço pequeno para novidades. Até dois anos atrás, havia apenas uma emissora.

Nos bons tempos do rock em alta, eram no mínimo cinco emissoras dedicadas ao gênero, que também tinha exposição considerável em pelo menos outras 15 emissoras de cunho mais popular.

A melhor definição veio de um amigo músico que abandonou o trabalho autoral: o rock brasileiro se transformou em "classic rock", pois o público só quer saber de Legião Urbana, Paralamas, Titãs, um poiuco de Barão Vermelho e mais nada.

Existe alguma saída para esse cenário complicado? Por incrível que pareça, sim. O exemplo é o rock independente autoral que aposta tudo na maior quantidade de shows possível e na proximidade cada vez maior com os fãs.

Os Autoramas, exclusivo para o Combate Rock (Reprodução/TV UOL)

Os Autoramas, exclusivo para o Combate Rock (Reprodução/TV UOL)

É o caso das bandas Autoramas (RJ), Cachorro Grande (RS), ambas veteranas, O Terno (SP) e Boogarins (GO), entre outras. Esta última faz turnês regulares pela Europa, consegue realizar mais de 150 shows por ano no Brasil e no exterior, tem uma estrutura enxuta e eficiente para lidar com os negócios. A mesma coisa acontece com os Autoramas.

Se elas conseguem, outras também podem. Vão ficar ricas? Não, pelo contrário. Serão superfamosas? Não. Entretanto, conseguiram se acomodar de tal forma a um mercado hostil que se tornaram sustentáveis de forma independente.

No momento, esse é o único caminho que vislumbro para que o rock possa iniciar uma recuperação de espaço, ainda que de forma leve. Essas bandas são o exemplo a ser seguido.

* Texto originalmente produzido para a revista paranaense Sintonize.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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