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E se Elis Regina cantasse rock? Ótima biografia sugere algumas respostas

Combate Rock

03/12/2016 21h00

Marcelo Moreira

Em 2012, em resposta a uma provocação, tentei responder à pergunta: e se Elis Regina cantasse rock? "Seria uma das melhores de todos os tempos, colocaria no chinelo Janis Joplin e qualquer outra. Isso como brasileira. Se nascesse na Inglaterra ou nos Estados Unidos, seria deusa."

A brincadeira/provocação nada mais foi do que um resgate do que eu tinha ouvido após um show no Centro Cultural São Paulo em meados de 1987. onde se reuniram três importantes grupos do cenário nacional – então iniciantes naquela época.

A provocação partiu de um guitarrista bem-sucedido na música brasileira, então sentado na calçada, comendo cachorro quente e tomando cerveja – igualmente quente.

Lembrei dessa conversa não por conta dos então 30 anos da morte da cantora brasileira, ocorrida em um 19 de janeiro de 1982 maneira estúpida, mas porque eu vi no Facebook algo relativo à banda de tal guitarrista – omito nomes por conta da falta de autorização para divulgar tal diálogo.

A conversa foi longa e o cidadão calmamente desfiou uma série de argumentos pertinentes para concluir que o mundo perdeu a maior cantora de rock de rock de todos os tempos – primeiro para a MPB, depois para a morte propriamente.

Curiosamente, uma parte de tal premissa aparece, em dois ou três momentos, da monumental biografia da cantora gaúcha publicada no ano passado pelo jornalista Julio Maria, do jornal "O Estado de S. Paulo".

Em "Nada Será Como Antes", o autor menciona que alguns artistas contemporâneos até fizeram comparações superficiais, mas com certa pertinência, a respeito do "tamanho" das vozes de Elis Regina e Rita Lee, entre eles Tom Jobim e João Gilberto.

A brincadeira era que Elis, da MPB (Música Popular Brasileira), tinha a voz poderosa de uma roqueira de primeiro time, enquanto que Rita, com sua vozinha sem potência, era a roqueira com com voz de bossa nova.

"Nada Será Como Antes" é uma obra poderosa, com estofo, que facilmente pode ser considerada, também, como uma breve história da MPB entre 1958 e 1982, muito por conta do poder de contextualização de Julio Maria.

Poder e personalidade

Dois momentos da carreira de Elis Regina corroboram afirmação que Elis poderia ter sido uma gigante do rock internacional: uma apresentação em 1965 em um festival de música, transmitido pela TV, e a série de shows "Falso Brilhante", entre 1976 e 1977.

Tentando me recordar da conversa com o músico há quase 30 anos, foi o que consegui pescar para em 2012 me certificar. E tenho de concordar que ela daria uma roqueira maravilhosa. Se nascesse na Inglaterra ou nos Estados Unidos, quem sabe se não seria uma "rock godess" ou uma verdadeira "queen of rock"?

Elis Regina nos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Elis Regina nos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O comportamento errático e rebelde já seria um grande requisito para mostrar que ela poderia, quem sabe, se tornar um misto de Keith Moon e Janis Joplin.

Irascível, meio cabeça dura, bocuda e de opiniões fortes, espantava e surpreendia em um momento complicado da vida brasileira, época brava do regime militar ditatorial.

Como cantora, sem entrar no mérito do repertório, era uma potência, tanto em volume como em consistência.

No palco, a pequenina Elis Regina crescia e dominava todos os espaços, criando ressonâncias e atingindo níveis de extensão vocal nunca vistos no Brasil e raramente vistos no cenário internacional. E a biografia "Nada Será Como Antes" ressalta todos esses aspectos.

De longe foi a melhor cantora que existiu no Brasil – ou seria a única? Em uma rápida comparação no cenário internacional, não tem para ninguém: Janis Joplin, Patti Smith, Joan Baez, Debbie Harry (Blondie), Chryssie Hynde (Pretenders), Joan Jett (Runaways), Tarja Turunen (ex-Nightwish), Angela Gossow (Arch Enemy), Anneke van Giesbergen (ex-The Gathering), Maggie Bell (Stone the Crow), Sandy Denny (Fairport Convention), Mama Cass Elliott (Mamas and the Papas), PP Arnold, Grace Slick (Jefferson Airplane), Imelda May, Amy Winehouse…

Daria uma disputa boa se a comparação fosse com Tina Turner, Aretha Franklin, Nina Simone, Billie Holiday, Doro Pesch… Mas não é que Elis deu uma passeadinha pelo rock que tanto ignorava, ainda que tinha sido o soft rock? Ela cantou na TV "Yesterday", dos Beatles, com o então marido César Camargo Mariano ao piano, em uma versão interessante, bem jazzística. Os Beatles voltaram a merecer a sua atenção na dobradinha " Golden Slumbers"/Carry That Weight, que fecha "Abbey Road", álbum de 1969, em uma versão muito boa.

Elis Regina não teve concorrentes no Brasil, e sorte de Rita Lee, Cássia Eller, Paula Toller e Fernanda Takai, entre outras, que a cantora gaúcha tenha ignorado o rock – tanto é verdade que liderou um estapafúrdio protesto-passeata contra a guitarra elétrica nos anos 60.

Elis Regina escolheu a MPB por todas as razões mais óbvias do mundo. O rock era desconfortável para ela, embora o blues lhe coubesse perfeitamente. Entretanto, no rock, seria estrela internacional e uma das maiores de todos os tempos – com chances de ser a maior de todas. Azar de Elis e azar do rock.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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