Bootleg x pirataria: a diferença nem é tão grande assim
Marcelo Moreira
Bootleg não é pirataria. É comum vermos essa frase ser usada em diversos fóruns na internet e até mesmo em congressos de fãs de determinada banda como justificativa para a disseminação de conteúdo artístico e/ou intelectual sem a devida autorização do autor ou detentor dos direitos.
Os melhores argumentos de quem defende o bootleg são fracos: "não trazem prejuízo a ninguém" e "ajuda a divulgar o nome do artista, seja em qual ambiente for". Não é bem assim. A divulgação de material não autorizado, em tese, lesa o artista na medida em que, obviamente, ele não recebe nada pela divulgação/disseminação; e também causa lesão ao permitir que material de qualidade inferior, descartado seja lá qual for o motivo, chegue ao ouvinte, causando "má impressão".
Bootleg é sim um tipo de pirataria, mas desde os anos 90 deixou de ser uma preocupação para os artistas. Geralmente esse tipo de material só interessa a fanáticos ou colecionadores, daqueles que querem ter tudo de um artista, mesmo que seja uma conversa de camarim ou som do artista vomitando.
O maior problema para o mercado cultural, para artistas e para as gravadoras, é a pura e simples clonagem de um CD/DVD/livro, sempre em qualidade inferior. Neste caso, a lesão ao produtor/disseminador de cultura é muito maior e mais grave..
Os bootlegs chegaram a preocupar as gravadoras no período entre 1985 e 1995, quando o CD ficou popular. Muitos bootlegs – a esmagadora maioria gravações de shows nunca lançados, sobras de estúdio, gravações alternativas de músicas de sucesso ou tediosos ensaios – foram produzidos em escala quase industrial em países como Itália e União Soviética (depois Rússia).
Nos dois países, a legislação a respeito de direitos autorais continha brechas que acabavam por estimular a criação e comercialização de tais produtos. Ficaram famosos no Brasil e na Argentina os "italianos" com um cachorro como "selo musical" contendo shows de artistas dos mais variados. As quantidades de cada um dos produtos eram sempre pequenas, nunca ultrapassando mil cópias.
Esse material geralmente era vendido às gravadoras piratas italianas, russas e até japonesas geralmente por integrantes de fã-clubes ou até mesmo por membros de equipes que faziam o som nos shows, gravando muitas vezes o áudio direto da mesa.
A pirataria bootleg do tipo italiana perdeu força na segunda metade da década de 90 com o aperto na legislação e fiscalização na própria Itália e na Rússia. A internet virou o paraíso para esse tipo de conteúdo, disseminado de graça, mas chamando a atenção somente dos fanáticos.
Os artistas detestam, pois consideram que todo bootleg não passa de material ruim, sem qualidade necessária para se tornar um produto oficial. As gravadoras idem, porque esse tipo de gravação em tese canibaliza um eventual lançamento de CD ao vivo.
Alguns artistas tentam tirar vantagem do fanatismo e aderem, até certo ponto, à estratégia: The Who e Pearl Jam, por exemplo, chegaram a colocar à venda mais de 130 shows cada, em CD e em DVD, diretamente em seus sites oficiais, durante ou após a realização de turnês anos 2000. Tiveram vendas satisfatórias, mas insuficientes para justificarem tal investimento. Hoje abandonaram, temporariamente, a iniciativa.
A prática mais comum no combate aos bootlegs, mas que não passa de oportunismo, é a reedição um álbum ou de discografias inteiras em CD com a inclusão de "faixas-bônus" – gravações ao vivo ou músicas gravadas mas nunca lançadas oficialmente. Quem tem todos os discos de uma banda e é fanático acaba por comprar novamente os álbuns com as "novidades".
Seja como for, o bootleg é pirataria sim, mesmo que seja considerada por muitos do "bem", já que normalmente não causa lesão financeira ou artística ao artista e muito menos às gravadoras as que sobraram. O mercado tem é de combater a pirataria verdadeiramente nociva, que é a clonagem grosseira e barata de originais, essa sim lesiva em todos os sentidos. Em tempos de todo tipo de download na internet, os bootlegs são os menores problemas para artistas, produtores e empresários do meio.
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