Saúde de Lemmy cambaleia, e Motorhead começa a preparar a sua retirada
Marcelo Moreira
Lemmy Kilmister sempre ironizava Keith Richards no começo dos anos 2000. Meio na brincadeira, meio a sério, considerava-se o verdadeiro "highlander", o imortal do rock, diante do que já tinha passado e vivenciado no rock.
"Keith é um dos grandes, o maioral talvez, e é um imortal também, mas ficou rico aos 20 anos de idade com o sucesso dos Stones. Eu camelei e fiz muita coisa antes de ver algum dinheiro com mais de 30 anos de idade, com o Mortorhead. E Keith é só dois anos mais velho que eu", zombou o cantor e baixista do Motorhead, instituição metálica, em declaração à revista norte-americana Kerrang!
O tempo cobrou a conta de Richards, inclusive com uma delicada operação no cérebro em 2006, mas o vovô ainda está aí, tocando para milhares de fãs nas comemorações dos 52 (!!!!) anos de carreira dos Rolling Stones.
A conta também veio a Lemmy, de forma mais pesada e complicada, dois anos atrás, quando problemas gástricos e cardíacos forçaram o guerreiro do metal a dar um tempo e cancelar shows – algo inédito no Motorhead. E agora o quadro se complica, com o Motorhead cancelado por tempo indeterminado a turnê atual que faz nos Estados Unidos, ao lado de Saxon, divulgando o álbum "Bad Magic", recém-lançado.
Quando passou pelo Brasil no primeiro semestre deste ano, a banda teve de cancelar o show em São Paulo por conta de uma intoxicação alimentar, mas tocou nas outras duas datas agendadas no Brasil.
Inadvertidamente, os problemas de saúde de Lemmy desovaram em uma despretensiosa edição deluxe do álbum "Aftershock", de 2013, que é o último – e ótimo – álbum do trio, oficialmente lançado em 2014 com o nome de "Aftershock Tour Edition), com produção de Cameron Webb. O subtítulo nos Estados Unidos é "Best Of The West Coast Tour 2014".
O segundo CD, que é bônus, traz uma série de clássicos da banda gravados ao vivo ao longo da turnê 2012-2013 pela Europa e pelos Estados Unidos, e o que vemos é uma banda sem a mesma pegada de antes, com Lemmy bastante cansado em algumas músicas.
Não chega a ser ruim ou desesperador, mas quem conhece a pegada da banda ao vivo percebe claramente que a situação está bem diferente – e não muito boa.
As gravações do CD bônus trazem quase nada de produção – propositalmente ou não. A mixagem deixou o som cru, como foi gravado diretamente da mesa, parecendo um bootleg gravado diretamente da mesa, com os prós e contras disso.
O público está um pouco distante, com o produtor preferindo realçar a performance da banda. E o que podemos escutar é a banda mais lenta, menos letal e menos energética, soando bem mais bluesy do que o normal.
Lemmy tenta manter o pique em "Damage Case", mas falta fôlego na metade da música. Situação semelhante vemos em "Metropolis".
O baterista Mikkey Dee segura a onda, mas Lemmy se esforça para acompanhar, e o guitarrista Phil Campbell também se esforça, mas em algum momento após o primeiro solo da música a coisa desanda.
A voz de Lemmy quase some em "Over the Top", embora haja algum fôlego para o superhit "Ace of Spades", mas o encerramento com a maravilhosa e apoteótica "Overkill" soa pálida, estranha e sem a força necessária.
Claro que é uma crítica, mas, mais do que isso, é uma constatação: Lemmy setentão está tendo prolemas para manter o nível extraordinário de sua banda ao vivo, como podemos constatar em vários DVDs lançados ao longo dos anos 2000 e nas recentes aparições da banda no Brasil – notadamente no Rock in Rio 2011, quando simplesmente detonou.
A saúde precária dos últimos dois anos estão pesando, e infelizmente não veremos mais o Motorhead ao vivo como nos acostumamos a idolatrar.
Lemmy é um dos últimos gigantes do metal de todos os tempos, e fez muito por todos nós. No entanto, aparentemente, sua hora está chegando. Então que prestemos nossas homenagens e não exijamos mais do que ele pode nos dar nestes tempos.
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