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O rock na academia: livros analisam a sociologia e a antropologia do gênero

Combate Rock

28/05/2015 06h52

 Marcelo Moreira

Ainda que lentamente, está aumentando o número de acadêmicos que estão pensando o rock, tema cada vez mais recorrente em teses de pós-graduação, mestrado e doutorado nas universidades brasileiras. São estudos sérios, mesmo que herméticos e impenetráveis, ás vezes.

O mais interessantes dos últimos tempos é "Sociologia do Rock", estudo que virou livro por maio da Editorial Paco, do Rio Grande do Sul, com base em um uma coletânea de textos de autores ligados à Unipampa (Universidade Federal dos Pampas).

De leitura mais acessível e rápida, teve a organização dos professores Cesar Beras e Gabriel Sausen Feil, que coletaram artigos e textos que analisaram o rock em seu contexto sociológico e o impacto que teve na sociedade ocidental a partir dos anos 50.

Não espere uma abordagem original ou análises muito profundas. os conceitos são os básicos, expostos de forma a facilitar a leitura de interessados que não são fanáticos pelo gênero. De forma didática, ainda que de forma empolada, traça uma linha histórica dos principais fatos que marcaram o gênero e traz uma convincente e aceitável análise sobre as origens do estilo.

Em alguns textos, há uma tentativa de abordar o tema de forma mais "literária", digamos assim, como no trecho em que relaciona o surgimento do termo rock ao dramaturgo e escritor inglês William Shakespeare (1564-1616).

"O termo rock surgiu com Shakespeare, cruzou os mares em navios negreiros, desembarcou nos Estados Unidos e, nos anos cinquenta, batizou o gênero musical que ainda hoje mobiliza milhões de pessoas em todo o mundo. Enquanto gênero musical, originário da fusão da música negra e branca, agregou apelo sexual e rebeldia juvenil, desdobrou-se na 'beatlemania' dez anos depois e promoveu a mais profunda revolução musical e comportamental do Século XX", diz a ambiciosa apresentação da obra, que tem preço salgado – R$ 37,90 para apenas 176 páginas em uma edição bem simples.

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Em termos de originalidade, ganha destaque o livro muito bem escrito e muito informativo, quase um livro-reportagem "Trevas sobre a luz – O underground do heavy metal extremo no Brasil". Editado há alguns anos pela editora Alameda, de São Paulo, ainda pode ser encontrado na Livraria Saraiva e na Cultura. O autor é Leonardo Carbonieri Campoy, professor da rede pública do Paraná e ex-vocalista de várias bandas de metal do Paraná.

Se existisse uma categoria científica chamada "antropologia urbana", esta obra seria o melhor exemplo. Campoy consegue traduzir para o mundo real o significa música extrema e metal extremo. Destrincha para quem não entende como aquele "barulho brutal" pode ser chamado de música, além de mostrar toda uma estética construída por trás do movimento – agressivo e às violento, em termos sonoros, mas que agrupa uma parcela expressiva de adeptos.

O livro constrói sua argumentação sempre tendo a música como base, mas investiga como foi possível construir uma comunidade no Brasil em torno de um subgênero musical ignorado pela mídia tradicional e execrado pela sociedade conservadora – às vezes, nem tão conservadora assim. Afinal, como foi possível prosperar por aqui uma cena que tem por base uma música brutal e a gressiva, originária da Alemanha e da Escandinávia?

A formação de Campoy ajudou bastante na elaboração do texto. Sociólogo, com ampla visão do que significa a antropologia como ferramenta científica, ele não se limitou apenas a mostrar a existência de uma cena metálica extrema: pesquisou o seu surgimento e conseguiu escancarar os detalhes de seu funcionamento.

Não há uma grande preocupação em buscar conclusões definitivas a respeito do assunto. Campoy tenta entender e traduzir como foi possível que o metal extremo, com sua agressividade e peso, atraiu adeptos mesmo abordando temas até então distantes da realidade artística e lírica do meio cultural brasileiro, apoiando-se em um imaginário que estiliza o mal, o abjeto, o horror, a destruição – quando não o satanismo e a negação total da sociedade ocidental atual e qualquer coisa que possa ser ligada à religião e à Igreja Católica.

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Coisa de gente esquisita e marginalizada, ou revoltada? Até pode ser em alguns casos, mas Campoy demonstra por meio de muita informação que o heavy metal, extremo ou não, é um gênero que necessita de uma certa dose de conteúdo e de inteligência, ao mesmo tempo em que incentiva o questionamento, a buscar explicações – incentiva o pensamento, estimula o ouvinte a pensar.

Portanto, heavy metal é coisa de academia, de pós-graduação, de doutorado. Coisa de gente inteligente e com conteúdo, ao contrário que normalmente se vê em outros gêneros e subgêneros musicais populares tão apreciados no Brasil. É uma leitura obrigatória para quem pretende entender, de alguma forma, o porquê de o subgênero pesado e agressivo atrair desde crianças e adolescentes até professores e sociólogos.

Leonardo Campoy é bacharel em ciências sociais pela Universidade Federal do Paraná e mestre em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Trevas sobre a Luz" é a dissertação de mestrado defendida no fim de 2008 na UFRJ. Como ela ganhou um prêmio da ANPOCS (associação nacional dos programas de pós graduação em ciências sociais), foi virou livro.

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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