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Plebe Rude, Satânico Dr. Mao e Biquíni Cavadão resgatam a política no pop

Combate Rock

04/03/2015 07h00

Marcelo Moreira

A onda de indignação tirou muita gente de casa e dos escritórios e colocou milhões nas ruas, protestando contra tudo e contra todos – e contra ninguém, no final da contas. O clima de protesto estar "fazendo e participando da história", no entanto, era contagiante e a empolgação da molecada era geral. E eis então que a trilha sonora dos movimentos de junho e julho de 2013 em muitos pontos do Brasil era "Até Quando Esperar", um dos grandes hinos da Plebe Rude, banda brasiliense de inspiração punk… mas dos anos 80.

O rock nacional explodiu há três décadas calcado no pop rock e também envolto no clima político de fim da ditadura militar. Bandas punk e hardcore ganharam projeção com letras politizadas e de protesto, como Ratos de Porão, Garotos Podres, Ação Direta, Inocentes e Cólera, entre outras. Plebe Rude, Paralamas do Sucesso e Titãs também seriam influenciados e criaram bons temas.

Trinta anos depois, em clima de agitação nas ruas, e com uma eleição presidencial polarizada e tensa, a trilha sonora permanece a mesma, sem que novos artistas consigam se interessar pelos temas mais políticos – ou que tenham capacidade para tal. E então temos os veteranos se aproveitando da agitação atual para seus novos trabalhos, e se dando bem com isso.

Os Titãs puxaram a fila com "Nheengatu", em 2014, onde o hoje quarteto mostrou-se rejuvenescido e com pique. Um pouco mais pesado e mais energético, o grupo captou bem o movimento das ruas de 2013. Neste ano, na cola, vieram a Plebe Rude, o Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos e, quem diria, o Biquíni Cavadão, todos egressos dos longínquos anos 80.

Plebe Rude

A Plebe Rude afiou o repertório e mostrou vigor e competência no bom álbum "Nação Daltônica", seu mais recente trabalho. Os ecos do movimento punk permeiam todo o álbum, que tem bastante energia e pique com as guitarras nervosas e precisas de Clemente Nascimento, a alma dos Inocentes, ainda na ativa.

O guitarrista e vocalista Philippe Seabra, como sempre, é o motor da banda, com a sua urgência e ferocidade, bem como nas letras certeiras. "Anos de Luta" parece saída diretamente do álbum "O Concreto Já Rachou", clássico oitentista da banda, e se torna candidata a hit e trilha para os protestos programados para este mês de março.

"Rude Resiliência" e "Três Passos" mantêm o pique politizado e ressaltam ainda mais a urgência impregnada em todo o CD: são rápidas, roqueiras e com certo peso nas guitarras, trilhando por caminhos onde a melodia às vezes é suplantada pelo ritmo frenético. "Nação Daltônica" é contundente na mensagem a respeito do comodismo brasileiro, mas tem uma veia um pouco mais pop, embora possa ser considerada a melhor do álbum, ao lado de "Anos de Luta.

O álbum autointitulado do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos frequentou muitas listas de melhores de 2014, e com muita propriedade. Navegando em águas muito mais do que conhecidas, José Rodrigues Júnior, o Mao, é um veterano dos anos de chumbo e de luta dos primórdios do punk rock nacional.

Como líder dos outrora indispensáveis Garotos Podres, o professor universitário de história mostrou-se um dos mais ferinos e afiados críticos do capitalismo e da sociedade conservadora brasileira pós-regime militar. Especialista em escrever letras curtas simples e sarcásticas, Mao se tornou sinônimo de artista engajado e politizado.

Após o racha nos Garotos Podres em 2011 por questões ideológicas, Mao deixou a banda e montou o projeto Satânico Dr. Mao com a pegada ainda mais forte na crítica social com viés esquerdista, fazendo questão de manter intacto o espírito oitentista.

A banda aproveitou bem o timing do momento, sendo a primeira a captar o clima das ruas em 2013. Em pouco tempo, naquele ano, já tinha lançado duas músicas na internet com o tema. "Repressão Policial" e "Um Grito em Meio à  Multidão" saíram quase um ano antes do álbum, e celebraram o momento em que o povo saiu às ruas. Se falta peso nas guitarras, sobram energia e velocidade, assim como acidez.

satanico dr mao

As referências históricas não poderiam ficar de fora, como uma versão curiosa para o clássico latino-americano "Guantanamera", e outra, bem mais forte e interessante, para o clássico irlandês "Sam Song", um dos temas de batalha do temido IRA (grupo terrorista Exército Republicano Irlandês) dos anos 70, com letra em português muito bem sacada.

João Gordo, dos Ratos de Porão, é o convidado na ótima "Hospícios", da banda Excomungados, a música mais pesada e provavelmente a melhor do álbum. A veia satírica marca presença com a hilária "Fórmulas Secretas", com a descrição de como produzir uma bomba termonuclear.

Ainda que com os pés fincados nos anos 80, Satânico Dr. Mao consegue adicionar frescor às músicas de protesto e politizadas, modernizando alguns timbres e aplicando algumas variações melódicas pouco usuais dentro da estrutura simples e reta do punk rock genuíno.

Por fim, temos os cariocas do Biquíni Cavadão, outro expoente do rock nacional dos anos 80, mas um degrau abaixo dos grandes nomes daquela geração. Assumidamente pop e especializada em composições com refrões grudentos, cortesia do criativo vocalista Bruno Gouvea, a banda se apresentou recentemente no programa Altas Horas, da TV Globo, comandando por Serginho Groisman.

Na rápida apresentação de seu número musical, Gouvea anunciou um medley de três músicas, abrindo com uma composição nova que deverá estar no próximo álbum, a ser lançado ainda este ano. "Livre" teve apenas um trecho executado, mas também foi inspirada nas manifestações de 2013, mas enfatizando a liberdade de expressão e o direito de ir às ruas protestar.

Surpreendentemente, é um tema mais rápido e ligeiramente mais pesado, desviando de forma clara do que normalmente a banda costuma produzir, em uma mudança ousada e arriscada, mas muito bem-vinda. Oportunismo? Pode até ser, mas, diante da indigência de artistas nacionais interessados em temas politizados, o repentino interesse do Biquíni Cavadão é bem-vindo.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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