Topo

TV e reciclagem de fórmulas batidas não ressuscitarão o pop rock

Combate Rock

22/12/2014 07h06

Marcelo Moreira

A crise criativa do rock nacional passa pela pasteurização musical empurrada recentemente pelas emissoras de TV, notadamente a TV Globo, que tem obtido sucesso com seus reality shows espetaculosos, mas estéreis, desprovidos de conteúdo completamente reféns da audiência.

O reflexo disso é que o pop rock nacional, à míngua, "comemora" a ascensão de dois expoentes expelidos desses programas, Sam Alves, vencedor do tétrico "The Voice Brasil", e a banda Malta, do igualmente horrendo "Superstar". Os dois se tornaram a cara do que "está dando certo" no mercado brasileiro, independente dos méritos ou da forma como ascenderam – mesmo reconhecendo o impulso grandioso da TV Globo.

A saga dos dois artistas foi dissecada em bom texto do UOL com o título "Com fórumlas antigas, Sam Alves e Malta criam filão da estrela 'Made in TV"', de autoria de Leonardo Rodrigues. Não há sintoma mais evidente da crise e do buraco onde o pop rock se enfiou,

A mera reciclagem de truques mercadológicos é tão estéril quando o conteúdo de tais artistas. Não só nada acrescentam em termos qualitativos ou estéticos como ajudam a estagnar o que já está próximo da fossilização.

Dados divulgados pela empresa Crowley, que mede a execução radiofônica de músicas, revelou que, pela primeira vez desde o ano 2000, quando a medição se tornou efetiva, o rock ficou de fora do top 100. Isso ocorreu no mês de novembro.  Em 15 anos de ranking, havia ao menos um rock do Brasil nas 50 mais tocadas. Em 2014, o melhor resultado é do Skank, em 81º, com "Ela me deixou".

Há um sentimento generalizado entre músicos e produtores do meio roqueiro de que os dois artistas conquistando sucesso, vendendo suas músicas e aparecendo bastante, favorecerão o ressurgimento de uma cena quase extinta. Opiniões neste sentido foram manifestadas nas edições de dezembro das revistas especializadas Bass Player Brasil e Modern Drummer Brasil, que trazem entrevistas com músicos das bandas de apoio dos dois realities da TV Globo.

Outro que saúda o sucesso da Malta é o vocalista Henrique Papatella, da banda mineira Scarcéus, que faz um pop rock de qualidade e inteligente, mostrando muito mais qualidade do que a vencedora do "Superstar".

De forma madura e com bons argumentos, o cantor exalta a ascensão do Malta como algo positivo, que sinaliza ao mercado de que é possível reviver, de alguma forma, o desejo de ampliar o público e divulgar a banda ao máximo em tempos de downloads gratuitos e de músicas cada vez mais descartáveis e desvalorizadas.

Papatella crê que é possível aproveitar as oportunidades que a TV Globo oferece, ainda que com algumas restrições, pois é a melhor (talvez a única?) forma em que um artista consegue desenvolver um trabalho minimamente decente.

É um ponto de vista respeitável, de quem batalha há mais de dez anos no mercado e que já emplacou canções em trilhas da própria TV Globo – uma das mais recentes, "Não Quero Olhar para Trás", está na trilha da novela "Alto Astral", atualmente no horário das 19h da Globo. Texto do canto foi publicado recentemente aqui neste Combate Rock – clique para lê-lo.

Eu não consigo ver dessa forma tão otimista  pelo contrário. Não se sabe se esses músicos creem nisso por desespero ou por um genuíno – e um pouco ingênuo – sentimento de otimismo exagerado. Quando as bandas emo surgira, em meados da década passada, discutiu-se muito a (falta de) qualidade dos artistas, que empestearam as rádios e as paradas de sucesso, com o surgimento de tese "pelo menos é rock".

Dizia-se então, em vários momentos e vários segmentos, que as bandas emo deviam ser apoiadas, pois pelo menos era rock e mantinham o rock em alta, mesmo que fosse efêmero, dando um fôlego maior um gênero que começava a ficar moribundo, deixando a porta aberta para outros artistas.

Como era previsto, e como presenciamos, as bandas emo sumiram sem deixar vestígio e em nada contribuíram para o surgimento do que quer que seja no pop rock. O subgênero não parou de descer a ladeira, até afundar-se cada vez mais ao sumir do Top 50 das emissoras de rádio, soterrado por toneladas de porcarias oriundas do sertanejo, do funk carioca e do pagode.

Em tese, a TV poderia se tornar a grande plataforma para a música recuperar um pouco de seu valor e credibilidade, como apregoam, com boa dose de razão, vários músicos do segmento. Entretanto, a máxima imutável permanece: música ruim é música ruim, e não há anabolizante que consiga sustentar algo sem conteúdo e completamente envolto em marketing, briga por audiência e conteúdo artificial.

Olhando histórico recente dos últimos anos, não deve sobrar quase nada de Sam Alves e Malta no médio prazo, os realities shows continuarão a ser o que sempre foram, meros realities cuja finalidade é entreter, sem pretensão, ousadia e audácia, empurrando sempre atrações anódinas, insípidas e estéreis, destinadas a gravar álbuns sofríveis e soçobrar logo em seguida, como ocorreu com todos os supostos vencedores de programas anteriores.

Se o caminho para a retomada da relevância é a TV, infelizmente, para o pop rock, ele ainda não foi descoberto. E, pelo jeito, vai demorar para que seja redescoberto.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock