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André Christóvam, a cara do blues no Brasil - parte 3

Combate Rock

25/10/2014 22h05

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

 EM – O Mandinga estava germinando?

AC – Já tinha o disco pronto. Ele achou que eu ia fazer um disco de blues solo. De repente montei a banda com o Márcio Vitulli e o Alaor Neves. A gente ensaiou quarenta dias sem saber que ia ganhar um disco. De repente virou.

EM – Onde entram o Herbert Lucas e o Flávio Guimarães nessa história?
AC – O Herbert era padrinho de casamento do Alaor Neves. Não tínhamos empresário e deixamos o Herbert cuidar dessas coisas. Já estávamos na gravadora e ele pegou a produção executiva do disco. Conheci o Blues Etílicos através do Renato Arias, dono da loja Satisfaction, no Rio. Ele disse que iam tocar no Blues and Jazz e se eu poderia ver a banda. Gostei muito e como ia tocar na próxima semana chamei o Flávio para tocar comigo e depois eles me chamaram pra tocar no Rio. A gente sempre se deslocava para prestigiar o outro. Ninguém me conhecia no Rio de Janeiro, quer dizer, eu conhecia o pessoal do jazz, o Nico Assumpção, o (Carlos) Bala morava lá naquela época, e do rock conhecia o Frejat e o Lulu. Não existia cena de blues no Brasil.

EM – Aí finalmente saiu o Mandinga?
AC – Quando fizemos o especial da Manchete recebemos os vinis que haviam acabado de ser prensados. Quando o Cesar Castanho montou o festival em Ribeirão Preto ele me convidou e ainda perguntou com quem eu queria tocar. Na ideia dele eu abriria o festival na quinta-feira para o Buddy Guy. Eu disse que preferia tocar com o Albert Collins. Ele me perguntou por quê? Eu disse que no sábado ia ter gente saindo pelo ladrão e o Albert Collins é meu maior ídolo e meu amigo. Havia sido roadie dele em Los Angeles. Ele me disse que ia dar a abertura do festival para o Blues Etílicos.

EM – Os discos Mandinga, A Touch of Glass, Água Mineral e San Ho Zay venderam como pãozinho quente.
AC – Venderam mais juntos do que toda a discografia internacional de todos os tempos, incluindo BB King e Robert Cray, de acordo com a pesquisa do Luiz Fernando Vitral que na época era da Veja. Ele disse que a gente havia acabado de bater o recorde de vendas de blues. Lembro do John Hammond jantando na minha casa na época do álbum 2120 e eu dizendo que havia vendido pouco, só 15 mil cópias, porque não pudemos divulgar por causa da morte do BB Odon. Ele me disse que se vendesse isso nos Estados Unidos teria virado divindade. Eu comparava com a Rita Lee que na primeira semana tinha 150 mil discos vendidos.

EM – Nessa época os artistas da MPB batiam em 800 mil a um milhão de cópias.
AC – Existe uma coisa que a indústria não explica. Um milhão de discos vendidos eram um milhão de discos entregues. O quanto eles recebiam de volta era outra coisa. Um disco de ouro demorava entre 60 e 90 dias com, de fato, um disco de ouro.

EM – Os dois primeiros discos no Brasil que levaram o rótulo de blues foi o Mandinga e o Água Mineral. E vocês chegaram cantando blues em português. Gostaria que falasse sobre isso.
AC – Toco blues ao vivo todas as noites desde 1981. Toda vez que chegava num dono de casa noturna o cara falava: "Blues é muito triste, André. É muito chato, dá sono". Eu dizia que eles estavam ouvindo blues errado. Quando a gente tocava R&B levantava a casa, todo mundo começava a dançar. Só que ninguém conseguia escrever blues em português. No momento que você vai fazer uma música em português. Pega as letras dos Beatles, por exemplo, o Ronnie Von cantando Meu Bem. A língua não ajuda. Não dá para ser romântico em português sem ser brega, porque nós tivemos um excesso da breguisse melódica na Jovem Guarda.
As letras eram muito melosas. Não importa que o Erasmo era um rocker ou que o Roberto em algum momento passou a fazer grandes letras. Nos anos 80 estávamos vivendo no Brasil um momento em que as letras haviam ficado inteligentes.

 EM – Nessa época havia uma profusão de letristas bons, Cazuza, Renato Russo, Lulu, Herbert e outros.
AC – Exatamente. Falei ao Pena Schimidt que queria fazer um disco de blues. Minhas canções pops eram boas, Fútil Rock and Roll, Conta da Light e Assassinato Anônimo eram legais. A Rita gravou Para com Isso, do disco Flerte Fatal, depois de eu cantar para ela: Se não for olho gordo, deve ser a lua cheia/Cruzar a garçonete que serviu a santa ceia/Isso não é miopia, isso é praga de madrinha/Baby, baby para com isso/Baby, baby sai dessa lama/Baby assim você acorda o cortiço/Baby assim você quebra essa cama/Você foi na verdade um acidente de trabalho/Um porre sem bebida, um tremendo ato falho/Te vendo em minha cama procurei por meu arreio, gritei por São Genaro, você acha que ele veio. Quando acabei de falar isso, ela disse: "E você acha que essa música é do Kid? Não, é minha". Ela me parou antes do segundo refrão dizendo que ia gravar. Tinha achado uma maneira que tem muito mais a ver com Noel Rosa, Ataufo Alves e Adoniram Barbosa.

EM – Ou seja, o lado bem humorado do blues.
AC – Confortável roubei Built for Confort do Howlin' Wolf, não pedi emprestado. O fato é que todas as nuances das letras de blues não haviam sido traduzidas. Quando comecei escrever essas coisas, usei os recursos que tinha. Usando o português que eu tinha. O Kid é um cara que escreve muito bem, não letras de música, mas textos. A Rita, o Raul, o Marcelo Nova.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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