Protestos contra as bandas 'cover' são retomados, ainda que timidamente
Marcelo Moreira
Depois de um arrefecimento, músicos brasileiros de rock retomam a campanha contra as chamadas bandas covers, aquelas que só tocam versões de clássicos do rock – e da música em geral. A irritação, que beira o ódio, pode ser facilmente percebida nas redes sociais, protestos contra o que chamam de predomínio das bandas de imitação, em prejuízo dos artistas que apostam em trabalhos autorais, cada vez mais sem espaço em bares, restaurantes e festivais nas grandes cidades.
A campanha começou de forma tímida e descoordenada – como agora – no interior de São Paulo no começo de dezembro passado e se alastrou nas redes sociais. Desta vez a queixa mais severa surgiu no Rio de Janeiro. O guitarrista Eduardo Marcolino, de Niterói, desabafou:
"Hoje (quarta-feira passada) vi propaganda de show de banda COVER de Pink Floyd (banda brasileira mesmo), no Citibank Hall, umas das maiores casas de show do Rio de Janeiro, com capacidade pra milhares de pessoas. Esse negócio de show cover/tributo tá indo longe demais. E mais uma vez eu digo: um monte de gente fazendo música boa por aí e a galera prefere ficar vendo imitações. Não é à toa que a mesma galera fica repetindo aquele papo furado que 'o rock morreu' A culpa é de todos os 'roqueiros' que só saem de casa pra ver tributo a bandas consagradas, mas mal vêem um videozinho no Youtube de quem tá lançando trabalho novo (pagar por álbum de inéditas ou show autoral então, nem pensar). Nada contra os covers, acho legal até. Mas tudo tem limite", escreveu Marcolino no Facebook.
Outros músicos paulistas voltaram à carga em chats e fóruns na internet, cobrando uma postura mais ativa do mercado – e deles próprios – para reverter ou ao menos amenizar a suposta crise. Alguns até mesmo são partidários ao boicote a casas que preferem os covers. O tema é delicado e poucos ainda aceitam se expor. Mas existe um movimento de artistas que pretende discutir a questão. Uma iniciativa que merece muita atenção é a criação do Base Rock, combo que reúne seis bandas paulistas para batalhar melhores condições no mercado musical (leia texto ainda hoje sobre o grupo).
A polêmica sempre existiu. Lá nos ano 80 muita gente boa do metal nacional, cantado em português e autoral, atirava pesado em bandas que tocavam em casas paulistanas como o Calabar e até mesmo as maiores, como Madame Satã, cantando sucessos nacionais da época, como Paralamas do Sucesso, Titãs e Barão Vermelho, bem como o pop rock internacional, como The Cure, Duran Duran, Siouxsie and the Banshees e até mesmo coisas mais fraquinhas, como B-52's e Depeche Mode. O argumento era o mesmo de hoje: tocar cover mata a música original e genuína e diminui o espaço de bandas autorais.
A discussão é bastante pertinente, já que a proliferação das bandas de versões é assustadora desde 2012, contando com a nítida preferência dos donos de bares e restaurantes. Assim como o excesso dos covers é preocupante, as reclamações também contém exageros.
Tudo se resume a uma busca por espaço para tocar. E a argumentação deixa a desejar porque não leva em consideração o básico: a escolha do público. Antes de ser uma opção de um grupo de músicos (iniciantes ou não), tocar só covers é uma decisão do público, que lota ou não os bares com esse tipo de som. O clichê básico ainda vale: há espaço para todos, mas as bandas autorais, normalmente, levam mais tempo e têm de trabalhar mais para ver sua musica ouvida por um público mais amplo.
Há casos extremos, como o da banda mineira Dolores Dolores, que têm pouco espaço nas casas de Belo Horizonte, mas conseguiu marcar duas apresentações neste final de ano em Cingapura. "Ao menos em São Paulo e Belo Horizonte, não há espaço para bandas autorais. Todo mundo só quer saber de músicos que fazer versão de qualquer coisa, que geralmente são ignorados nos bares, ninguém presta a atenção. Isso mina a criatividade e desestimula o surgimento de trabalhos realmente bons e inéditos", diz o guitarrista e cantor Wille Muriel, do Dolores Dolores.
Outro relato complicado também vem de Belo Horizonte. "A proliferação dos covers já foi pior na cidade, mas constatamos que ainda há uma preferência por bandas de versões e que não são tantos os lugares para a música autoral na cidade. Desde o ano passado, por incrível que pareça, tocamos muito mais no exterior do que em outros Estados", diz Khadhu Capanema, baixista e vocalista da ótima banda Cartoon, veterana da cena progressiva nacional
Ele reconhece que há limitações para bandas autorais atualmente, mas crê que não há alternativa. "É claro que já tive fases de desânimo, de batalhar e de não resultados esperados, mas é o que gosto de fazer e pretendo não abrir mão. O Cartoon faz 20 anos em 2015, conquistou prestígio e reconhecimento, e isso não pode ser ignorado ou relevado. Temos de batalhar sempre. Aproveitamos máximo uma excursão recente à Inglaterra e à Irlanda, onde o cover é muito malvisto. Vejo que essa tendência do cover é bastante exacerbada somente no Brasil, creio."
"Todos os que me procuram para produzir álbuns escutam o mesmo quando falo de mercado: acabou esse negócio de gravar uma demo corriqueira na esperança que um empresário ou gravadora vão ouvir, se encantar ou contratar. As gravadoras sumiram, e não há muitos empresários interessados ou competentes para trabalhar direito uma banda. Agora é catar no laço o seu público, aproximar-se do fã e mostrar que sua música é boa", diz Edu Falaschi, vocalista do Almah e produtor, dono do estúdio Do It!, em São Paulo, ao lado do irmão Tito, em entrevista ao Combate Rock no ano passado.
Para ele, é mais do que óbvio que toda banda precisa começar de algum modo, mesmo que tenha alguma coisa composta: precisa fazer versões de sucessos do rock para conseguir alguma atenção – e melhor ainda se tiver condições de imprimir algum elemento diferente ou original nos covers. "Todo mundo começou assim, tocando em festinha de escola, de família, de igreja ou em bar, fazendo cover dos Beatles, dos Stones, do Iron Maiden e por aí vai. Em todos os gêneros é assim. No samba as pessoas começam com Adoniran (Barbosa), na MPB vão de Chico Buarque, Caetano…"
Falaschi sabe bem do que fala. Há quase quatro anos concedeu uma dura entrevista após um minifestival de metal em São Paulo onde reclamou demais da falta de público. Foi um desabafo que não pegou bem, mas que repercutiu e suscitou o debate a respeito do trabalho autoral e do pouco valor que o tal "público" dava.
O ponto de vista ganhou um aliado de peso, o vocalista Thiago Bianchi (ex-Shaman, atual Nocturnall), também produtor musical. Falaschi desceu do palco após tocar com o seu Almah e desabafou com palavrões, mostrando sua frustração pelo pouco público atraído ao festival, "enquanto as pessoas gastavam muito dinheiro para ir a shows de banda gringa ou gastar dinheiro em bar para ver cover".
Hoje o músico do Almah, que teve passagem vitoriosa pelo Angra, entende que há espaço para todos e que é preciso muito, muito trabalho para que artistas iniciantes consigam mostrar suas músicas próprias, especialmente em um tempo onde a música deixou de ter o mesmo valor que tinha anos atrás, justamente pelas facilidades de acesso, downloads gratuitos legais e ilegais e aumento gigantesco da concorrência – qualquer um pode gravar e divulgar graças ao avanço da internet e da tecnologia.
Ricardo Alpendre, vocalista da banda Tomada, encara a questão de forma pragmática: "Cada um tem seu público, tem espaço para todos. O Tomada tem 13 anos de existência e já tocou em todo o Brasil, para plateias de vários tamanhos. Tem gente que se satisfaz em ver a banda do amigo tocar no boteco e mais nada; tem gente que gosta de ver um cover bem feito, tocado por banda com certo nome no local ou na cidade; e tem gente que faz questão de procurar ouvir e ver coisa nova, seja no rock, na MPB, no blues. Depende da capacidade do músico de atingir o seu público e da qualidade de seu trabalho."
Eis as questões: qualidade e trabalho duro. Por mais que a maioria dos músicos e mesmo de jornalistas ache qualidade da música popular hoje no Brasil seja muita baixa – e é mesmo -, não dá para discutir e criticar o freguês. Se hoje está mais difícil para quem faz metal e rock básico em português autoral achar bons lugares para tocar e atrair público, o que fazer?
"Trabalhar mais e muito e sempre", diz Andre Matos, ex-Viper, Angra e Shaman. "Querer exigir que o público admire a sua música e a consuma apenas por que você ou algumas pessoas acham que é boa não funciona. Não se trata de tocar o que o público quer ouvir, mas de oferecer coisa boa, de qualidade, bem feita e realizada com paixão. Não vai dar para lotar o (estádio do) Morumbi, mas sempre vai ter alguém interessado."
Atacar as bandas cover não é o caminho para buscar o seu espaço. Parte expressiva do público, ou ao menos parte dele que se importa com o que toca no palco, quer ouvir "Satisfaction", "Help" e Smoke on the Water" toda noite. É direito desse pessoal de ouvir sempre as mesmas coisas. Cabe a quem faz som autoral fazer músicas boas e saber divulgar seu material, além de ralar muito e encontrar locais adequados para tocar. "Atirar" em quem só toca versões, além de inútil, é extremamente deselegante e, em certos momentos, antiético.
O classic está matando o rock? Há quem diga que sim, e de certa forma está no mínimo atrapalhando um pouco. Quem diria que um dia estaríamos discutindo tamanha heresia. Se não não está matando, certamente está contribuindo para a sua asfixia. É só observar quem é que consegue ainda algum tipo de vínculo com uma gravadora e colocar seus álbuns nas lojas de todo o país – Titãs, com "Nheengatu", Skank, com "Velocia", e Pitty, com "Setevidas", por exempl0. No entanto, bradar contra os covers e os imitadores não só não resolve o problema como ajuda a turvar o debate, desviando o foco.
Existe algo que se possa fazer no médio prazo para abrir espaço aos novos artistas, sem que seja necessário satanizar os clássicos e veteranos? "Tocar, tocar e tocar cada vez mais, e cada vez melhor, para três pessoas ou para mil pessoas. Fazer com que o próximo show seja melhor do que o anterior. É só isso o que resta para para artistas independentes. Trabalho de qualidade e persistência são fundamentais para que a música seja reconhecida. Reclamar não só não ajuda como piora as coisas", recomenda Beto Bruno, cantor da bem-sucedida banda independente Cachorro Grande, do Rio Grande do Sul.
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