Topo

Pop rock está morrendo nos palcos e rádios, mas está em alta na TV

Combate Rock

13/08/2014 07h00

Marcelo Moreira

Ultraje a Rigor (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ultraje a Rigor (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Nas emissoras de rádio e nos palcos o pop rock nacional está em vias de desaparecer, a não ser na insistência de dinossauros como as bandas dos anos 80 que ainda resistem e conseguem atrair bom público – Ultraje a Rigor (33 anos de carreira) e Ira! (31 anos na estrada) lotaram seus shows no Planeta Rock Festival, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Mas eis que, surpreendentemente, o gênero é o preferido das grandes empresas para servir de trilha sonora e fundo musical de comerciais de televisão.

O mesmo Ultraje a Rigor se rendeu ao mercado e se tornou a trilha oficial da operadora de celulares Claro para a campanha do Dia dos Pais. Na verdade, o grupo recriou a sua mais genial música, "Nós Vamos Invadir a Sua Praia", com a banda executando uma nova versão, com letra alterada para os propósitos publicitários da empresa.

Nunca se soube que Roger Rocha Moreira, guitarrista, vocalista e chefe da banda, tivesse restrições quanto ao uso comercial de sua obra, ao menos publicamente. Entretanto, chamou a atenção a "remodelação" que empreendeu na letra do grande sucesso para adequar a música às exigências do cliente.

Não ficou ruim, a peça publicitária até que cumpre bem o seu papel, com a presença do cantor Laert Sarrumor, um dos pilares da banda de rock satírico Língua de Trapo, que há anos é um requisitado ator publicitário – participou até mesmo de seriados na TV Globo, embora de forma esporádica.

Outra operadora de celulares, a Vivo, em parceria com a  fabricante Samsung, fez uma bela homenagem ao mítico e ainda celebrado Raul Seixas ao produzir um bem produzido clipe de cinco minutos. A música "Metamorfose Ambulante" intitula também o clipe e relaciona a evolução tecnológica com a letra da canção. Ainda que de forma compacta, a peça publicitária foi exibida algumas vezes na TV aberta e com mais frequência na TV por assinatura.

Durante a Copa do Mundo, a marca de cerveja Brahma, da cervejaria Ambev, surpreendeu ao trazer uma peça publicitária com a música "Por Enquanto", da Legião Urbana, o que enfureceu os dois membros remanescentes, Marcelo Bonfá (bateria) e Dado Villa-Lobos (guitarra), que brigaram no Justiça por anos contra a família de Renato Russo (morto em 1996) pelos direitos da obra da banda.

A autorização para o uso da música foi dada por Giuliano Manfredini, filho de Russo, atualmente o detentor dos direitos de uso do nome do grupo e da administração do espólio e catálogo da Legião. Como Renato Russo reagiria à transformação de uma das músicas que teve sua colaboração em um mero produto publicitário?

Os Titãs também gostaram do esquema e emprestaram um hit dos anos 80 para servir de trilha para um comercial de remédios da empresa Neo Química, empresa do grupo Hypermarcas. Sob o slogan "Neo Química. O remédio da família brasileira", o filme tem como trilha sonora a música "Família", e termina com a presença do ex-jogador Ronaldo Fenômeno ao lado de balconistas de farmácia. Com presença constante na grade das emissoras comerciais no primeiro semestre, ainda aparece de vez em quando nos intervalos do Jornal Nacional, da TV Globo, como ocorreu nesta semana em duas ocasiões.

Por que o pop rock ainda tem algum apelo publicitário, em horário nobre de TV e rádio, envolvendo gigantes multinacionais, mas definha em alta velocidade na vida real, nos palcos e nos CDs? Por que Raul Seixas, um mito que ainda persiste no ideário roqueiro nacional, mesmo que cada vez mais esteja reduzido a um bordão ('Toca Raul!), ainda tem um bom cartaz para embalar marcas diversas de produtos?

"O pop rock nacional dos anos 80 é reconhecível de longe, está na memória imediata das pessoas, assim como Raul Seixas e, mais recentemente, Jota Quest. É associado a um passado legal, de efervescência cultural, política, e referência de uma época. Tem muito apelo a um público mais escolarizado e de um poder aquisitivo maior. Não é por outro motivo que montadoras de automóveis brasileiras e estrangeiras têm usado músicas do pop rock inglês nos últimos dois anos – Oasis, The Verve e várias outras bandas. O pop rock é bom para vender, é reconhecível no ato, mas só o mais antigo. O mercado publicitário foge de músicas de bandas novas porque não cola. Nem mesmo Pato Fu agrada, pelas pesquisas. No máximo, Jota Quest e Skank, que têm mais de 20 anos de carreira", avalia, Renato Cordeiro, músico, produtor e publicitário paulistano com passagens por seis agências publicitárias de porte.

Essa tendência, portanto, remete a outro texto publicado no Combate Rock a respeito do mercado pop: o chamado classic rock está atrapalhando o rock. A balança desproporcional favorecendo o clássico, o antigo com qualidade, está inibindo a ousadia, o risco e a inovação, ao relegar o novo a um terceiro plano.

Bandas novas têm cada vez menos espaço para a música autoral no Brasil hoje, ao menos no pop rock. Bares com som ao vivo e produtores diversos de espetáculos têm horror a trabalhar com bandas autorais com medo de prejuízos. Preferem apostar sempre no certo e nunca duvidoso.

As bandas de rock dos anos 80 sempre terão espaço, e é bom que tenham, pois são referência de qualidade. O problema é que deveria ter espaço para todo mundo, e hoje ele não existe. Um exemplo é o Planeta Rock Festival, encerrado no último final de semana em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. As quatro bandas principais: Detonautas, Raimundos, Ira! e Ultraje a Rigor, sendo que a primeira, a mais nova, com 16 anos de carreira, mas hoje menos exposta na mídia. AS duas últimas, com 35 anos de carreira…

O festival fez algo bastante interessante, que é a implantação de um concurso de bandas – 30 delas foram selecionadas entre mais de 130 para tocar duas músicas. Bastante louvável, mas com um problema: 15 bandas concorreram com sons autorais, e 15 delas com versões de sucessos, a esmagadora maioria de covers de classic rock. Qual o sentido de se fazer um concurso de bandas cover em um festival deste porte, que reuniu quase 80 mil pessoas em quatro dias de shows?

As bandas brasileiras clássicas ainda continuam bem nos palcos e nos comerciais de TV, mas, de forma não intencional, estão ajudando a matar o pop rock autoral e com músicas novas. Os "clássicos" não têm culpa, é óbvio, mas sua onipresença asfixia qualquer possibilidade de ascensão de cena alternativa ou nova.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock