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Chorão é mais um artista beneficiado com a 'canonização' após a morte

Combate Rock

19/04/2014 07h00

Marcelo Moreira

Atormentado, briguento, descontrolado e pouco profissional em algumas situações. São alguns dos adjetivos que podem ser aplicados ao cantor Chorão, do Charlie Brown Jr., em contraposição à profusão de elogios que caíram em cascata após sua morte e depois de um ano de sua partida. Sua canonização, ainda que como artista tenha escapado da mediocridade por pouco, já era esperada. Nenhuma surpresa.

É inegável que a banda santista teve bastante importância por algum tempo, no final dos anos 90 e comecinho dos anos 2000. Ainda se mantinha relevante, para desgosto de alguns críticos, justamente porque se mantinha relevante por absoluta falta de concorrentes na segunda década do século XXI. Somente o Charlie Brown Jr e Jota Quest (também contestado) mantinham músicas nas paradas de sucessos das rádios desde 2006, segundo a empresa Crowley, que publica os rankings na revista Billboard Brasil.

Foi assustador há um ano, e ainda é hoje, observar como existem jornalistas e críticos musicais mantendo o tratamento a Chorão como um estupendo nome do rock nacional, alguns até tentando transformar em um ídolo do porte de Renato Russo ou Cazuza. Evidente exagero, por mais méritos que o cantor tivesse – e não eram muitos, na minha opinião.

O Charlie Brown Jr. passou por um período em baixa na primeira década deste século. Possui uma grande quantidade de fãs ainda, mas eles não foram suficientes para que o grupo mantivesse a alta popularidade de outrora e mesmo o nível artístico. Assim como os Raimundos, teve uma queda e se virava como podia.

As coisas pareciam estar melhorando desde 2011, quando a banda voltou a ter algumas músicas nas paradas de rádio FM, segundo o ranking da revista Billboard Brasil. Ainda assim, era muito pouco para um grupo que fez o estrondoso sucesso do início do século.

Charlie Brown Jr. (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Charlie Brown Jr. (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Chato em termos profissionais, mas persistente, autêntico e honesto, Chorão também era obstinado e a banda não seria o que foi sem isso. Ele era o coração e a alma do grupo. O que não justifica o comportamento errático e às vezes antiprofissional, como as brigas em aeroportos com músicos de outras bandas ou as descomposturas públicas que dava nos próprios membros do Charlie Brown Jr. O baixista e guitarrista Champignon, também morto em 2013,  que o diga, vítima de um abjeto acesso de raiva do cantor no meio de um show, no palco, no interior do Paraná em 2011.

Chorão mereceu o sucesso por sua obstinação e persistência, e seus fãs reconhecem o seu esforço.  Colegas de trabalho também. No Facebook, o cantor Edu Falaschi, do Almah e ex-vocal do Angra, narra a amizade que teve na adolescência, em São Vicente, na Baixada Santista, com integrantes do Charlie Brown Jr. Fala sobre a boa qualidade técnica deles e da luta que a banda de Chorão teve para conseguir um lugar no mercado, sempre com a liderança e obstinação do cantor. Falaschi não era amigo do vocalista morto, mas demonstra um respeito enorme por seu trabalho – e é assim de deve ser.

Tudo isso, no entanto, não é suficiente para esconder as deficiências da banda Charlie Brown Jr.: o grupo tinha bons instrumentistas, mas sempre foi de segundo escalão no rock nacional. O seu pop pegajoso, despretensioso e até mesmo displicente cativou parte de um público que tinha se cansado do pop rock dos medalhões dos anos 80 ou do pop certinho demais do Skank. A saída era abraçar a desgraceira quase punk dos Raimundos ou o despojamento com certo peso e visual skatista do Charlie Brown Jr.

Mas é fato: a maioria da músicas do Charlie Brown Jr. era primária e infantil, com arranjos pobres e letras fracas e repetitivas. De todos os integrantes da formação clássica, Chorão o menos agraciado com quantidades de talento. Nos seus melhores momentos, nunca passou de um cantor mediano, ainda que fosse bastante carismático e tivesse uma impressionante presença de palco para um vocalista com poucos recursos.

É evidente que havia talento no grupo, mas ele era bem menor do que o senso comum dizia. Tanto é que nunca superou a barreira que o separava das grandes bandas nacionais. Nunca produziu um álbum ou uma música memorável. Tem o mérito de ter chegado onde chegou derrubando muros e lutando contra o descaso e o desprezo de uma indústria musical incompetente que se especializou em apostar em armações e atrações fabricadas e artificiais, como qualquer coisa quewleve o rótulo "emo". Mas não tem o estofo para figurar entre as grandes bandas.

Nada disso importa para os fãs da banda, que ainda são numerosos. O legado que fica de Chorão é a obstinação e a persistência, além de perspicácia ao encontrar um nicho pouco explorado, o de fãs órfãos do pop rock insosso e arrogante que dominou o Brasil no fim dos anos 90. O Charlie Brown Jr. foi uma das vozes desse pessoal cansado da mesmice, mas nunca realmente chegou a ser uma grande banda, nunca passou do segundo escalão. Mais do que isso é brigar com a notícia.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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