Motorhead insano é dissecado em livro agradável
Marcelo Moreira
Sem muito alarde, um livro sobre a história do Motorhead está abarrotando as prateleiras da seção de músicas das principais megalivrarias. E ainda assim está vendendo bastante, mesmo que seja da série "não entrega totalmente o que promete". "A História Não Contada do Motorhead" (Edições Ideal), do experiente jornalista inglês Joel McIver, escritor de livros importantes sobre Black Sabbath e Slayer, entre outros, foi escrito em 2011, mas só agora ganhou uma tradução em português. Já adianto que é uma leitura interessante, que vale a pena, mas não espere grandes revelações ou segredos desvendados, como sugere o título.
A história da banda e de seu líder, Lemmy Kilmister já vale a pena, de qualquer forma, mas o livro deixa no ar uma certa desconfiança de "malandragem", já que se baseia em três entrevistas com Lemmy e mais algumas com meia dúzia de personagens, enquanto o resto das informações é retirada de reportagens de jornal, revistas e sites. Não se trata de mero detalhe, já que, por se tratar de McIver, esperava-se algo com mais pesquisa, como ótimo "Sabbath Bloody Sabbath", já lançado no Brasil sobre a história do Black Sabbath. No entanto, é um livro de verdade, não uma grande reportagem, como no caso de "Bruce Dickinson", de Joe Shooman, que não traz uma única entrevista feita pelo autor com o cantor do Iron Maiden ou outros integrantes da banda.
Justamente por não ter tantas opções de fontes próprias ou mais entrevistas pessoais, o livro seja tão fino – confinar 40 anos de história de uma das bandas mais interessantes e importantes do rock pesado em 253 páginas é algo complicado e, de certa forma, frustrante. No entanto, é um a obra honesta e informativa, enfatizando muito mais as declarações de Lemmy e alguns de seus "pensamentos" do que os fatos históricos em si e a análise dos álbuns, o que é uma pena. McIver dá espaço demais para as declarações do baixista e vocalista, às vezes desnecessárias e redundantes sobre assuntos que talvez desviem o foco, que nada têm a ver com a música.
O autor do livro se esforça por mostrar Lemmy como um artista inteligente, engajado, muito bem informado e com sólida formação intelectual que o permite discorrer sobre muitos assuntos, mesmo com a fuga da escola ainda na adolescência. McIver demonstra tais coisas com muita propriedade, mas torna o texto cansativo ao insistir demais na questão, como se não fosse suficiente demonstrar que Lemmy é realmente versátil e articulado, com opiniões comuns e nem um pouco complexas sobre a política norte-americana, a decadência econômica da Inglaterra ou de como os seres humanos fazem questão de destruir o planeta.
Quando McIver decide falar sobre o Motorhead, o livro melhora bastante, mostrando a infância, a adolescência e a juventude de Lemmy, com boas histórias e detalhes de passagens importantes, como a fase em que foi roadie de Jimi Hendrix, seu começo na arte de usar drogas ou de como teve de aguentar as esquisitices dos membros do Hawkwind, no início dos anos 70. E ainda narra como o cantor e guitarrista ganhou muito dinheiro mesmo em uma banda desconhecida do interior da Inglaterra entre 1964 e 1966. Entretanto, frustra os leitores ao desmistificar a origem do apelido Lemmy (o nome verdadeiro é Ian Kilmister, nascido em Stoke-On-Trent em 1945).
A lenda é que na segunda metade dos anos 60 Ian Kilmister vivia tão duro que sempre que se aproximava de um amigo, antes de cumprimentar, sempre disparava um "lend me a five" ("me empresta cinquinho aí") ou "lend me a money" ("me empresta alguma grana"). Isso seria tão recorrente que os amigos começaram a chamá-lo de Lemmy, uma corruptela das duas expressões. No livro o vocalista e baixista desmistifica a questão, dizendo que foi ele quem inventou essa história. A origem na verdade nem o próprio Lemmy sabe, segundo McIver. Começou a ser chamado assim quando estava na escola, quando tinha dez anos, em uma cidade do interior do País de Gales, para onde se mudou depois que o pai abandonou a família. Só que Lemmy encerra o assunto dizendo não saber ao certo quando surgiu a alcunha e o motivo…
De qualquer forma, o livro acerta bastante quando traz declarações de ex-membros do Motorhead, como Eddie Clarke (guitarra) e Phil "Philty Animal" Taylor (bateria), que formaram a banda clássica entre 1976 e 1982. Francos e honestos, deram informações interessantes sobre suas passagens pelo grupo e os motivos da saída, além de opiniões não muito boas a respeito do líder do grupo. Há também algumas poucas declarações de Wurzel, o guitarrista que abandonou a banda em 1994, e que morreu em 2012.
O prato cheio para os fãs e curiosos, entretanto, são as declarações a respeito do "estilo de vida saudável" na estrada, repleto de bebida, drogas, mulheres e histórias bizarras, tudo temperado com uma bem humorada visão sobre a crônica falta de dinheiro que acompanha o Motorhead até hoje – segundo Lemmy, possui atualmente o imóvel onde mora e uma famosa coleção de memorabilia nazista (capacetes, uniformes, medalhas, mapas, etc) que vale perto de US$ 300 mil em valores atualizados. "Sempre fomos roubados pelas gravadoras e nunca tivemos sorte com empresários. Não ficaríamos multimilionários, mas com certeza eu, Phil (Campbell, guitarrista) e Mikkey (Dee, baterista) estaríamos um pouco mais confortáveis se não tivéssemos sido tão roubados."
Mesmo com algumas lacunas e com um material que poderia ser melhor explorado, "A História Não Contada do Motorhead" é um entretenimento interessante a respeito de uma das bandas mais cultuadas e originais do rock, com seu líder insano, engraçado e extremamente carismático.
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