'Satisfaction' e 'My Generation': 50 anos dos riffs que moldaram o rock
Combate Rock
14/05/2015 07h00
Marcelo Moreira
Primeiro vieram os Beatles, como dois riffs matadores de guitarra. "I Feel Fine", de 1964, trazia um efeito fuzz na guitarra de George Harrison, espantando o mercado e a concorrência. Mais elaborada, "Ticket to Ride" surgiu no ano seguinte, com bela introdução e levadas um pouco mais pesadas.
Depois, os Kinks aceleraram o rock e adicionaram sujeira com "You Really Got Me", também em 1964, com seu riff extraordinário e peso, com o guitarrista Dave Davies rasgando a frente do amplificador com um estilete para obter o som rasgado e intenso. Provavelmente seria a música com os riffs definitivos do rock, se não fossem duas outras bandas inglesas estragarem a festa dos londrinos.
"(I Can't Get No) Satisfaction", o grande hino dos Rolling Stones, e "My Generation", o maior legado do Who, completam 50 anos de seus lançamentos como singles. Elas se tornaram referências de rock selvagem e mais vigoroso, com seus riffs sendo elevados ao mais altos patamares. Ofuscaram o hit dos Kinks e boas obras de John Lennon e Paul McCartney.
As principais listas de melhores coloca a canção dos Stones no topo. É a música mais emblemática do rock, um símbolo da cultura pop e da genialidade de como criar coisa boa e simples, mas bem elaborada e com elevada carga de sensualidade, provocação e inteligência. Saiu em junho, nos Estados Unidos, como um compacto simples, tendo no lado B e obscura "The Under Assistant West Coast Promotion Man".
Originada de uma inspiração instantânea de Keith Richards, rapidamente sua estrutura básica foi gravada em um pequeno gravador portátil. Em um hotel norte-americano, durante a primeira turnê de 1965, o guitarrista acordou com a melodia na cabeça e a tirou no violão rapidamente.
Ele e Mick Jagger não deram muita importância a ela, mas a insistência de produtores e do empresário (e também produtor) Andrew Loog-Oldham os convenceu de que tinham uma pérola nas mãos. Com alguns arranjos um pouco mais elaborados e o destaque total à guitarra de Richards, a canção despontou da mesa de som poderosa e estrondosa.
Em sua autobiografia, "Vida", Keith Richards conta que estava insatisfeito com a sua performance em estúdio. Decidiu fazer algo diferente, como mais distorção. Aumentou muito o volume na tentativa de obter saturação dos amplificadores, usando um pedal específico da Gibson para obter o efeito desejado.
No texto que serviu de base para sua autobiografia de Mick Jagger, o jornalista norte-americano Marc Spitz relata que o cantor ficou perplexo quando a música se tornou sinônimo de rock'n'roll: "Ela foi ganhando corpo ao longo de um tempo em nossas mentes; aos poucos, ficamos cientes de sua potência e de seu poder, mas nunca poderíamos imaginar que a canção se torna-se um símbolo do rock."
"My Generation" é o oposto da música dos Stones. Sem a mesma classe, a profundidade e a sutileza, o hino do Who ganha em contundência, em urgência e em agressividade. Pete Townshend ainda era somente um garoto narigudo e furioso disposto a externar suas frustrações juvenis, ou seja, ainda bem distante do excelente e imaginativo letrista que viria a ser.
Entretanto, já mostrava algumas de suas qualidades em 1965, com uma excelente noção melódica e um talento diferenciado para compor letras simples e diretas, mas bem construídas e de fácil assimilação. "Meu jeito de compor foi diretamente influenciado pela minha maneira de tocar guitarra, com acordes abertos e com uma pegada mais forte 'My Generation' provavelmente é fruto disso, entre outras coisas", escreveu o guitarrista do Who em sua autobiografia.
Frequentemente apontada como uma das origens do movimento punk, "My Generation" foi encarada, no começo, apenas como uma consequência sonora do movimento mod inglês, então no auge, com sua postura de certa forma rebelde, ainda que baseada em uma estética "elegante", um pouco distante da delinquência – esta associada aos chamados rockers, inimigos dos mods.
Formação original do Who: da esq. para a dir., Roger Daltrey, Keith Moon, John Entwistle e Pete Townshend (FOTO: DIVULGAÇÃO)
A canção do Who leva mais à frente o peso de "You Really Got Me", com mais peso e velocidade, aliada a novos elementos sonoros, como os solos de baixo de John Entwistle e os riffs poderosos e cheios de Townshend, tentando emular caos e desordem de um cenário de protesto e de inconformismo com o choque de gerações – explicitado pelo icônico verso "Hope I die before get old" (espero morrer antes de envelhecer". Como sabemos, Townshend não morreu, e chegou aos 70 anos de idade. O solo de bateria de Keith Moon ao encerramento reforça a sensação de confusão.
Assim como a dupla Jagger e Richards, Townshend correu o risco de ficar amarrado a uma fórmula nem sempre satisfatória de produção de hits por conta dos dois mega-sucessos. De certa forma, as duas bandas ficaram um pouco aprisionadas ao ter de obrigatoriamente executar essas duas e outras mais indefinidamente, a partir de então, quase como covers de si mesmos.
Os compositores principais de Who e Rolling Stoness escaparam da armadilha com inteligência e talento ao compor outras obras espetaculares, ainda que sem o mesmo apelo midiático e popular de suas canções mais conhecidas e executadas.
The Who flertou com o rock pesado e expandiu os horizontes do gênero com as chamadas óperas-rock – "Tommy" e "Quadrophenia" -, ou seja, as obras concetuais e excelentes espantaram o fantasma de ficar aferrada a uma espécie de banda proto-punk.
Já os Stones mergulharam mais fundo no blues e adicionaram com sabedoria o soul, o rhythm and blues e o reggae para fazer um trabalho vigoroso e dinâmico nos anos 70, se tornando definitivamente a maior banda de rock'n'roll. Esses, talvez, sejam os maiores legados dos dois grandes mega-hits.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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