Debbie Harry, a diva loura do Blondie, chega aos 75 anos
Combate Rock
02/07/2020 06h22
Marcelo Moreira
Uma banda formada por uma garçonete bonita, mas nem tão nova, e um guitarrista nerd desleixado metido a intelectual, mas ainda com pouco talento para compor músicas pop ganchudas.
Qual é a chance de uma banda com esse tipo de integrante dar certo em um cenário underground degradado, mas competitivo, em uma das maiores cidades do mundo?
O casal Debbie Harry e Chris Stein achou que havia boas chances e insistiu até que banda Blondie virasse uma febre musical em meio à efervescência punk na segunda metade dos anos 70.
Eles já não formam um casal há muito tempo, e a diva chega aos 75 anos de idade ostentando uma dignidade elogiável para quem foi um dos rostos e uma das vozes mais marcante de uma geração, ainda que a banda não tenha durado muito na sua fase de maior sucesso.
É evidente que parte da crítica e do público tentou imputar ao Blondie a pecha de uma banda pop descartável e nada mais, com uma cantora de rostinho bonito e modos sexy – e nada mais.
Incomodou? Sempre incomoda esse tipo de coisa, mas a moça seguiu em frente e ajudou a catapultar a banda para o céu com um pop bem feito e músicas dançantes e perfeitas em plena era da ascensão punk e do predomínio da disco music.
Debbie Harry virou o sonho de consumo de todo publicitário ávido em vender qualquer coisa e o rosto a ser admirado quando o mundo ainda procurava a próxima grande coisa a dominar o mundo.
A trajetória da banda e de Debbie como a grande musa do pop antes de Madonna e Cyndi Lauper é contada em detalhes em um bom livro escrito pelos jornalistas Kris Needs e Dick Porter. "Blondie – Vidas Paralelas", já editado no Brasil pela editora Seoman.
Embora destoando um pouco da literatura inglesa sobre rock, cuja característica é contextualizar os fatos históricos e recheá-los com interpretações, o livro mostra com competência e detalhes a formação musical do casal central da banda e a gênese da criação da Blondie após o esfarelamento da banda The Stillettos, em 1974.
Rico em entrevistas com personagens importantes, a obra traz declarações fortes e contundentes, muitas vezes em franca oposição uma das outras – é um dos méritos do livro, que não ameniza ao relatar os períodos de crise e as críticas entre os próprios integrantes.
Outro ponto positivo é o detalhamento do panorama musical em que a banda e seus integrantes estavam inseridos, como o cenário do glam rock novaiorquino e o surgimento daquilo que se convencionou chamar de punk rock na cidade, principalmente com a criação dos Ramones, banda que tinha admiração de Debbie Harry e Stein até que aflorasse uma rivalidade musical que os afastou.
Rivalidade, aliás, que a Blondie tinha com a maioria das bandas quando passou a fazer sucesso de verdade, em 1977 (anda que demorassem muito para ver a cor do dinheiro).
De acordo com o livro, a diva Patti Smith se comportava dessa forma na cena de Nova York: como uma diva quase inalcançável, e odiava Debbie por tudo o que ela representava – um suposto pop descartável, beleza supostamente plastificada e parcos recursos artísticos. Patti simplesmente não suportava estar no mesmo ambiente que a musa do grupo Blondie.
A amizade também azedou com os integrantes da banda Television, para muitos a melhor banda da cena novaiorquina punk/pós-punk.
Todas as principais bandas da cidade da época gravitavam em torno dos bares CBGB e Max's Kansas City e havia um certo espírito de colaboração, isso por volta de 1975.
À medida que melhoravam e atraíam a atenção de gravadoras e executivos da indústria musical, surgiu uma competição natural entre os grupos, que acabou descambando para a inimizade.
Foi o que ocorreu em 1977, quando a Blondie abriu os shows do Television na primeira turnê das bandas pela Inglaterra. Foram várias as situações de quase sabotagem, de acordo com o livro, por parte da equipe do Television, e tudo com a anuência do líder desta banda, o ex-amigo Tom Verlaine.
Blondie é a legítima representante da vertente pop na indústria musical. A formatação do som, a inovação nos arranjos e a facilidade com que conseguia colocar músicas acessíveis no topo das paradas, e em pleno movimento punk, colocaram o grupo no panteão das jóias musicais do rock.
A percepção de que a banda foi injustiçada após o seu período de declínio, a partir de 1982, é muito presente quando se fala da Blondie.
A queda foi tão abrupta e veloz quanto a ascensão e, para alguns críticos mais rigorosos, não passou de um mero fogo de palha, por mais que tenha enfileirado hits como "Hanging on the Telephone", "Call Me", One Way or Another" e muitos outros. Nada mais equivocado do que isso.
Quando a banda despontou, seus integrantes já tinham "amassado muito barro". Debbie Harry só se tornou uma estrela internacional aos 32 anos, idade em que muitos roqueiros de sucesso já estão aposentados ou despencados, voltando a tocar em botecos. O mesmo se pode dizer de Stein, que tinha 27 anos em 1977.
Ele e Debbie, praticamente casados desde 1975 e levando a banda com mãos de ferro, ainda lutavam para pagar o aluguel quando o sucesso veio de fato, em 1977, e viviam pulando de apartamento por conta da dureza e da falta de dinheiro, que não entrava.
Determinados e inflexíveis quanto aos seus conceitos musicais, os dois e a banda, que se tornaria um sexteto, praticamente estabeleceram os pilares do conceito de música pop acessível, mas bem feita, dentro do ambiente roqueiro.
De músicos rasteiros e que tocavam mal a banda pop elegante e certeira, com vocação para melodia e com o carisma inigualável da tímida e retraída Debbie Harry, a garçonete que se tornou o anjo louro que encantou uma geração de fãs de rock e de música pop. Nada mal para uma banda sem rumo e que ensaiava em porões imundos.
A música podia não ser sofisticada, mas era elegante o suficiente para que os críticos, anos depois, considerassem a Blondie como uma banda representante do pop perfeito e carismático dos anos 70.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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