Não podemos viver de lives até julho de 2021
Combate Rock
24/06/2020 06h20
Marcelo Moreira
O mundo vai viver de lives até quando? As lives conseguem saciar o desejo por música e shows? Parece que terão de saciar, a julgar pelas expectativas de "volta à normalidade" após o devastador coronavírus. O governo paulista estima que apenas em julho de 2021 poderemos ter algum tipo de mercado total de entretenimento no Estado.
Enquanto a irresponsabilidade de prefeitos e do governador João Doria (PSDB) impede que a curva de ascensão da doença caia, um setor gigante da economia, mas principalmente da nossa vida cotidiana, será escanteado e jogado para o fim, da fila.
Os números de contaminados e mortos pela covid-19 em junho em São Paulo são assustadores. Na maior parte do Brasil também. E tem imbecil preocupado com festas de São João no Nordeste, com o carnaval de 2021 e com a volta dos campeonatos de futebol.
A quarentena e as medidas de distanciamento social são cada vez mais necessárias e terão de durar por muito tempo. Mas a negligência das autoridades públicas e a ignorância da população brasileira fizeram com que tenhamos de suportar um tempo maior de vida enclausurada. Não há mínimas condições de flexibilização, por mais que governador e prefeitos estejam fraquejando.
E com isso teremos de nos contentar com a fúria do Korzus em uma live ótima no último final de semana tocando no Manifesto, em São Paulo, em uma casa vazia. Mas não passou de uma live, que só fez aumentar o desejo de shows de rock em São Paulo – o que é perigoso, pois pode estimular imbecis a tentar burlar q quarentena, como ocorre em vários locais do país. São vários os relatos de festas gigantes, churrascos e pancadões de funk ocorrendo em locais abertos e fechados. Torcer para que todos esses lixos morram adianta alguma coisa?
As primeiras áreas afetadas e as últimas a serem consideradas na volta, cultura, artes e entretenimento, assim como a gastronomia, foram abandonados por todos os governos.
Na esfera federal, diante da guerra cultural declarada pelo presidente Jair Bolsonaro, de inspiração fascista, não há o menor sinal de ajuda financeira. Os vários projetos que sinalizavam auxílio para a classe artística ainda se arrastam pelo Congresso.
Com Regina Duarte demitida, foram-se as esperanças de que alguma coisa surgisse na Secretaria Especial de Cultura. Seu substituto, Mário Frias, um ator de segundo escalão de várias emissoras de TV, é um completo desconhecido em todos os sentidos. Nunca passou nem perto de políticas públicas para a cultura em sua vida e sua experiência em qualquer tipo de gestão é zero.
É óbvio que não tem plano algum pra ocupar o cargo, já que pediu emprego pelo Facebook e, surpreendentemente, foi agraciado. Esse é o nível do governo ridículo que está "conduzindo" o Brasil, onde o ministro da Educação precisa fugir do país para não ser preso e a população vê um quase miliciano rastaquera e ignorante no Palácio do Planalto.
O governo paulista até que tentou elaborar um plano de destinar uma verba até que razoável para o setor artístico, mas as iniciativas foram torpedeadas pela Justiça sob alegação de que a prioridade era o combate à doença, graças à gritaria de ultraconservadores inimigos da cultura e do conhecimento. Diante das resistências e da oposição, a Secretaria Estadual da Cultura recuou.
E então, no país das lives assolado pelo vírus mortal – mais de 51 mil mortos em três meses, o equivalente a 510 aviões Fokker 100 caindo no período -, ficamos chocados quando uma artista importante e renomada da MPB, a veterana Angela Ro Ro, vai às redes sociais e pede "contribuições de qualquer valor" porque está sem trabalho e suas lives não estão bem-sucedidas.
Diante de um panorama desolador como esse, soa como uma provocação e uma declaração de guerra as "estimativas" de que shows em casas de espetáculos ou locais abertos, gratuitos ou cobrados, na melhor das hipóteses, poderão voltar a plena carga somente a partir de julho de 2021 – leia mais aqui.
Somente no Estado de São Paulo, estima-se um prejuízo de R$ 34 bilhões no entretenimento. Dependendo da entidade ou do instituto como fonte, a perda de empregos no geral pode ultrapassar 1 milhão em três meses, sendo quase um terço no setor de serviços e entretenimento.
Não há como eximir o setor de alguma responsabilidade pela falta de planejamento diante da tragédia. É certo que faltam exemplos factíveis no exterior para embasar a tomada de decisões.
Na França, foi necessário que o poder público criasse rapidamente um programa de auxílio para artistas de todos os tipos e, aparentemente, foi uma iniciativa bem-sucedida.
Como pensar em algo parecido aqui, se o auxílio emergencial de R$ 600 ainda não chegou, em sua primeira parcela, a quase 10 milhões de brasileiros necessitados? Isso, é claro, para não mencionar os milhares e milhares de casos de fraude, gente que não precisa recebendo e desvios milionários realizados por quadrilhas…
Não teremos música ou qualquer tipo de espetáculo artístico por muito tempo, assim como perderemos muitos de nossos restaurantes e bares favoritos. O dinheiro sumiu, as fontes secaram e o mundo esvaziou de uma forma nunca antes imaginada.
As lives continuarão como um paliativo em uma era em que teremos de nos acostumar. Vai demorar bastante, mas quando tentarmos estabelecer uma nova normalidade, a arte e a cultura voltarão a ser valorizados, mas do que antes neste século.
Está claro que são gêneros de primeira necessidade e que a reinvenção do setor passará por uma reformulação de conceitos e formas de se relacionar com essas atividades e de olhá-las como um organismo econômico vivo e que precisa de melhor estrutura.
Que possamos, de alguma forma, observar o que deserto de ideias na Secretaria Especial de Cultura do governo federal está causando e aprender com situações extremas como os pedidos de dinheiro de Angela Ro Ro. O barco afunda e não há socorro à vista.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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