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O sequestro de símbolos nacionais e o banimento da bandeira confederada

Combate Rock

15/06/2020 06h38

Marcelo Moreira

FOTO: REPRODUÇÃO

Pantera, Lynyrd Skynyrd, The Outlaws, Molly Hatchet e até Five Fingers Death Punch. O que todas essas bandas têm em comum?

Com as imensas manifestações antirracistas necessárias em todo o mundo, parece que as sociedades estão despertando sobre alguns símbolos que evocam o pior do que o ser humano já foi possível fazer. Com isso, estátuas de crápulas e bandidos históricos, como a do escravocrata Edward Colson, em Bristol, na Inglaterra, foram destruídas.

E está sobrando para a "Rebel Flag", conhecida no Brasil como a bandeira dos Confederados, o pavilhão das tropas dos Estados do sul dos Estados Unidos que se rebelaram contra o governo central na Guerra Civil, ocorrida entre 186 e 1865.

Os sulistas rejeitavam a modernização da economia e da legislação em quase todos os sentidos e lutavam pra manter, entre outras coisas, um comércio mais efetivo com a Inglaterra sem ter de se submeter a impostos e ter de acabar com a escravidão do povo negro vindo da África. A mão de obra escrava era o motor da economia atrasada sulista.

A bandeira dos Confederados se tornou, ao longo dos tempos, um símbolo de afirmação civil e identidade cultural dos habitantes dos Estados do sul norte-americano e não necessariamente foram/são vinculados ao passado escravocrata, embora reapareça em manifestações de cunho racista e de supremacistas brancos.

As bandas citadas, em algum momento, utilizaram a bandeira como parte de sua identidade sulista. Tirado o fato de que Phil Anselmo, ex-vocalista do Pantera, tinha inclinações extremistas de direita, nenhuma das outras, nem remotamente, têm qualquer ligação com manifestações preconceituosas ou racistas.

Entretanto, é necessário dizer: como expoentes do southern rock e southern metal, são maciçamente apreciadas por um público branco e conservador – o que não há nada de errado nisso. Só que, infelizmente, de forma inadvertida, acabam sendo associadas a grupos supremacistas e disseminadores de ódio, por mais que seus integrantes tenham tentado afastar essa imagem.

Em muitos lugares do mundo, o uso da bandeira confederada acabou se disseminando da mesma forma que a camiseta dos Ramones (que se tronou ícone fashion) sem que quem a use não faça a menor ideia do que o símbolo signifique.

É claro que no Brasil a bandeira virou estampa de tênis e camisetas, pins e chaveiros, patches e braceletes, além de bandanas e bonés. E é claro que a imensa maioria não tem ideia do que aquilo significa; quem tem alguma ideia cai na esparrela de acusar quem usa de racista e supremacista, mesmo que quem a estiver usando seja negro. Uma total insanidade.

A bandeira confederada está sendo banida até mesmo nos Estados sulistas depois do assassinato de George Floyd, em Minneapolis, semanas atrás. Seria mais um dos famosos excessos do politicamente correto ou do pessoal que simplesmente quer limpar a barra ou a consciência pesada?

É possível que sim, por mais que ainda se associe a bandeira aos escravocratas e aos racistas norte-americanos de plantão. Em recentes manifestações de neonazistas e supremacistas nos Estados Unidos, é indefectível encontrar a "Rebel Flag" por lá.

Por mais que queiram, os roqueiros sulistas que são apenas roqueiros não conseguiram se apoderar dela ao longo de mais de 60 anos. Ronnie Van Zandt primeiro, e depois seu sucessor e irmão Johnny, ambos no Lynyrd Skynyrd, fizeram de tudo para retomar o símbolo para a música e para o povo que, aparentemente, apenas quer tocar a vida no Sul, mas perderam a batalha para os fascistas norte-americanos.

"Para muitos, a bandeira significa derrota. Para outros, um passado que deveria ser esquecido. O Lynyrd Skynyrd celebra a paz, a música e a união, sempre exaltamos isso em nossos shows. E queiram ou não. somo somos do Sul e temos orgulho disso. Nunca discriminamos ninguém, nossas músicas falam por si. Não é nossa culpa se fazem mau uso da bandeira. Ela representa uma parte de quem somos, e tenha certeza de que não há lugar em nossas vidas para racismo ou supremacismo", afirmou Johnny Van Zandt em uma entrevista na MTV, quando a banda consolidava a sua volta depois de anos de separação.

Dimebag Darell, guitarrista do Pantera que morreu assassinado no palco em 2004, em um show no interior dos Estados Unidos, era texano, mas acreditava piamente nas palavras de Zandt, tanto que se sentia mais sulista do texano, e cansou de fazer shows com guitarras que emulavam a bandeira confederada, como podemos observar em vídeo ao final deste texto.

Esse é um dos casos controversos em que banimento/manutenção de símbolo precisa ser analisado com profundidade e de forma específica. Quem se apoderou primeiro do símbolo: os racistas ou o povo "de bem" que apenas celebra o orgulho de ter nascido no Sul?

Bandeira do Texas sobre o formato do mapa do Estado norte-americano (FOTO: REPRODUÇÃO)

Os artistas texanos do blues, assim como ZZ Top e bandas de rock daquele Estado adoram espalhar a bandeira do Texas em roupas, instrumentos e encartes de CDs e DVDs. Não há comparação entre a repercussão com o uso da "Rebel Flag", mas existe um grupo de opositores ao uso do símbolo.

Segundo estes, a bandeira é uma afirmação do orgulho de ser texano, mas também significa, aos olhos de mexicanos e descendentes que vivem no Texas, uma espécie de símbolo racista ou de "supremacia", digamos assim, já que Estado, que pertenceu ao México por mais de um século, se tornou independente por pouco tempo graças a uma série de guerras civis estimuladas pelo governo norte-americano e por latifundiários ianques.

Os texanos até hoje louvam a resistência do forte Álamo, que foi capturado pelo exército mexicano em 1836, com quase todos os que resistiam, voluntários americanos e mexicanos interessados na independência, sendo mortos. O Texas acabou sendo anexado aos Estados Unidos depois da guerra com o México em 1848, após mais uma guerra civil.

Apesar desse histórico violento, o uso da bandeira texana parece um caso mais bem resolvido no Estado e em todo os Estados Unidos, sendo considerado um símbolo verdadeiro do orgulho texano, usado até mesmo nas campanhas presidenciais de George W. Bush, que governou o país entre 2000 e 2008.

Com a nova polêmica, a bandeira confederada mais uma vez entra na pauta e, aparentemente e temporariamente, deverá ser banida de ambientes culturais que prezam o, digamos, politicamente correto.

Achei necessário resgatar esse texto de 2017 do site Universo Retrô, que procurou algumas razões a mais para justificar a decisão de não mais usar o símbolo por aqui nas comunidades citadas.

Nunca senti fascínio pela bandeira, que pessoalmente nunca me disse nada, embora sempre soubesse da forte carga emocional e simbólica de seu significado. Nunca usei, nem inadvertidamente. Seu significado sempre me incomodou, embora sua ostentação por (poucas) outras pessoas não me incomodasse a ponto de me insurgir contra isso.

A discussão sobre o seu uso é necessária e pertinente, seja nos Estados Unidos ou no Brasil. É uma imagem forte de pertencimento e de orgulho para os sulistas, por mais que a imagem supremacista e racista esteja impregnada à bandeira.

Alguns a banirão, outros ignorarão os protestos e a bandeira continuará tremulando. A verdade é que não fará muita diferença, essa é a verdade.

Mas será que essa discussão não pode levar a algo muito maior e mais importante? Que analogia podemos fazer com a bandeira do Brasil que, assim como a camisa amarela da seleção brasileira, foi "sequestrada" pelo fascismo e pelo ódio?

Será que existe alguma possibilidade de resgatar esse símbolo nacional das mãos dos imbecis e dos antidemocráticos, como as bandas de rock sulistas americanas tentam desvincular a imagem da bandeira confederada dos racistas e supremacistas?

"Não vai ser fácil, muito menos confortável", diz o professor de história Geovani Dantas, de São Paulo. "Frequentei por muito tempo torcidas organizadas do Palmeiras, ia aos estádios e festas. Algumas gostavam de recuperar símbolos antigos da monarquia italiana do começo do século XX para exaltar as origens do clube, além da bandeira daquele país. De repente surgiu a insígnia da Casa de Savoia, uma das famílias nobres de lá, e virou até nome de torcida. Alguns dos grupos mais violentos ostentavam o distintivo e ficaram marcados por isso pela polícia, e se tornavam alvos, atraíam mais a atenção. Foram anos e anos de trabalho de reeducação para recuperar a verdadeira alma daquele símbolo da Savoia e convencer polícia e Ministério Público que os violentos tinham sido banidos e que o escudo era tão importante que foi parar em recentes modelos número 3 de camisas do Palmeiras."

O caso da bandeira nacional é muito mais delicado do que a do pavilhão confederado. Envolve toda uma nação dividida pelo ódio e pelo fascismo encastelado no coração do governo federal.

A democracia está sendo destruída em nome de um projeto político grotesco de destruição da pluralidade e da liberdade de expressão, onde pátria e nacionalismo, conceitos calhordas e asquerosos, são o arcabouço ideológico – além da burrice e da profunda ignorância.

Lamentavelmente, a bandeira nacional virou o símbolo da truculência, do retrocesso e do obscurantismo. O resgate da bandeira e da dignidade democrática tem de ser uma das metas das forças que combatem o fascismo neste momento triste da história brasileira.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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