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Antirracismo: o dia em que James Brown salvou a América

Combate Rock

03/06/2020 11h03

Marcelo Moreira

James Brown (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Os Estados Unidos estão vivendo as maiores manifestações de rua em 50 anos por conta do assassinato de um homem negro por um policial branco em Minneapolis, no estado de Minnesota.

Já são oito dias de convulsão e protestos antirracistas em mais de 130 cidades, para ódio de Donald Trump, o presidente execrável que minimiza os eventos e ameaça usar a força militar para cessar as manifestações.

São as maiores manifestações populares de 1968, quando a morte de um outro negro, o pastor Martin Luther King Jr, foi assassinato em 4 de abril, em um crime ainda envolto por muitas dúvidas. Ele era uma das figuras mais importantes do país naquela época, um líder religioso e ativista dois direitos humanos e civis.

Quando a notícia de sua morte se alastrou, houve protestos violentos e conflagrações por todos os Estados Unidos, com choques com a polícia e a Guarda Nacional, além de destruição de carros e prédios públicos.

E coube a um músico negro salvar a América, como ficou conhecida a intervenção de James Brown em Boston nas horas seguintes ao assassinato.

O fato foi registrado em um ótimo livro, que é recomendável para quem quiser entender um pouco do problema racial que ainda hoje dilacera a sociedade norte-americana.

"O Dia em Que James Brown Salvou a Pátria", de James Sullivan (Ed. Zahar) é uma excelente reportagem sobre um dos fatos mais graves da história americana dos anos 60 e tem edição em português.

Após o assassinato do reverendo Martin Luther King em Memphis, na manhã de 4 de abril de 1968, os Estados Unidos viraram de cabeça para baixo, tomados por centenas de distúrbios envolvendo a população negra.

King era um nome mundialmente conhecido, líder negro que participou das principais manifestações pela ampliação dos direitos civis entre 1960 e 1963, além de encabeçar diversos movimentos que enterraram definitivamente as leis racistas e segregacionistas do sul do país naquela década do século passado.

Em um momento tenso da vida social americana, King era visto pela direita e pela elite branca política como um elemento subversivo e desestabilizador, ainda mais depois das inúmeras vitórias em favor da população negra e também da incipiente comunidade hispânica rejeitada.

Seu assassinato por um franco atirador foi interpretado como atitude deliberada do "poder" para limitar os avanços nos direitos civis e insuflou a população de vários bairros e guetos negros pelo país. Houve protestos violentos e saques em Los Angeles, Detroit, Cleveland, Atlanta e em algumas outras cidades.

James Brown, então consolidado como um dos principais artista negro dos Estados Unidos, deveria cantar em Boston na noite do dia 4 de abril.

A partir do momento em que a morte do líder negro foi confirmada, as autoridades da cidade entraram em pânico, temendo a repetição dos distúrbios violentos de Los Angeles – sempre houve muitos negros no Estado de Massachussets, onde fica Boston.

De forma ardilosa, mas inteligente, o prefeito, seus principais assessores e dois parlamentares negros articularam um plano para transmitir ao vivo pela TV para todo o Estado e parte do país o show de James Brown como forma de manter a população negra em casa naquela noite. Era a alternativa ao cancelamento do show, fato que tinha sido consumado por ordem da polícia da cidade.

Convencido de que o cancelamento do shows seria um desastre político e que poderia estimular mais ainda distúrbios, o prefeito Kevin White acatou a sugestão de assessores e vereadores negros para manter o show, mas com redução significativa de público no ginásio imenso onde seria realizado, mas com a promessa de que haveria a transmissão ao vivo por rádio e TV.

Correndo contra o tempo, produtores do show, da emissora local de TV e funcionários da prefeitura conseguiram em seis horas colocar o plano de pé, com a concordância de Brown, reticente quanto a participar daquele circo. O cantor estava preocupado com a possibilidade de ser processado – ele tinha contrato de exclusividade com uma empresa para a transmissão de shows/filmagens.

Astuto e inteligente, James Brown percebeu que não tinha muitas opções no momento e se transformou no dono da noite de uma forma inigualável, fazendo um show memorável e, ao mesmo tempo, assumindo uma postura de líder nacional dos negros e de toda uma comunidade – logo ele, que sempre se manteve longe das discussões políticas.

A apresentação foi um sucesso, com apenas 3 mil pessoas no local e o restante vendo pela TV. Boston foi uma das poucas grandes cidades norte-americanas a não registrar nenhum conflito grave nos dias 4 e 5 de abril de 1968.

Brown foi o grande artífice da noite da paz – muito também graças a suas convicções individuais, sempre a favor da educação e contra a violência como forma de reivindicar. "Protestos violentos só pioram as condições dos negros e lhes retira a legitimidade das reivindicações", costumava dizer.

Além da reconstituição fiel histórica daqueles dois dias e dos bastidores político-administrativos da organização/manutenção do show, Sullivan traça aquele que provavelmente é o melhor perfil jornalístico de James Brown, morto em 2006.

A excelente reportagem faz uma rápida biografia do músico e ainda encontra espaço para uma análise de sua obra e da importância do artista para a cultura norte-americana.

É uma obra importante para compreender um período crítico da história norte-americana e a dinâmica da luta pelos direitos civis nos anos 60, que remete em muitos aspectos aos problemas eternos de racismo que ocorrem no Brasil.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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