O racha no Genesis em 1975, um raro caso em que todos ganharam
Combate Rock
29/04/2020 06h27
Marcelo Moreira
Formação clássica do Genesis, na primeira metade dos anos 70: da esq. para a dir., Tony Banks (teclados), Steve Hackett (guitarra), Phil Collins (bateria e vocais) e Mike Rutherford (baixo e guitarra); abaixo, maquiado, Peter Gabriel (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Músicos mais experientes e roadies velhos de guerra costumam dizer que o fim de uma banda fica perceptível bem antes de ocorrer no palco. O distanciamento entre os músicos, a falta de interatividade e a execução mecânica de hits evidenciam a falta de química, de amizade e de respeito.
A banda que nunca fez questão de esconder esse estado de coisas foi o Supertramp nos momentos finais da presença do guitarrista, tecladista e vocalista Roger Hodgson, em 1984. Os vídeos mostram claramente que não só não havia mais sintonia entre ele e o outro vocalista e tecladista, Rick Davies, como exalam certo ódio. Chegava a incomodar.
Há quem diga que o mesmo acontecia nos estertores da formação clássica do Genesis ao final da turnê de promoção do excepcional álbum "The Lamb Lies Down on Broadway", LP duplo de 1974, conceitual e teatral, provavelmente um dos momentos mais emblemáticos da carreira de Peter Gabriel, o vocalista.
Estilista, aspirante a intelectual e talentoso, Gabriel era performático e um artista sempre em busca do inovador e do inusitado. Desde a criação do Genesis, nos estertores dos anos 60, o cantor parecia deslocado em uma banda que estava deslocada no pop inglês da década seguinte.
Era art rock ou rock progressivo? Como categorizar uma banda com músicos talentosos, mas completamente fora do mercado e das possibilidades de venda?
Era difícil, mas não impossível vender o Genesis, e parecia que tudo passava pelo vocalista, que galvanizava as atenções e conduzia o espetáculo. Como saciar a sua ânsia de inovação e criatividade?
Educado, gentil, eclético e genioso, Gabriel abria mão de atenção pessoal, mas queria o foco total em seu trabalho e nas suas criações.
"The Lamb Lies Down on Broadway", a saga do trabalhador porto-riquenho em busca de uma vida decente nos Estados Unidos, mirava "Tommy" e "Quadrophenia", de The Who, e "Arthur" dos Kinks. Não superou essas obras, mas apontou caminhos interessantes para o rock progressivo, e sinalizou que o Genesis não era mais suficiente pra abarcar os arroubos criativos do cantor que tinha pendores para ser ator,
E então veio o ano de 1975, que definiu a carreira de Gabriel e do Genesis. O baterista inquieto Phil Collins já pedia passagem ao compor e cantar e Gabriel sonhava em se tornar a voz de uma geração.
Gabriel se tornou um artista eclético e estupendo, e Collins ajudou a colocar o Genesis no panteão das bandas gigantes ao lado de Tony Banks (tecldos), Mike Rutherford (baixo e guitarra), daquelas que esgotam ingresso em estádios em minutos.
Quem ganhou e quem perdeu?
Esses são conceitos absurdos em termos de arte e cultura. Vitória e derrota são conceitos geralmente associados a ambientes esportivos e militares – no caso dos norte-americanos, também nos ambientes econômico-financeiros.
A sociedade americana costuma dividir o mundo entre vencedores e vencidos, tanto que quase nenhum de seus esportes comporta a noção de empate, muito menos a de que dois ou mais possam vencer.
Peter Gabriel e Phil Collins provaram que é a vitória múltipla é possível. O primeiro mostrou que a inovação no mundo pop é desejável e necessária; o segundo, que a reinvenção jamais anula o passado, mas impulsiona o futuro e amplia os horizontes.
Em um exercício de futurologia, é possível antever que o Genesis com Peter Gabriel talvez chegasse a um beco sem saída por volta de 1977, quando do esgotamento do rock progressivo e do rolo compressor punk-new wave-disco que viria em seguida.
Jethro Tull, Pink Floyd e Yes lidaram bem com os ataques punks e as novas aspirações da juventude setentista, mas e o Genesis? Como encararia aquele novo mundo?
Phil Collins com vocalista foi a resposta, conduzindo a banda com Banks e Rutherford a um formato mais acessível, mais dinâmico, menos empolado, menos performático e mais direto.
O baterista que se tornou vocalista, inevitavelmente, se tornou a cara do Genesis ao assumir a linha de frente, mas não foi o responsável pelo conceito e pelas mudanças no som do grupo, como veremos logo mais em importante artigo de um jornalista que é profundo conhecedor da história da banda.
É fato que Collins, Rutherford e Banks entenderam as necessidades de mercado, digamos assim, e ofereceram um produto de qualidade alta, de teor pop extraordinário e de densidade artística estupenda.
"And Tehn There Were Three" e "Wind and Wuthering" são trabalhos magníficos, unindo os dois mundos e preparando o terreno para coisas soberbas, como "Duke", "Abacab" e "Genesis" (com seus hits universais – "Mama", "Throwing It All Away", "That's All"…).
E quanto a Gabriel? Seu engajamento político-social e sua veia pop produziram coisas como "Biko" e "Shock the Monkey", tão distantes e tão perto quando possível em relação a um artista inquieto e polêmico, além do megahit "Sledgehammer".
Quem mais poderia transformar suas agruras e suas dificuldades com ex-companheiros como ele na fundamental "Solsbury Hill"?
Steve Hackett, o guitarrista fenomenal e sensível capaz de emular timbres e criar camadas soberbas de sons, teve participação importante nas duas fases, mas acabou preferindo procurar o seu próprio caminho e abdicou de méritos mais do que merecidos.
Por insondáveis motivos, mas objetivos perfeitamente compreensíveis, Peter Gabriel e seus ex-colegas moldaram os caminhos que ambos trilhariam e estabeleceriam as novas metas, bem altas, a respeito do que pretendiam fazer.
É o clássico caso em que a divisão de dois estamentos resultou em que a soma soma que é bem maior do que o resultado que existia antes da separação. Todo mundo ganhou, ao contrário do caso do Sepultura, em que todo mundo perdeu quando da cisão, em 1996.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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