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Uma bela viagem sob o poder da música, segundo Neil Peart

Combate Rock

31/03/2020 07h00

Marcelo Moreira

A estrada sempre fascinou os roqueiros de todas as idades e de todas as vertentes, a ponto de alguns quererem criar uma espécie de subgênero do rock chamado "road rock", sempre embalados por Steppenwolf, Slade, Santana e outros grupos de classic rock.

Um dos fissurados pela estrada era o baterista Neil Peart, do Rush, morto em janeiro passado, aos 67 anos de idade. Provavelmente, é o artista de rock mais famoso a aderir incondicionalmente a viagens diversas e ao asfalto.

Como escritor, o turismo e as viagens praticamente dominam a sua obra literária, repleta de reminiscências de sua rica biografia e relatos de giros de bicicleta, de ônibus, de carro e de motocicleta pelo mundo.

"Ghost Rider – A Estrada da Cura", lançado no começo deste século, lançado no Brasil pela editora Belas Letras, é a sua obra mais expressiva. Narra uma série de jornadas de motocicleta pela América do Norte durante o período mais complicado de sua vida, quando sua mulher e sua filha morreram em um espaço de meses entre 1997 e 1998.

O texto é agradável, fluente e repleto de referências históricas e informações geográficas em meio a flashes autobiográficos.

O mesmo pode ser dito de "Música Para Viagem – Vol. 1 – A Trilha Sonora da Minha Vida e do Meu Tempo", que chega às nossas livrarias pela mesma editora e com a cuidadosa tradução da gaúcha Candice Soldatelli.

Na cronologia, é o terceiro livro de Peart e, de certa forma, acaba sendo como uma continuação involuntária de "Ghost Rider". É de 2004 e também tem como temas principais a estrada e as viagens terapêuticas, embora, aqui, subordinadas à música.

Enquanto seu livro mais famoso é caudaloso e dramático por conta das circunstâncias trágicas que afetaram o autor, "Música Para Viagem" é mais conciso e direto, com um astral completamente diferente.

Superados o luto e a depressão, que quase encerraram a sua passagem de 30 anos pelo Rush, o baterista ressurge revigorado e olhando para a frente, e isso se reflete no texto mais leve, sarcástico e bem humorado.

Peart aprofunda a tendência de ser um aventureiro que gosta de também de dar uma guia de viagens, enquanto entremeia os relatos das viagens com lembranças de sua infância e adolescência e outras boas histórias do mundo do rock.

Neste primeiro volume o baterista evidencia algumas pretensões mais literárias, mesclando com habilidade e fluência a narrativa da jornada com a importância de cada música e de cada CD ouvido ao longo do caminho e das paradas em hotéis.

Entre os vários comentários musicais que recheiam as páginas do livro, duas evidências saltam aos olhos, algo que podemos dizer que norteiam a veia musical do livro.

Uma delas é a paixão por dois bateristas que, de certa forma, moldaram o seu caráter musical: Buddy Rich e Keith Moon. O primeiro, jazzista norte-americano considerado o melhor dos melhores, é tratado com muito carinho e Peart conta como foi o seu envolvimento com a fundação que cuida do legado de Rich e a produção de dois CDs em tributo ao mestre do jazz.

Já Moon, baterista de The Who, é a referência roqueira de excelência e diversidade musical, um músico que mereceu pôster na parede do quarto do adolescente canadense aspirante a astro de rock.

A segunda evidência é surpreendente até então, quando da confecção do livro: o respeito e a admiração gigantesca com Frank Sintra, talvez o impacto musical mais forte em sua infância.

Niel Peart descreve como foi apresentado a diversos sons favoritos de seus pais e a fascinação que tem por Sinatra devido aos LPs do pai e ao rádio de pilha que ganhou aos dez anos de idade, no começo dos anos 60, época em que o cantor norte-americano ainda predominava.

Para ressaltar a importância crucial e vital que a música sempre teve em sua vida, o autor destaca um trecho de uma obra de um importante escritor e eventual crítico musical, e que define bem a relação o baterista do Rush com a música e, transcendendo, com a própria vida.

"Um dos valores primordiais da música em nossas vidas reside no seu poder de nos conduzir através do tempo. Assim, ela atribui significado a todos os aspectos inexplicáveis que, no entanto, nos ajudam a nos tornar o que somos. A música é uma constante, nos lembrando do que fomos e para onde desejamos seguir. A música não apenas acalma, ela dignifica", escreveu Ralph Ellison em uma coletânea de ensaios chamada "Living the Music".

Sem a carga dramática de "Ghost Rider", "Música para Viagem" fica despida do peso opressor das circunstâncias e acaba se tornando uma interessante crônica de costumes a respeito da estrada e uma bela homenagem a este elemento fundamental da vida, que é a música.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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