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Crise sanitária expõe a falta de empatia dentro do rock nacional

Combate Rock

26/03/2020 07h01

Marcelo Moreira

Empatia é certamente a palavra mais usada em tempos de confinamento e isolamento social por conta do covid 19-coronavírus. São milhares as histórias edificantes de solidariedade e de criação de situações em que o bem comum está acima de tudo na questão da saúde – cuidados e preservação de vidas no combate à pandemia.

Entretanto, muita gente está reclamando, com certa dose de razão, cobrando empatia (a capacidade de se colocar no lugar de outras pessoas e em diversa situações) na questão das consequências econômicas da quarentena imposta a várias cidades do undo – ou países inteiros, como na Europa e na Índia.

Com as medidas radicais de isolamento e distanciamento social, consideradas essenciais para conter a disseminação do vírus, os reflexos na economia serão severos. Dependendo do economista, as previsões vão de recessão profunda à devastação no Brasil e no mundo.

A preocupação faz sentido e mobiliza governos em torno de sugestões para amenizar as consequências, ainda que isso, por vias tortas, sirva de base para declarações estapafúrdias, inconsequentes e irresponsáveis do presidente lamentável Jair Bolsonaro, que questiona a eficácia do "confinamento em massa" como ação principal no combate à emergência sanitária.

Não há soluções fáceis para a crise mundial, que com certeza vai provocar recessão em variados graus. Poucos setores poderão aproveitar algumas oportunidades, mas a expectativa geral é de que a imensa maioria dos segmentos sofrerá grandes perdas e que muitos setores terão recuos dramáticos na atividade econômica e terão de demitir.

Pequenos negócios e os informais serão os mais ameaçados. Legiões de profissionais que vivem como ambulantes ou do trabalho diário precário terão sérias dificuldades em passar pelo período mais difícil da crise, a que envolve a quarentena, com toda a população em casa e consumindo só o básico.

A questão é que tem de ser assim mesmo, já que a vida é mais importante e supera quaisquer considerações econômicas que possam ser levantadas. Afinal, é uma crise planetária e que pode matar milhões de pessoas se as medidas acertadas não forem tomadas. O descontrole na Itália é o maior exemplo de que como é necessário op combate à doença, e danem-se as consequências econômicas.

De forma irresponsável e desumana, insuflados pelo inconsequente Bolsonaro, uma parte estridente de pequenos e médios empresários começam a pressionar pelo fim da quarentena no Brasil, ou ao menos, algum tipo de "flexibilização" das regras de distanciamento e isolamento social.

E, de forma deplorável, não são poucos os músicos, lojistas de música e profissionais de empresas de eventos que estão embarcando nessa calamitosa onda, que é nojenta e criminosa.

Especialmente nas redes sociais, gente idiota do nosso meio musical e roqueiro preconiza o fim imediato da quarentena alegando falaciosamente que "o Brasil está quebrando e que a vida está paralisada e morrendo", que "não se pode matar moscas com mísseis nucleares".

Essas imbecilidades, endossadas por um presidente repulsivo, colidem frontalmente com as principais recomendações dos maiores especialistas mundiais em epidemiologia e virologia, alguns deles brasileiros. Colidem também com as orientações do próprio Ministério da Saúde, que agiu de forma correta e elogiável desde o começo da crise.

O ministro Luiz Mandetta, infelizmente enquadrado de forma absurda pelo presidente e por um núcleo político nocivo, começa a mudar o discurso e a endossar as falas criminosas de Bolsonaro no sentido de abrandar as rígidas medidas de contenção do vírus, quando não de extingui-las o mais rapidamente possível.

Presidente da República Jair Bolsonaro, durante videoconferência com governadores do Sudeste em 25 de março; seu pronunciamento do dia anterior foi repudiado por políticos, médicos, economistas e lideranças empresariais (FOTO: MARCOS CORRÊA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA) 

Não são poucos os roqueiros – apreciadores, músicos, comerciantes e profissionais do meio – que estão repudiando as medidas sanitárias e apoiando a fala criminosa de Bolsonaro, muitos de forma tímida e discreta, mas vários de forma escancarada.

É uma falta de empatia que causa náuseas, justamente vindo de gente que clama desde sempre por "união de cena", por um "movimento solidário no rock" e reclamando da falta de "apoio e atenção" do poder público e de empresas privadas em prol da cultura e das artes.

Desumano tem sido um adjetivo pertinente usado pelos sensatos e de bom senso a respeito da críticas e apelos para o fim do isolamento social, sempre puxando das mangas sujas os argumentos econômicos de que o "mundo não pode parar por causa de um vírus", como vomitaram alguns estúpidos, ou que e a economia não pode ser destruída por causa "5 mil ou 7 mil mortes de gente velha", como defecou pela boca um empresário repugnante do setor de restaurantes.

A desonestidade intelectual é ainda pior a respeito das ironias vindas de gente de classe média – "que legal, vamos obrigar ambulantes, manobristas e mendigos a trabalhar em casa, em home office", "vamos mandar os boletos para os patrões pagarem, ou para os médicos epidemiologistas", "vamos comer na casa do Dráuzio Varela, que defende a paralisação da economia"…

O maior dos argumentos dos que defendem o relaxamento das medidas radicais – e necessárias – é o de que a "Galeria do Rock vai acabar, assim como todos os que vendem produtos musicais".

Sim, o símbolo maior do rock no Brasil em termos comerciais corre o risco de extinção, assim como milhões de negócios pequenos no mundo, muitos deles muito mais importantes e relevantes do que a galeria.

Milhões de músicos estão enfurnados em casa em perspectivas de conseguir recursos no curto e médio prazos para sobreviver. São sintomas de uma grave crise mundial, senão não seria uma crise e não haveria necessidade das medidas radicais.

A falta de empatia é um sintoma não só da desumanização de nossa sociedade, mas do profundo fosso moral em que mergulhou parte da vida inteligente brasileira, efeito colateral devastador da polarização político-ideológica e do radicalismo de vátios matizes.

Os extremos políticos sempre foram carregados de sectarismo e burrice, que costumam ser contagiosos. A eleição de um tosco como Bolsonaro aprofundou o fosso moral e passou a promover a mediocrização da sociedade.

Restaurante fechado no Rio de Janeiro: medidas drásticas são necessárias para combater a mais grave pandemia mundial desde 1918 (FOTO: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL)

A esmagadora maioria das pessoas que votaram na extrema-direita tem orgulho de ser ignorante, elogia a imbecilidade e tem ojeriza ao conhecimento e à inteligência. Como um vírus perigoso, contaminou diversos setores da sociedade até desembocar nos criminosos ataques à ciência e à medicina nestes temos de combate feroz à pandemia do coronavírus.

Ninguém poderia imaginar que a crise moral desencadeada pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff poderia criar um ambiente altamente tóxico e radioativo em nossa sociedade.

Nem o mais pessimista poderia imaginar que a ignorância se transformaria em virtude e colocaria no poder um fóssil que representa o que há de mais retrógrado e medieval em termos de pensamento político e social.

É muito absurdo que estejamos discutindo esse tipo de coisa, e é deplorável reconhecer que tais pensamentos estão enraizados em parte expressiva dos ambientes roqueiros nacionais, em todos os níveis.

Que a união entre as tribos nunca fez parte de uma "cena" roqueira brasileira é um fato admitido por todos, mesmo em momentos de comoção nacional ou de extrema solidariedade.

O que jamais poderíamos imaginar que é a empatia desaparecesse totalmente na esteira da desumanização progressiva de uma sociedade que sucumbiu à falta de bom senso, ao radicalismo político e à imbecilização geral.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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