Há 30 anos, o Tin Machine fazia David Bowie cair de cabeça no hard rock
Combate Rock
15/02/2020 06h55
Marcelo Moreira
Um astro de rock supercriativo e dinâmico, mas que estava entendiado e cansado da mesmice dos anos 80, com seus excessos de produção dos álbuns e com o comercialismo dominando dava vez o mercado. Com saudades da simplicidade dos anos 70, rompe com tudo e decide ser apenas mais um em uma banda de rock pesado.
Quem seria maluco de fazer tal coisa após os anos de seu maior sucesso comercial? Trinta anos atrás, David Bowie teve a coragem de mudar tudo, largar a sua sonoridade pop por excelência e todos os exageros de produção.
O primeiro resultado disso foi "Tin Machine", o primeiro álbum da banda de hard rock que formou ao lado de Reeves Gabrels (guitarra) e dos irmõs Tony Sales (baixo) e Hunt Sales (bateria e vocais).
Ele deu uma guinada na vida em 1988. O astro pop inglês abandonou o sucesso até certo ponto fácil dos discos "Let's Dance" (1983), "Tonight" (1984) e "Never Let Me Down" (1987), casou-se com uma modelo africana e chamou amigos de longa data.
O Tin Machine teve seus dois discos de estúdio remasterizados e remixados na Inglaterra e relançados no ano passado. O terceiro álbum, o ao vivo "Oy Vey Baby", de 1992, não entrou no pacote.
O quarteto é surpreendente pelo peso e pela simplicidade. Tendo como modelo os Stooges, de Iggy Pop, pais do punk rock no início dos anos 70, o Tin Machine apostou em um rock acelerado e com guitarras na cara, além de uma bateria marcante e martelada em algumas músicas. Deu certo, mas principalmente por causa de Bowie, o grande mentor do projeto e do conceito.
"Tin Machine" foi gravado rapidamente e lançado em 1989 contendo várias músicas excelentes, como "Heaven's in Here", "Under the God", "Amazing" e uma visceral versão para "Working Class Hero", de John Lennon. As letras estavam mais raivosas e as melodias construídas por Gabrels eram marcantes.
O sucesso foi absoluto e rendeu uma bem-sucedida turnê norte-americana. Um breve intervalo para ajudar o amigo Iggy Pop na gravação e produção do album deste, "Lust for Life", e logo grupo embarcou para mais uma turnê, desta vez pela Europa.
O qurteto resolveu dar uma pausa em 1990, enquanto Bowie cumpria compromissos na turnê solo "Sound + Vision", do mesmo ano. Ao final desta, não parou: entrou logo em estúdio para gravar "Tin Machine II".
O peso e as letras inspiradas ainda estavam lá, mas a mão de Bowie marcou grande presença no direcionamento mais pop do grupo, o que desagradou Reeves Gabrels, sem muito espaço para sua guitarra inventiva e barulhenta.
Longe de ser ruim, o álbum tem grandes momentos, como "You Belong To Rock'n Roll", "If There is Something" (versão para uma canção do Roxy Music), "Baby Universal", "Goodbye Mr. Ed" e o ótimo blues "Stateside", cantada pelo baterista Hunt Sales.
Ao contrário do primeiro, as vendas decepcionaram. Gabrels afirmou em 1995, em entrevista à revista Rolling Stone, que a banda acabou porque o direcionamento acentuadamente pop afugentou um público diferenciado conquistado em 1989 com a mistura de hard rock e blues do primeiro álbum.
Já Bowie afirmou algumas vezes que as músicas compostas ficaram aquém do que ele esperava em qualidade. O rompimento, amigável, ocorreu no começo de 1992.
"Oy Vey Baby", lançado no final daquele ano, também fracassou nas vendas. É um bom disco, mas não captou a essência da banda, que estava a todo vapor na turnê do primeiro disco.
Esse CD ao vivo traz alguns momentos pinçados durante a turnê europeia de "Tin Machine II". O grupo estava bem, mas sem a energia demonstrada nos shows iniciais.
De qualquer forma, o Tin Machine é uma das boa surpresas da carreira de David Bowie, marcada por viradas importantes e direcionamentos bastante criativos ao longo de quase quatro décadas.
Para quem gosta de rock mais pesado, o grupo é uma boa amostra do que o hard rock do início dos anos 90 poderia ter sido se não estivesse tão contaminado pelos excessos da "farofa" oitentista majoritariamente originada na Califórnia, com cabelos armados, laquê e muita maquiagem, além do esgotamento criativo.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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