Topo

Novos ataques à meia entrada misturam oportunismo e desinformação

Combate Rock

29/01/2020 16h51

Marcelo Moreira

Caretice, muito oportunismo e uma certa dose de "caráter duvidoso" dominaram um evento no Palácio do Planalto envolvendo o que há de pior na música mundial.

O presidente Jair Bolsonaro foi "homenageado" por músicos predominantemente sertanejos, que aproveitaram para pedir o fim dos descontos na chamada meia entrada.

Ou seja, os artistas mais ricos e que ganham mais manifestaram apoio ao fim de um um benefício que, em tese, deveria beneficiar os mais carentes na aquisição de ingressos mais baratos em todo tipo de evento cultural, educacional e de entretenimento.

O presidente de uma entidade de classe fez a "reivindicação" na cerimônia e foi amplamente aplaudido pelos artistas presentes, a maioria esmagadora do segmento sertanejo, segundo informações do jornal O Globo e portal G1.

A questão, mesmo proposta por esse tipo de gente, é digna de discussão por conta dos inúmeros problemas colaterais que a legislação trouxe de contrabando.

O que não se perdoa é o oportunismo de gente que nem de longe sofre com tais problemas. A maneira sorrateira de como esse "pleito" surgiu beira o mau-caratismo.

Só por isso esse assunto deveria ser enterrado e deixado como está, sendo uma maneira de colocar os oportunistas em seus lugares.

Desde a sua criação, a legislação da meia entrada e suas variantes estaduais e municipais sofreram contestações justas por quem faz e promove os espetáculos.

Aprovadas a toque de caixa e sempre a soldo de um oportunismo nojento por parte de políticos de todos os partidos, o conceito foi engolido pelo "jeitinho" brasileiro, dos dois lados.

Como as leis eram malfeitas e davam margem, deliberadamente, a muitas interpretações, cada um deu o seu jeito de aproveitar como pôde, desde as instituições estudantis do tipo UNE (União Nacional dos Estudantes), que tinha uma espécie de monopólio para a expedição das carteirinhas, até promotores de eventos que limitavam, opor conta própria, a quantidade de lugares para estudantes, já que a lei não fazia especificação.

Como o oportunismo é um traço do caráter do brasileiro, a lei não poderia dar certo, tanto que empresas e promotores fecharam suas empresas depois que eventos tiveram 90% de vendas exigidas por estudantes portadores da carteirinha de meia entrada. O prejuízo era certo, ao ponto de shows serem cancelados e o dinheiro, devolvido.

Como é possível um espetáculo ter 90% de ingressos requisitados por estudantes, que foram à Justiça para garantir tal direito? Como exigir uma fiscalização rigorosa no momento em que um cidadão que alega fazer pós-graduação ou um caríssimo MBA exigir o desconto? Afinal, o benefício não foi criado para estudantes carentes?

A coisa ficou tão fora de controle que pessoas portando carteirinha de escolas de música ou de inglês pleiteavam descontos nos cinemas. Nos anos 2000, uma rede de cinemas foi obrigada a vender para uma sessão 70% dos ingressos, em um sábado, para estudantes portando a carteirinha da meia entrada.

Nem mesmo as frequentes decisões judiciais que tentavam limitar os ingressos a 30% da capacidade do evento deu jeito na questão, já que poucos cumpriam a decisão.

E, no capitalismo predatório que predomina no Brasil, o efeito colateral foi desastroso, tipo promoção black friday (metade do dobro, como diz a piada): de uma hora para outra, os preços de ingressos triplicaram em show nacionais e internacionais, impulsionados pela absurda taxa de conveniência e a compensação por conta da falta de limites na venda para estudantes.

As muitas distorções que a lei da meia entrada criou, no entanto, não pode servir de argumento para empresários predatórios e inescrupulosos que defendem simplesmente o fim do benefício, pura e simplesmente – típico de gente que é indigente intelectualmente e abomina debate, ou seja, gente que tem ampla simpatia pelo presidente Bolsonaro.

Parece ser o caso do deprimente presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), Doreni Caramori Junior. Ele pediu a Bolsonaro o fim da meia entrada, classificada por ele de "injustiça histórica", além de mudanças na cobrança de direitos autorais, que ele classificou como um "monopólio" regulado por uma "lei arcaica".

"Meio livro não existe, meia bicicleta não existe. Não pode o Estado brasileiro intervir na economia e tomar 50% sem nenhum tipo de compensação", reclamou o presidente da Abrape em declaração reproduzida pelo jornal O Globo.

É o tipo de reivindicação que soa como música para o autoritário Bolsonaro, em guerra cultural permanente com todos, e os incompetentes da Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo, loucos para ceifar benefícios para agradar ao inacreditável ultraliberal ministro da Economia, Paulo Guedes, e aos empresários predatórios do setor.

É claro que se trata de um vespeiro, mas é necessário rever muitos pontos da lei da meia entrada justamente pra evitar que oportunistas e inimigos da cultura e dos pobres siam dos esgotos para pleitear o fim de algo que é, essencialmente, tão bom para a cultura e para o país.

Os desvios e distorções da lei nunca foram revisados ou corrigidos porque muita gente se beneficiava das brechas. Politicamente, também era interessante para vários nichos parlamentares e instituições sociais que ganhavam muito dinheiro com monopólios na emissão de carteirinhas.

Neste ponto, a esquerda tem enorme culpa, já que nem o PT, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quiseram mexer no caso para não "melindrar" aliados de dentro e fora do partido.

O resultado é abrir o precedente para todo o tipo de oportunismo no intuito de acabar com o benefício. A meia entrada precisa de novos e urgentes debates para evitar a sua extinção.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Novos ataques à meia entrada misturam oportunismo e desinformação - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Mais Posts