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Há 50 anos Leslie West despejava a sua primeira 'montanha' de riffs pesados

Combate Rock

25/12/2019 06h59

Marcelo Moreira

O rapaz era diferente, autoconfiante e tocava muito, só que não dava para saber como classificá-lo e como vendê-lo ao mercado. Corpulento e feioso, o guitarrista de origem judia transbordava blues, mas o som que emitia era muito pesado. O que fazer?

"Deixe-me tocar e eu resolvo no palco e no estúdio", disse o enfezado instrumentista ao seu empresário certa vez. E então Leslie Weinstein finalmente descobriu o seu caminho ao lançar "Mountain", em 1969.

Ele não gostava do apelido, "Montanha", mas foi convencido a assumi-lo, o que transformou a sua vida – não apenas nomeou o seu álbum de estreia, mas também a sua banda, que existiu de 1070 a 1975.

A mudança de nome – Weinstein virou West, mais palatável para o público médio roqueiro -, após o divórcio dos pais, também teve um impacto significativo em sua vida.

E assim surgia um dos mais originais guitarristas da história do rock, fissurado por blues, mas admirador profundo de Eric Clapton e Jimi Hendrix, responsáveis direto por moldar a musicalidade do guitarrista novaiorquino.

Seu timbre foi pesquisado à exaustão. Enquanto tentava uma carreira profissional no rock e no blues em Nova York, ouvia atentamente cada disco do Cream, de Jeff Beck e dos Yardbirds/Led Zeppelin, entre outros.

Dissecava cada nota dos discos do Canned Heat e do Savoy Brown. Ficava exasperado com a demora em encontrar um caminho, mas admitiu mais tarde que isso foi fundamental para ganhasse corpo e alma para desmontar o rock e recriá-lo em um formato que influenciaria milhares de guitarristas nos anos 70.

Garoto prodígio no instrumento, era um pouco genioso e tinha a tendência a não abrir mão da liderança dos projetos em que se envolvia. Todo mundo reconhecia o seu talento, mas muitos tinham dificuldade em trabalhar com um integrante com personalidade forte e com um timbre de guitarra quase inclassificável,

Com a banda Vagrants as coisas pareciam se encaminhar em 1966, mas ninguém sabe ao certo o que deu errado. West já tinha 21 anos e via o tempo passar muito depressa, com várias bandas fazendo sucesso com músicos medíocres. Ele era purista, ok, mas ainda assim não entendia como sua carreira não decolava.

E então foi que algumas gravações caíram nas mãos do produtor Felix Pappalardi, baixista de formação e responsável pelo som pesado e limpo do Cream.

O produtor trabalhou em algumas músicas dos Vagrants, mas estava de olho mesmo era no guitarrista corpulento. Identificou ali um talento em estado bruto – e, para sua felicidade, via a nítida influência de Clapton e Cream.

Quando o Cream acabou, no final de 1968, Pappalardi voltou para os Estados Unidos e logo entrou em contato de novo com West. E foi assim que o guitarrista finalmente viu a luz que faltava para a sua carreira.

"Mountain", o álbum, mergulhava fundo no blues pesado, encharcado de melodia e timbres densos e obscuros de guitarra. Eram músicas que incomodavam, onde a guitarra penetrava fundo na alma. Era quase rock, era quase soul music, mas era um blues de corpo e alma. Era uma música profunda.

O envolvimento de Pappalardi como produtor, músico e compositor foi total de fundamental. Das 11 músicas, ele assinou oito em parcerias, sendo que West recebeu créditos, em parcerias, em apenas cinco.

Os destaques são a estupenda "Blood of the West" e "Long Red", as duas que abrem o álbum, demonstrando uma força descomunal que desembocaria naquilo que se convencionou a denominar blues rock, dando uma nova forma ao som primal e pesado de Cream e Led Zeppelin. "Blind Man" e "Look to the Wind", de roupagem mais pop e rock'n'roll, também tiveram boa repercussão.

Mountain (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Como estreia tardia em vinil, aos 24 anos, "Mountain" é um álbum de respeito, mas teve desempenho discreto nos mercados inglês e norte-americano – só muito mais tarde seria redescoberto, tornando-se cult.

Entre os músicos, no entanto, o impacto foi grande. West acabou reconhecido como um dos melhores guitarristas norte-americanos, algo que ficou patente assim que aceitou criar uma banda com Pappalardi.

O Mountain surgiu em 1970 com a liderança musical de West, mas tendo o conceito todo elaborado por Pappalardi. Era hard rock que esbarrava no chamado rock pauleira dos anos 70, escorrendo blues por todos os lados.

A divisão dos vocais entre os dois não causou problemas em princípio, mas o protagonismo nas composições do produtor começou a incomodar o guitarrista. Nem mesmo o sucesso estrondoso de "Mississippi Queen" e "Theme From Imaginary Western" arrefeceu os ânimos.

O Mountain deu um tempo em 1972 para que Pappalardi trabalhasse em projetos diversos e reorganizasse a vida pessoal – sempre foi atribulada e turbulenta, que acabou culminando com seu assassinato pela esposa em 1983.

West não ficou parado e, junto com o baterista da banda, Corky Laing, criou o West, Bruce & Laing ao lado do baixista Jack Bruce, ex-Cream e um dos seus heróis de sempre.

O projeto deu muito certo, rendeu três álbuns, mas Pappalardi, enciumado, exigiu a volta do Mountain, e sacudiu vários contratos para "convencer" os dois "companheiros" de banda. West, Bruce & Laing se desmanchou de um dia para outro, o mesmo fim que teria o Mountain  em 1975.

Músico excepcional e com reconhecimento aquém do que merece, Leslie West manteve uma carreira estável e prolífica desde então, indo cada vez mais em direção ao blues. Continua tocando aos 73 anos de idade apesar dos vários problemas de saúde – teve de amputar uma perna anos atrás em consequência do diabetes.

Um dos pontos altos de sua carreira, segundo o próprio músico, foi encontro que só rendeu frutos mais de 30 anos depois. Nos dias 17 e 18 de março de 1971, The Who estava tentando destravar as gravações do que seria o álbum "Who's Next", a sua grande obra prima.

Para mudar de ares, o guitarrista Pete Townshend decidiu que a banda deveria tentar gravar no Record Plant, famoso estúdio de Nova York. Era o momento em que o projeto "Lifehouse", ópera-rock futurista e distópica que substituiria "Tommy", de enorme sucesso, começava a naufragar.

Os trabalhos continuavam encalacrados e então Leslie West apareceu nos estúdios, já que deveria gravar ali músicas para um novo álbum do Mountain. Townshend quis conhecê-lo e o guitarrista americano acabou participando de várias jam sessions, uma delas maravilhosa, que rendeu uma versão ao vivo, em estúdio, do hit da soul music "Baby Don't You Do It", que o Who tocava nos shows à época.

São quase nove minutos de uma versão pesada, inspirada e criativa da música, com West mandando ver e fazendo um duelo mágico com Townshend. Essa gravação só apareceu em uma versão de luxo e remasterizada de "Who's Next" lançada em 2004, em versão com dois CDs.

O segundo CD, por sinal, também é histórico, pois traz a versão na íntegra do show do Who gravado ao vivo no Young Vic Theatre, em Londres, no dia 26 de abril de 1971. Era o que deveria ser o show de encerramento da versão filmada de "Lifehouse", e que teria parte do áudio incluído no então LP duplo (ou triplo) que estava sendo planejado. Como todo mundo sabe, o projeto nunca foi terminado e os escombros se tornaram o álbum "Who's Next", lançando no segundo semestre de 1971.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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