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Novo disco do Who não encanta, mas emociona pelo tom nostálgico

Combate Rock

06/12/2019 06h59

Marcelo Moreira

O guitarrista Pete Townshend sempre um músico obcecado pela canção pop perfeita e elo rock visceral que revirava as entranhas. Seja em carreira solo ou com a sua banda, The Who, ele passou muitas vezes bem perto da meta, assim como muitos de seus contemporâneos.

"Won't Get Fooled Again", "Who Are You", "Slit Skirts", "Somebody Saved Me" e "Face the Face" são apenas alguns dos exemplos mais evidentes de sua incansável busca pela essência da perfeição no mundo da música pop.

O tempo se mostrou um bom aliado ao prolífico compositor até que a volta da banda icônica lhe tomou todo o tempo e vigor a partir de 1993, quando lançou seu último álbum solo, o bom "Psychederelict"

Desde então foram pouquíssimos lançamentos – um ámbum com o Who e quatro canções avulsas para completar coletâneas. Acertou em "Real Good Looking Boy" e "Old Red Wine" e não foi bem em "Be Lucky".

O que esperar então de um novo álbum da banda 13 anos depois do bem-sucedido "Endless Wire", uma ópera-rock, para variar?

"Ainda gosto do formato canção. Pequenas crônicas ou velhos sentimentos de um velho roqueiro que procura sempre aquele gancho perfeito ou a nota necessária para arrematar uma ideia", disse o guitarrista recentemente em uma entrevista para a revista Rolling Stone.

"Who", o prometido álbum de inéditas deste ano, o segundo em 37 anos, desde o razoáel "It's Hard", revela que Townshend e o companheiro, o vocalista Roger Daltrey, estão afiados e ainda em busca da perfeição pop que sempre demonstraram em 57 anos de rock.

Há entusiasmo e um pique invejável que outros gigantes, como os Rolling Stones, já não demonstram ao procurar inspiração para músicas inéditas.

A dupla tinha uma missão um pouco árida: superar a boa receptividade do álbum solo de Roger Daltrey, lançado no ano passado, que tinha uma coleção de canções variadas com forte pé no passado, mas com um olhar avançado nos arranjos e na instrumentação.

O começo não foi muito animador uando se anaisa o primeiro single, "Ball and Chain", que tem conteúdo político interessante mas uma levada simples e pouco ousada, por mais que Townshend empregie seu arsenal de truques.

"All This Music Must Fade", o segundo single, deu algum alento e esperança, melhorando o panorama. Guitarras fortes, densas e criativas embasam um vocal igualmente forte, com riffs que soam um pouco mais pesados do que o habitual.

"I Don't Wanna Get Wise" veio na sequência e conseguiu melhorar ainda mais as coisas que começaram chochas. Talvez seja a grande canção pop do disco, com sua melodia marcante e refrão grudento e bem construído.

Pete Townshend (esq.) e Roger Daltrey no estádio de Wembley, em Londres,  (FOTO: DIVULGAÇÃO/THE WHO FACEBOOK)

No dilema de construir um álbum que fugisse da mesmice, Townshend buscou inspiração na sua carreira solo dos anos 80 e em alguns aspectos do bom "Who Are You", de 1978. Tudo tem acento mais pop e acessivel, sem a grandiosidade e a eloquência que ele imprimiu nas obras-primas "Quadrophenia" e "Who's Next", da primeira metade dos anos 70.

"Eu não tenho mais a mesma cabeça que tinha quando tinha 20 anos, ou 40 anos", analisou Townshend quando lançou "Real Good Looking Boy", em 2004. "Alguns valores são agregados, opiniões mudam, a vida muda. Vejo de forma diferente muita coisa, principalmente em relação à música."

"Beads on One String" é uma balada que tenta emular os omentos mais interessantes das carreiras solo de ambos os líderes da banda. O sintetizador setentista está lá dando suporte a uma letra reflexiva, um número muito interessante que poderia estar em álbuns como "Under a Raging Moon" (1985, Roger Daltrey) ou em "Give Blood", do mesmo ano, de Townshend.

Há bastante nostalgia, mas nada que fossilizasse a música da banda, "Hero Ground Zero", uma homenagem aos bombeiros e aos mortos do 11 de setembro de 201, em Nova York, abusa do formato canção clássica – é retinha, quadradinha, mas com uma melodia cativante e arranjos belos de piano e sopros, lembrando vagamente a linda "Slit Skirts", solo de Townshend de 1982.

Com uma produção certeira, moderna e correta, os timbres de guitarra foram valorizados, assim como os arranjos e as segundas vozes de Townshend.

É possísvel identificar tentativas de adicionar barulhinhos estranhos aqui e ali, dspensáveis, mas não influenciam no resultado, como em "Street Song", totalmente pop, que tem parentesco direto com "Athena", de "It's Hard".

Mas cadê a pegada? Cadê a visceralidade que sempre caracterizou o rock do Who e a guitarra de Townshend? Quem esperava algo parecido desconhece a discografia da banda. Tais atributos desapareceram em "Who Are You". O que temos hoje é uma dupla que buscou dar um respiro com "Endless Wire" e que agora procura em algum lugar do passado as boas ideias que sempre colocavam seus trabalhos em um patamar acima.

Alguns críticos enxergam em "Who" um belo epitáfio, com uma mescla de canções nostálgicas e bem construídas com tentativas de surpreender o ouvinte de alguma maneira. Talvez seja exagero colocar as coisas nestes termos, até porque não sabemos se realmente será o últmo disco da banda – é bem possível que seja.

A dupla acerta mais do que erra no novo disco – "I'll Be Back", a balada tipo Burt Bacharah cantada por Townshend, destoa por ser comum e pouco inspirada, estando mais adequada a um disco solo do guitarrista.

Tirando esta escorregada, o disco flui bem e é agradável mesmo em músicas que poderiam ser dispensadas, como no country soft rock levada no violão "Break the News".]

Há um pouco mais de ambição em "Rockin' the Rage", talvez a mais contundente, e melhor, do álbum, com  Daltrey mostrando sua alta qualidade em um vocal agressivo e cheio de feeling, lembrando a fase mais irada da banda. Piano e arranjos de cordas dão uma suavizada, em contraponto à guitarra mais furiosa.

É claro que sempre esperamos o melhor e o máximo dos gigantes. Agradeçamos por termos a oportunidade de saborear mais da genialidade de Townshend e da competência de Daltrey.

"Who" não tem a sofisticação e a qualidade de "Endless Wire", e nem é tão impactante quando as duas canções lançadas em 2004 na coletânea "The and Now". A tenacidade e a perseverança, entretanto, fizeram do disco uma obra agradável, com pssagens que emocionam e que dignificam a história da banda. Não encanta, mas agrada.

Poderia ser um epitáfio perfeito? Prefiro ver como o início de uma nova fase, e adoraria que, neste ponto, os septuagenários Townshend e Daltrey concordassem comigo.


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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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