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Liberdade de expressão: 'polícias' sem controle ameaçam a democracia

Combate Rock

21/11/2019 06h26

Marcelo Moreira

Os sinais de autoritarismo são visíveis, evidentes e ameaçadores. O ato execrável de um deputado estúpido quebrando um quadro de exposição sobre o Dia da Consciência Negra, na Câmara dos Deputados não foi só uma ação racista: foi mais um eloquente aviso da militarização social e da fúria da extrema direita burra (o que é uma redundânciacontra o conhecimento e a civilização.

Ao mesmo tempo em que essa extrema direita agressiva e acéfala se sente estimulada a perpetrar barbaridades e testar os limites da Constituição e da legislação, as Polícias Militares se veem acuadas diante da nova era: não são novos tempos, em que estamos liberados para exercer a nossa "autoridade" sem contestação? Então por que continuamos sendo "denunciados" e "atacados" por certos "setores da sociedade"?

É sintomático que o deputado federal esdrúxulo, ex-PM sem nenhum brilho, tenha quebrado o quadro com o cartum de Latuff no mesmo dia em que ficou comprovado, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que o tiro que matou a menina Ágatha Félix, de 8 anos, meses atrás, saiu de um fuzil de um policia militar.

Em um governo federal sem agenda, sme metas e sem qualquer planejamento, é natural que assuntos "periféricos" dominem a agenda, por mais medievais que sejam.

A destruição das políticas ambientais, a erosão dos pilares da educação e os ataques à cultura, às artes, à imprensa, aos direitos humanos e a quem pensa diferente se tornam os vetores de um grupelho incompetente sem a menor noção que fazer na condução de uma nação.

Diante do vácuo administrativo e de poder, sobram apenas as bravatas e os chistes, em que o impacto sobre a manada imbecilizada que os apoiam é mais importante do que governar e propor políticas públicas de desenvolvimento e de crescimento. É como se essa cambada tivesse recebido uma "iluminação divina" garantindo que censurar e reprimir são os trunfos para tirar o país da crise e diminuir o desemprego, por exemplo.

Charge de Latuff que motivou a ira de um deputado federal autoritário na Câmara dos Deputados (FOTO: REPRODUÇÃO DE IMAGEM/FACEBOOK)

Diante da inércia e da falta de resultados – frutos da completa ausência de competência -, bate o desespero nos grupelhos autoritários que se impacientam diante da "lentidão" do "programa de governo", que supostamente incentivaria a implantação e a aprovação de mais e mais medidas de cunho totalitário, tudo com viés ideologizante antiesquerda (seja lá o que isso signifique) e totalitário.

Essa gente tosca e sem educação – e sem inteligência – achou que a ascensão de um capitão medíocre e deputado federal ridículo seria suficiente para que tivessem salvo-conduto para agir impunemente e impor a agenda do retrocesso para favorecer os de sempre: ricos, brancos e empresários/empresas predadoras.

Essa agenda sem controle é uma tentativa, na marra, desses grupelhos de canalhas, coalhados de gente religiosa da pior espécie e do empresariado mais calhorda possível, de se apoderar do Estado para aparelhá-lo e transformá-lo em instrumento do retrocesso.

O pacote se completa com o verniz da ignorância – parcela imensa e expressiva dos eleitores do atual governo federal e de vários governos estaduais se orgulha de sua burrice e relincha contra o conhecimento e a educação.

E eis que as políciais militares estaduais encontraram um terreno fértil para avançar e exigir que sua ações não sejam contestadas, bem de acordo com as falas irresponsáveis de candidatos bolsonaros e bolsonaristas da época de campanha, seja de estímulo à ação violenta contra "bandidos", seja de suposta "valorização" de "carreiras" ou da "profissão", que nada mais são do que eufemismos para uma espécie de carta branca na conduta do dia a dia.

Não é coincidência que as "operações" das PMs em vários Estados tenham registrado aumento nas ações violentas, no número de mortes de civis e no número de denúncias contra policiais em 2019.

Com uma presença maior de parlamentares oriundos das polícias militares no Congresso, nas Assembleias Legslativas e nas Câmaras de Vereadores, os "agentes da lei" se sentiram mais empoderados para destilar ódio contra a população e contra o que consideram "ações subversivas contra a motral e os bons costumes".

Tudo isso, é bom ressaltar, sempre escudado por gente religiosa da pior espécie e ancorados em "cidadãos de bem" que não suportam críticas, oposição, pobres, negros, LGBTs, ativistas de todos os tipos, artistas, professores e quem estiver "fora da linha" – ou na "lista negra".

Empoderados, mas ainda vacilantes (por não saberem direito os seus limites), os policiais militares estão estimulados a resgatar do porão as práticas da ditatura militar, com censura e repressão em plea democracia, afrontando a Constituição.

É por isso que a PM, em vários Estados, acha que tem o direito de intervir em eventos artísticos, cancelando-os ou encerrando-os abruptamente ao menor som de crítica ao presidente da República, a governadores, prefeitos e vereadores. Quando a crítica é dirigida aos próprios agentes repressivos, a afronta se torna crime, justificando violência e todo o tipo de arbitrariedades.

Policiais militares estão valentes para intimidar qualquer cidadão ou instituição – a mando de políticos ou com a conivência destes. Sentem-se à vontade para ameaçar artistas nas ruas, como na avenida Paulista, em São Paulo, ou para "cancelar" festivais de rock, como em Belém (PA) no começo do ano, a pedido de políticos conservadores e "pessoas de bem". E também para invadir encontros políticos de partidos de esquerda, como em reunião das mulheres do PSOL em São Paulo.

Da mesma forma que a intimidação se tornou uma forma de censura em vários campos da sociedade brasileira sempre com o suporte da Polícia Militar, sempre tão solícita para "monitorar e acompanhar possíveis focos de tensão e tumulto". O curioso é que não se vê tmanha diligência e competência para acompanhar e evitar, por exemplo, brigas de torcidas organizadas e times de futebol nos estádios e em seus arredores.

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

Os índices de violência policial e de mortes causadas por PMs no Brasil são altíssimos e escandalosos internacionalmente, sendo freqentemente comparados a guerras diversas. A Polícia Militar mata demais no Brasil, e o "quociente" de impunidade é muito alto, beneficiando-se de uma deficiência (deliberada ou não) das investigações das atividades polivciais violentas.

Com a presença cada vez maior de policiais militares no parlamentos brasileiros, temos então uma enorme bomba armada e uma preocupante ameaça à democracia.

É evidente que a bancada da PM onde quer que seja é considerada, por muita gente deste segmento militar, como uma "proteção" ou mesmo um fator de estímulo para o avanço das condutas ilegais e, em muitos casos, criminosa de policiais que se acham donos das ruas e o braço de controle de políticos autoritários e medievais.

A destruição do quadro com a charge de Latuff é um indicativo perigoso de como a "miloitarização" do nosso cotidiano é uma ameaça enorme à democracia brasileira. Tão preocupante quanto esses ataques é o nível de repúdio que tal ato provocou.

Assim como em outros atentados ocorridos neste ano, com a ascensão do presidente lamentável atual, houve uma comoção muito aquém do esperado.

Não houve protestos nas ruas e as manifestações contrárias, tímidas, só ocorreram entre militantes e políticos de esquerda, nas redes sociais. Também foram poucos os ativistas dos direitos humanos e do movimento negro que foram veementes na condenação do deputado federal esdrúxulo e execrável.

Muitos vão chamar de paranoia eo cer exagero, mas o cerco lentamente se fecha. As forças da repressão e da censura estão avançando e testando os limites, e a "normalização" das aberrações toma conta de nossas mentes.

Não são poucos os avisos do aumento das trevas em nossa sociedade, mas estão sendo ignorados. As manifestações fascistas nas redes sociais são assustadoras e nem assim ligam o sinal vermelho na sociedade.

A intolerância é intolerável e, muitas vezes, tem de ser combatidas com a própria intolerância. A julgar pelo avanço das forças do retrocesso, quase ninguém, infelizmente, está disposto a cair de cabeça na intolerância contra os intolerantes.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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