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O mundo pós-Rock in Rio: quando o boicote pode virar perseguição

Combate Rock

15/10/2019 06h53

Marcelo Moreira

Uma das armas mais poderosas dos consumidores – e de qualquer cidadão em uma democracia – é o boicote. Qualquer marca de qualquer produto treme quando ouve a palavra boicote, e ainda mais em tempos de redes sociais e depredações instantâneas de reputações.

O boicote costuma funcionar algumas vezes, outras não. Eleições costumam ser um exemplo e podem ser trágicas  ao boicotar o PT, eleitores conseguiram colocar alguém inacreditável e tosco na Presidência das República.

Portanto, saudemos a possibilidade e a liberdade de boicotar e de se expressar, que ainda temos e que tem sido atacada por todos os lados há pelo menos 12 meses.

Boicote é uma ação que precisa ser muito bem coordenada para funcionar. A esquerda tentou por muitos anos em vários atos políticos, com mais erros do que acertos. Tentou boicotar o Plano Real de todas as maneiras e amargou derrotas gigantescas nas eleições presidenciais de 1994 e 1998.

Também tentou boicotar artistas de vários matizes, e fracassou também. Resignada, a maior parte da esquerda partiu para outras ações políticas.

Fernanda Lira, da banda Nervosa, no Rock in Rio: em meio a xingamentos da plateia contra Bolsonaro, ela fez rápidos discursos contra a mistura de religião e política em alguns governos, pelo empoderamento da mulher a favor dos direitos humanos (FOTO: REPRODUÇÃO/MULTISHOW)

Aparentemente, parece que vivemos uma onda de boicotes recentemente que nos meios artísticos, mas de uma forma preocupante, já que tem influenciado diretamente decisões de governos e empresas estatais que apoiam eventos culturais – isso é inconstitucional, já que se trata de censura oficial.

Os boicotes das hostes conservadoras e religiosas medievais não estão se satisfazendo com essa suposta influência nos meios oficiais e institucionais. Querem transformar os boicotes e perseguições.

Alguns moderados ainda estão chamando de "paranoia", mas alguns sensatos já começam a alertar pelas redes sociais o que teme ser uma campanha organizada e criminosa para perseguir artistas que criticam o infame governo Jair Bolsonaro (PSL) e políticos ultraconservardores, como alguns governadores estaduais.

o cantor Chico Buarque e a atriz Fernanda Montenegro foram vítimas recentes de ataques asquerosos e tentativas de depredação de reputação. Como são muito maiores do que isso, conseguem suportar.

A questão que vem sendo alertada em diversos grupos de redes sociais é mais gravbe e preocupante: perseguição profissional e física, na tentativa incessante de inviabilizar shows e espetáculos.

Promotores e organizadores de eventos já começaram a sentir a "nova onda" no primeiro semestre e alguns adotaram a autocensura, evitando a contratação de músicos e artistas em geral considerados "engajados", "polêmicos" e de "esquerda". Admitem que foram pressionados.

Depois do Rock in Rio, os boicotes podem a vir a se tornar perseguições com ares fascistas e inquisitoriais. De forma ressabiada, alguns músicos com pouco apreço pela política ou pela esquerda afirmaram, em alguns grupos de redes sociais, que pessoas ligada a organizações de ultraconservadores e de evangélicos fundamentalistas fizeram uma "lista" de artistas brasileiros do megafestival que fizeram críticas a Bolsonaro ou às seitas evangélicas. Isso inclui o shows onde o presidente foi fortemente xingado sem a intervenção dos artistas – ou em que estes não se moveram para amenizar as críticas.

É difícil fazer uma avaliação da real extensão desse tipo de boicote/perseguição no momento. Pode ser paranoia, mas pode haver fundamento, seja porque vivemos um momento de trevas e de ataques à cultura e à educação, seja porque já tivemos exemplos claríssimos de censura ilegal, como os cancelamentos de produções teatrais e mostras de artes plásticas promovidas por Caixa e Banco do Brasil, por exemplo. As intervenções na Ancine e na Funarte vão pelo mesmo caminho.

Como combater esse tipo de perseguição e como lidar com o aparente desinteresse da sociedade nesse tipo de assunto?

O cancelamento do Facada Fest (festival punk) em Belém (PA), no primeiro semestre, foi apenas uma amostra de como as forças medievais do atraso podem transformar o boicote em perseguição – por causa de um cartaz considerado ofensivo ao presidente Bolsonaro, políticos de direita convenceram forças policiais a evitar o festival minutos antes do início alegando que o local supostamente não tinha alvará pra receber os shows.

Sindicatos, sedes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), instituições sociais de vários calibres e mesmo a imprensa estão vigilantes e de olho nos frequentes ataques à liberdade de expressão, mas isso não tem sido suficiente.

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "Liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

Admitindo que a perseguição tome proporções maiores, com intimidação também na esfera privada para constranger empresários, promotores e artistas, estaremos ultrapassando uma fase de "experimentação", ou seja, de testes.

As forças obscurantistas, até agora, apenas testaram os limites de até onde poderiam ir nos boicotes e nos incentivos às intimidações.

Pelo que podemos perceber, diante da reação moderada e quase insignificante aos atentados à liberdade de expressão e opinião, não seria absurdo que as perseguições mais tenazes começassem, principalmente no interior dos Estados e em locais bem longe das capitais.

É uma estratégia insidiosa e que requer uma reação rápida, como a que a sociedade civil e entidades progressistas teve quando da eleição dos conselheiros tutelares em todo o país no dia 6 de outubro.

Diante da mobilização, seres ultraconseervadores e candidatos aparelhados por seitas evangélicas obtiveram menos cargos do que planejavam e esperavam.

Foi um momento inspirador e que renovou esperanças de resistência contra a ofensiva das forças obscurantistas, mas ainda é insuficiente. A batalha precisa ser diária e incessante. E infelizmente vejo pouco movimento entre astistas de rock neste Brasil para resistir.

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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