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Orquestra Mundana Refugi e seu libelo contra o ódio e a intolerância

Combate Rock

02/09/2019 12h00

Marcelo Moreira

Orquestra Mundana Refugi (FOTO: DIVULGAÇÃO/FACEBOOK)

Era uma fria noite de setembro de 2018 e o Sesc Bom Retiro, no centro de São Paulo, mas em uma área degradada que çlentamente está sendo revitalizada, uma multidão se acotovelava para assistir a um espetáculo musical no hall de entrada. No palco, mais de 20 pessoas.

Os sotaques eram múltiplos, assim como a variedade de línguas, cores de pele e de alma. Só uma coisa era igual em todos: os sorrisos largos e contagiantes.

E então a orquestra começou a tocar, passeando por sons do interior de São Paulo, por músicas da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Congo, da África do Sul, da Tunísia, da Síria, do Iraque, da Índia, da Rússia, do Japão… E parecia que o espírito de John Lennon, ao som de "Imagine", ocupava cada fresta do prédio.

Por uma hora e meia, a Orquestra Mundana Refugi fexz com que esquecêssemos todas as crises humanitárias do mundo, as guerras genocidas, os milhares e milhares de homicídios anuais na América Latina, a violência cotidiana da Síria e da Palestina.

Ao meu lado, Jean Pierre assistia a orquestra de olhos vidrados. Camaronês que viveu muito tempo no Congo (República Democrática do Congo, antigo Congo Belga), é professor de literatura francesa e fugiu da guerra civil em 2014. Chegou a Angola e conseguiu embarcar para Santos em um navio cargueiro.

"Eu deveria ter vindo antes. O Brasil é martavilhoso. Aqui eu me sinto vivo, sou tratado como gente", diz chorando ao escutar uma canção nigeriana entoada pelas três vocalistas.

O portugês é carregado, mas é fluente em francês, inglês e em três dialetos africanos, tudo isso suficiente pra lhe proporcionar dois empregos – em uma agência de viagens e como monitor free lancer de turismo.

O sonho dele, no entanto, é tocar percussão naquela orquestra que ele via, a Orquestra Mundana Refugi. Já se candidatou e espera realizar em breve uma audição.

Quando fiquei sabendo do atentado ao bar Al-Janiah, no domingo, não tive como não me lembrar da orquestra, um projeto maravilhoso criado há três anos por um grupo de músicos paulistas capitaneados pelo guitarrista e violonista Carlinhos Antunes.

O que era um projeto para oferecer apoio cultural a refugiados do mundo todo que aportavam no Brasil se transformou em um autêntico espetáculo musical multicolorido e multifacetado. E totalmente encantador.

São 20 músicos no palco tocando piano, bateria, percussão, guitarra, sopros diversos e muitos instrumentos africanos e do Oriente Médio.

Com formação variável, tinha músicos naquela noite de setembro oriundos do Oeste Paulista, do Nordeste, da Tunísia, da França, da Polônia, da Rússia, da Espanha, da Síria, do Marrocos, do Iraque e do Congo. Curiosamente, a imensa maioria deles era frequentadora do Al-Janiah.

Mais do que xenofobia, o ataque ao bar criado por palestinos que se transformou em referência para a comunidade de refugiados de São Paulo – de todas as nações, credos e cores – é uma demonstração explícita de intolerância político-ideológica.

São vários os grupelhos e e agrupamentos fascistas que estimularam o ódio a imigrantes e refugiados estrangeiros durante a campanha eleitoral paulista e nacional de 2018.

Lamentavelmente, os candidatos de centro e de direita em São Paulo, mesmo manifestando horror a manifestações de extremismo e procurando se afastar desse flagelo, aparentemente fizeram menos do que se esperava para descolar de suas mensagens. No caso de Jair Bolsonaro (PSL), ele e sua campanha também não se preocuparam muito com isso.

O Al-Janiah é um oásis de vida inteligente e de convivência pacífica, além de ser um reduto de defensores intransigentes dos direitos humanos.

O bar e seus proprietários costumam ser identificados como muito próximos do PT municipal e de políticos do partido e de outras legendas de esquerda. Não poderia ser diferente, já que foi na administração de Fernando Haddad (2013-2016) que houve um increment nas políticas de apoio e auxílio a imigrantes e refugiados de todos os matizes. Como ponto de apoio e colaborador da administração municipal – e não do PT -, o local foi reconhecido como uma base importante das políticas municipais na área.

Observando por esse aspecto, não deveríamos ficar surpresos com o atentado. Mas é chocante, sob qualquer ponto de vista, que fascistas tacanhas e nojentos tenham tido a coragem de perpetrar a monstruosidade contra um local que tem como característica principal a tolerância e a paz.

Que o exemplo da Orquestra Mundana Refugi nos inspire a apoiar o Al-Janiah e nos mosre o caminho de retorno à civilização, algo que parece que estamos perdendo nestes tempos sombrios de governos de conservadores de inspiração fascista que propagam o ódio, a discriminação, a intolerância e ataques a qualquer tipo de diversidade.


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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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