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Raphael Wressnig, o blues que veio da Áustria - parte 3 (final)

Combate Rock

10/02/2019 18h33

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

EM – Em cada trabalho você sempre lança os formatos CD e LP, mas com músicas diferentes. Por quê?

RW – Ótima observação. Tive de fazer isto, por exemplo, na sessão Soul Gumbo. As 14 músicas gravadas tem 76 minutos. Todas as músicas nem caberiam em um CD normal. O formato LP pode até conter menos, então coloquei músicas diferentes em CD e LP e até mesmo algumas coisas estão disponíveis apenas na versão digital. Eu deveria ter liberado alguns dos materiais mais tarde como Soul Gumbo part. II ou algo assim. Muitas músicas, muitos convidados, muita excitação em Nova Orleans, eu acho. É incrível olhar para trás. Estava há apenas dois dias no estúdio e nós mandamos 14 faixas e eu tirei muita música legal disso.

EM – Na minha opinião os discos ao vivo são essenciais e Captured Live, como o nome diz, capta a verdadeira energia dispendida no palco. Gostaria que falasse sobre essa preparação e a experiência de gravar um disco ao vivo.

RW – Gravei o álbum ao vivo com a minha banda da época. De certa forma, é muito ruim porque acho que a banda está melhor agora. Foi no primeiro ano que comecei a turnê com uma seção de metais num formato completo, seis peças. Fazemos isso há três anos e agora os som está muito justo, bacana. Ainda assim é um disco legal, as músicas escolhidas são as mais pedidas nos shows.

EM – Conte como conheceu o Igor Prado? E como surgiu a ideia se gravar o CD Soul Connection com as participações de Willie Walker e Leon Beal? Esse disco poderia ter se chamado "Soul Feijoada".

RW – (risos), Sim, estamos pensando em Soul Feijoada. Apenas pensei que poderia ser muito parecido com Soul Gumbo. Conheci Igor Prado através do Sax Gordon. Gordon montou uma banda internacional legal para o famoso Poretta Soul Festival na Itália. Todos nós tínhamos álbuns soul-blues. Igor gravou Blues & Soul Sessions, Gordon o Showtime e meu álbum Soul Gift, havia acabado de ser lançado. Adorei colaborar com o Igor. Temos quase a mesma idade, o mesmo espírito, a mesma sensação. Foi ótimo desde o primeiro momento. Um pouco depois fizemos a primeira turnê no Brasil juntos. Eu realmente gostei de trabalhar com Igor, Yuri e Rodrigo. Recebi Igor aqui na Europa para algumas turnês. A ideia de gravar juntos foi bastante espontânea. Apenas dois dias antes de eu sair para o Brasil, Igor me ligou e me perguntou se ia gravar alguma coisa com ele. Fizemos alguns shows com o Willie Walker, então ele reservou um Hammond B-3 e um estúdio e estávamos prontos. Tivemos apenas um dia no estúdio e, meio ano depois, gravamos mais três faixas na casa de Igor e o álbum estava pronto. Considero The Soul Connection um dos meus melhores discos. Os caras foram perfeitos, Wee Willie Walker é um dos melhores cantores do mundo e amo o som daquele álbum. Igor se tornou um grande na técnico de gravação, mixagem e masterização. Tudo no álbum foi feito por nós. Você acredita nisso? Coisas caseiras reais.

EM – Que entrosamento, hein?

RW – Lembro-me de passar pelos engarrafamentos de São Paulo, mixando o dia inteiro. A tia de Igor cozinhava ótimas comidas caseiras para nós. Aqui está a Feijoada de novo. Daí trabalhávamos um pouco mais. Espero não estar revelando muitos detalhes da família Prado, mas quero dizer o seguinte: amo essa abordagem, você pode sentir o espírito, a vibração. Acho que o álbum soa ótimo, é real e honesto. Veja a gravação do mono-órgão em Faceslap Swing Nr. 5, por exemplo. Foi um erro. Um canal ou microfone não estava funcionando. Nós havíamos conversado antes sobre gravar "mono" de qualquer maneira. Agora, por acidente, acabamos com uma gravação mono melhor ainda, eu diria. Temos mais shows ao vivo chegando em novembro no Brasil e em janeiro de 2020 na Europa. Estou muito ansioso para isso.

EM – Uma parceria frequente é com o guitarrista Alex Schultz, que rendeu "Don't Be Afraid to Groove", "Soul Gift" e o mais recente álbum, "Chicken Burrito".

RW – Antes que eu esqueça, quero mencionar um outro grande guitarrista que toca com a minha banda e com quem fiz muitas turnês ao longo dos anos. Esse cara é um guitarrista cheio de alma, o grande Enrico Crivellaro. Confira seus ótimos álbuns no Electro Fi. Foi Enrico que convidou Alex Schultz para o nosso show em Munique, na Alemanha. Alex sentou-se e simplesmente soou ótimo. Claro, ele sempre faz isso. Eu tinha um festival de verão na Eslovênia agendado e Enrico não poderia tocar. Então liguei para Alex Schultz, que estava começando a passar algum tempo na Alemanha. Fivemos um ótimo show juntos e foi o começo da longa colaboração. Eu já te falei sobre as aventuras em Nova Orleans. Soul Gift também foi um álbum legal que fiz com Alex. Acho que nós amamos a mesma música. Em Soul Gift juntamos as vibrações de Memphis, um pouco de Booker T. & MGs, sweet soul e, claro, cool blues.

EM – Outro entrosamento importante, não é?

RW – No ano passado fizemos, talvez, a coisa mais excitante juntos. Eu sabia que Alex havia usado o lendário baterista James Gadson em vários de seus shows locais em Los Angeles. Toquei em um monte de shows com Alex e alguns bateristas matadores. Stanton Moore em New Orleans, mas também turnês com Johnny Vidacovich e meu projeto Soul Gumbo para shows ao vivo. Cara, Johnny V é uma viagem. Que baterista legal. De qualquer forma, eu queria ir fundo novamente. Para Soul Gumbo, e na música de New Orleans, a sensação direta versus a sensação de swing é muito importante. Todas as bandas de rua tocam assim e os Meters realmente elevaram isso a um outro nível. Um homem que também colocou isso em outro nível no funk foi James Gadson. Suas gravações lendárias com Bill Withers e todas as coisas de soul e funk definiram o caminho. James encontra o ponto ideal. Ele sempre acerta no suingue e na pegada funk. Esse foi um dos aspectos mais interessantes para eu ver, ouvir, sentir e observar. Enviei demos das minhas novas músicas para James e então fomos para o estúdio e em um dia, você logo vê que eu não gosto de ficar embaçando por aí, gravamos oito faixas. Depois de acertarmos cada música, tentamos capturar a sensação em duas ou três tomadas. Nunca havia experimentado isso de tal maneira. Você podia realmente sentir as nuances que ele imprimia. Usei o estúdio de Josh Smith e Alan Hertz baterista de Scott Henderson e Michael Landau. James Gadson nos alegrou muito com toda a bateria que ele tocou.

EM – Como está a cena blueseira na Europa em comparação com outros locais, já que você passa um tempo lá e também viajando. E como vê a cena brasileira. Imaginava que era tão forte no Brasil?

RW – Acho que jazz e blues têm uma grande tradição na Europa. Alguns dos clubes têm uma longa e grande história. Existem muitas grandes bandas na Europa e bandas americanas vêm pra cá há décadas. Fiquei realmente impressionado com a cena brasileira. Tenho que dizer que fiquei um pouco assustado e pensei que se todas as bandas da América Latina fossem tão boas quanto a banda de Igor Prado, seria assustador, porque isso significaria que a cena é muito melhor do que a cena européia. Posso dizer que eles são uma banda fenomenal, e isso se aplica para os EUA ou Europa e América Latina, e eles se destacam. Para mim, uma grande diferença é que tenho a sensação de que a cena do blues e especialmente o público no Brasil é mais jovem. Gosto muito disso. Parece que ir a um show de blues é mais divertido e as pessoas mais jovens também vão se divertir. Na Europa, é quase como ir a um concerto, o que é legal também e acho que tem a ver com a tradição do jazz. O jazz europeu é muito moderno, mas às vezes isso também é muito chato. Sempre amei os shows no Brasil. Precisamos manter essa forma de música jovem e acontecendo. É sentir-se bem e transportar isso. É um ótimo estilo de arte para expressar os sentimentos, mas também é uma coisa divertida.

EM – Mas e o estilo?

RW – Acho que poderia ser uma tarefa dos músicos de blues brasileiros criar um som de banda e criar uma situação única no Brasil. É claro que, como músico ou guitarrista, ou gaitista, ou seja o que for, fica fácil gravar um disco legal com alguns caras experientes em outro lugar ou criar uma situação. Acho que o público quer ver isso no palco, no show ao vivo. Estou passando por uma situação semelhante na Europa agora. Muitos cantores e músicos norte-americanos entram em contato comigo e querem usar minha banda ou querem que eu os apoie na Europa. Alguns outros artistas na Europa me querem, além da minha banda para o seu álbum ou para um show. Tento ter cuidado com isso porque demorei um pouco para criar esse som de banda. Leva uma vida inteira para tocar blues, soul ou funk também. Todos nós devemos valorizar isso. Acho que jovens artistas gostam de chamar convidados, fazer um álbum emocionante, com alguns músicos famosos. Mas eu só posso recomendar: seja você mesmo, toque suas músicas, seu estilo e tente fazer com que sua banda continue. Nem todo mundo precisa soar como alguém que ele acha legal. Invente suas próprias coisas.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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