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Há 50 anos o Jethro Tull decolava com base no blues pesado

Combate Rock

21/01/2019 06h23

Marcelo Moreira

"Esses caras vão fazer muito sucesso!", profetizou um guitarrista alto e bigodudo de Birmingham que tinha acabado de anunciar a sua saída da banda.

Fazia menos de um mês que Tony Iommi tinha deixado os amigos do Earth (que no futuro seria o Black Sabbath) para substituir Mick Abrahams no Jethro Tull.

Para uma banda escocesa que mal tinha se formado, até que o sucesso viera rápido com o convite para tocar no especial de TV de fim de ano dos Rolling Stones, em dezembro de 1968.

Tudo era muito bom para ser verdade, e era mesmo. O especial nunca foi ao ar (só chegaria ao CD e aos DVD nos anos 90), Iommi não se adaptou ao estilo de banda-empresa imposto pelo líder, o vocalista e flautista Ian Anderson, caindo fora e até mesmo os empresários começaram a vacilar naquele início de 1969.

Nada disso incomodou Anderson, que seguiu em frente e tornou o jethro Tull uma lenda. "Que outra alternativa eu tinha a não ser seguir em frente, já que éramos quse miseráveis?", questionou o cantor em uma longa entrevista concedida à TV Gazeta, em 1988, quando da primeira vez que o grupo esteve no Brasil.

Iommi tinha razão e o Tull fez sucesso. Ele também garante que isso ocorreu graças à ética espartana e calvinista de trabalho de Ian Anderson, um artista obcecado pela perfeição e pelo reconhecimento da qualidade de seu trabalho. Não fumava, não bebia, abominava drogas e mantinha uma dura rotina de trabalho para os companheiros, como se estivessem mesmo em uma empresa. Deu certo, mas a duras penas.

Há 50 anos o Jethro Tull surgia e decolava para o estrelado, mas teve de mudar para alcançar a glória. Mick Abrahams, guitarrista e fundador do grupo, ao lado de Andeson, impôs o blues meio jazzístico que caracterizou "This Was", o primeiro trabalho, de 1968.

O disco foi bem recebido, virou cult, mas vendeu muito pouco, o que se refletiu na agenda de shows, que continuava anêmica. Parecia que a Inglaterra não precisava de mais uma banda de blues para competir com John Mayall's Bluesbreakers, Savoy Brown, Fleetwood Mac e várias outras. A mudança tinha de ocorrer imediatamente.

E sobrou para Abrahams, que resistiu à mudança de direção – o blues permanecia, mas apenas marginalmente, dando lugar ao folk e ao rock progressivo.

Anderson não hesitou em demitir o então amigo, com o apoio do resto da banda e dos empresários. Iommi foi uma escolha surpreendente, já que tinha o blues e o jazz como base, e ela se revelou equivocada dos dois lados.

Jethro Tull no especial de TV dos Rolling Stones que nunca foi ao ar; à direita, Tony Iommi na guitarra (FOTO: REPRODUÇÃO)

O guitarrista revelou-se tímido demais, irritando Anderson; já Iommi ficou chcoado com a forma de trabalho, como se fosse um escritório e com o jeito de patrão do vocalista, que ficava isolado e jamais almoçava ou jantava com os outros.

Quem topou o trabalho foi um músico sossegado e pau para toda obra, o excelente e subestimado guitarrista Martin Barre, que transitava por todo o espectro da música pop com leveza e autoridade – tanto que ficou mais de 30 anos ao lado do "chefe".

Já faz quase dez anos que o Jethro Tull não existe mais, substituído por um combo que de vez em quando se intitula Ian Anderson's Jethro Tull, com formação flutuante em apoio ao cantor e flautista. Há tempos a música deixou de ser a prioridade do agora empresário do ramo de alimentação e piscicultura, o que faz com que ele resolva tocar só de vez em quando.

Seja como for, o Jethro Tull completa 50 anos de sua criação, aidna que tenha sido, de certa forma, menosprezado pelo seu criador, agora um setentão recluso.

"This Was", que ganhou uma versão de luxo em seu cinquentenário, no fim de 2018, é um álbum aparentemente sombrio, com muito sarcasmo e ironia.

A versão do clássico "Cat's Squirrel", com um endiabrado Mick Abrahams na guitarra, é sublime, assim como o blues pesado e abrasador "My Sunday Feeling", que abre a obra.

"Some Day the Sun Won't Shine for You" é folk blues denso e irônico, enquanto "Beggar's Farm" e "It's Breaking Me Up" são blues rocks mais encorpados e interessantes.

O hit, no entanto, é a bela "Song From Jeffrey", que seria tocada ao vivo por anos – era uma homenagem ao amigo Jeffrey Hammond-Hammond, que tocou baixo com a banda entre 1971 e 1975, substituindo Glenn Cornick (1947-2014).

O blues foi a base para o Jethro Tull atingir o sucesso, mas a banda que lançaria nos dois anos seguintes "Stand Up" e "Benefit" já era bem diferente, assim como o seu som, que foi moldado por um ambicioso e obcecado ian Anderson. O resultado foi uma das melhores bandas de todos os tempos.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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