Topo

McCartney reúne boas ideias em novo CD, mas patina ao buscar a inovação

Combate Rock

12/09/2018 06h52

Marcelo Moreira

Transformar a própria morte em obra de arte ou revisitar os clássicos do blues às vésperas dos 80 anos de idade?

Restam cada vez menos alternativas aos astros do classic rock que ainda pretendem se manter relevantes em um mundo onde o consumo de música mudou – e onde esta se tornou descartável, gratuita e desvalorizada.

Se David Bowie surpreendeu ao lançar "Blackstar" um dia depois de sua morte – um trabalho de alta qualidade -, os Rolling Stones optaram por se divertir ao gravar um CD com clássicos do blues em "Blue & Lonesome", com um resultado bacana.

E como Paul McCartney poderia inovar em um mercado engessado e pouco interessado em grandes novidades? "Egypt Station", seu novo álbum recém-lançado, passeia por diversos lugares e busca novos horizontes, mas sempre preservando o formato canção.

Se não foi feliz no trabalho com um todo, ao menos mostrou-se um artista inquieto e inteligente, sempre em busca de algo diferente, mesmo que não seja uma grande inovação ou invenção.

No ano passado Mick Jagger lançou um single solo com duas canções surpreendentes, repletas de sons eletrônicos e com um conceito de modernidade que pretende uma intersecção entre gêneros musicais, como ele tentou fazer, sem muito sucesso, com o supergrupo Superheavy. Os resultados do single foram altamente positivos.

McCartney pareceu inspirado pelo antigo amigo e eterno concorrente. Aposta na ousadia na maioria das músicas e acerta quase sempre, ainda que o álbum não seja surpreendente.

"New", de 2013, o último CD com inéditas, era um trabalho voltado para a canção e baseado em guitarras, por mais que sonoridades mais modernas tenham sido acrescidas. No entanto, ali a questão era um pouco mais complicada, já que o trabalho carecia de inspiração, pois nada ali se tornou memorável.

"Egypt Station" pretende ser mais ousado e, em certa medida, consegue. São 16 canções estruturadas como se representassem uma viagem nostálgica de trem, sendo que cada uma das músicas seria uma estação.

Se não é um conceito, como estamos acostumados na música pop, pelo menos é um fio condutor que mostra um autor ainda relevante e ávido por encontrar a batida e a melodia perfeitas.

Na procura por sonoridades mais modernas e ideias diferentes, buscou a ajuda de quatro produtores, algo raro em sua carreira. Mark Ronson, Ethan Johns, Ryan Tedder, Paul Epworth e Giles Martin, cada qual sua maneira, incorporou tecnologia e ideias novas para dar a McCartney ferramentas para se comunicar com seu amplo espectro de fãs.

Os três singles lançados antes mostram a diversidade procurada pelo músico. "Fuh You", "Come on To Me" e "I Don't Know" atiram para vários lados e mostram muitas virtudes – a principal delas é que McCartney deixou de lado a obsessão de gravar e lançar canções memoráveis.

Assim sendo, supostamente o ex-beatle se mostra mais "livre" para experimentar e testar outras opções na produção. "Come on to Me" é uma dessas hipóteses, já que pouco se parece com uma legítima canção de de Paul McCartney.

O experimentalismo, no entanto, cobra o seu preço ao enveredar por caminhos estranhos e alheios ao próprio cancioneiro. É o caso da única faixa produzida por Ryan Tedder, do grupo de indie pop OneRepublic. Alia uma psicodelia moderna com uma sonoridade pop mais robusta, com batidas eletrônicas diferentes.

"Hand in Hand" e "Happy With You" são um retorno à canção, com um pouco de minimalismo e arranjos bem mais simples de violão e piano.

Paul McCartney em São Paulo (FOTO: DIVULGAÇÃO/MROSSI/T4F)

Já "Back in Brazil", uma singela homenagem ao nosso país, abusa um pouco do experimentalismo ao tentar misturar pop rock, samba e ritmos latinos permeados por arranjos eletrônicos não tão intrusivos. Simpática e alta astral, é um dos pontos interessantes do novo CD.

"Despite Repeated Warnings" tem tons épicos e remetem aos grandes momentos dos Wings nos anos 70. Não tem os excessos de "Live and Let Die" mas usa o recurso de "suítes", o que foi uma grande sacada, em ao estilo "Band on the Run" e "Silly Love Songs".

Com mais acertos dos que derrapadas, Paul McCartney continua relevante, só que mais relaxado, sem se autoimpor a necessidade de criar canções perfeitas e memoráveis – que claramente as 16 músicas não são.

Faltou inspiração novamente? Não, até certo ponto. Na ânsia de ser ousado e inovador, McCartney produziu um punhado de boas canções que certamente irão agradar ao vasto público. É louvável que continue tentando e mantendo a boa qualidade de suas canções. Mas será que é o suficiente?

Em se tratando de Paul McCartney, talvez não, mas é bom saber que um dos grandes heróis do rock persiste na busca pelas canções boas e certeiras, ainda que não sejam memoráveis. No meio do caminho entre Rolling Stones e David Bowie, o ex-beatle mostra inteligência e boas ideias em um mundo que já não é mais o seu.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

McCartney reúne boas ideias em novo CD, mas patina ao buscar a inovação - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Mais Posts