Sucesso da volta do Shaman evidencia um mercado dominado pelo saudosismo
Combate Rock
28/08/2018 07h00
Marcelo Moreira
O retorno quase triunfal do Shaman para cinco shows no final deste ano expõe as mazelas do meio roqueiro nacional e permite dois tipos de leitura, uma positiva e outra negativa.
O lado bom pode ser observado pela força de uma marca fortíssima dentro do rock nacional, evidenciando algo que ficou incompleto com a dissolução do grupo em sua formação original, em 2006. Por tabela, revela também a importância que o nome Angra tem no mercado – afinal, três dos quatro integrantes eram do Angra.
Pelo lado negativo, como tudo o que se refere a Angra e Shaman vira ouro, isso acaba por sufocar as novas bandas que insistem em trilhar o caminho do show business em um momento em que a indústria do entretenimento está em frangalhos.
Parece que foi no século passado, mas faz menos de 20 anos que tudo virou de ponta-cabeça no mundo da música.
A pulverização de informações, a destruição do mercado e a mudança drástica na forma de ouvir música e de se relacionar com ela obrigaram os músicos que querem fazer rock, e rock mais pesado, a reavaliar as suas expectativas e planos futuros.
Talvez isso explique a verdadeira adoração de toda uma geração que hoje está com 40 anos de idade por bandas que simbolizaram o período áureo do heavy metal brasileiro – finalzinho dos anos 80 até meados de 2003.
Ao esgotar seguidamente as cargas de ingressos, Sepultura, Viper, Shaman e Angra – e aqui entram os derivados, como a turnê atual de Edu Falaschi e os shows da banda solo de Ricardo Cofessori -, o público brasileiro evidencia a sua carência em relação a uma era de ouro e em relação a grandes medalhões que conseguiam atingir o coração da galera.
E isso também pode ser estendido ao rock nacional, já que as últimas verdadeiras bandas que mexeram com o público de forma inexorável foram Charlie Brown Jr e Los Hermanos, que não existem mais, mas são as mais recentes daquilo que se convencionou chamar de rock Brasil dos anos 80.
Não está errado quem credita essa idolatria, no caso de Angra e derivados, a um certo saudosismo que, de certa forma, contamina mesmo quem nem era nascido quando Angra era uma potência mundial ou o Shaman era a banda que mais vendia ingressos para shows no Brasil no rock pesado no começo do século.
Em doses menores, o fenômeno atingiu o Golpe de Estado em sua turnê de comemoração dos 30 anos de fundação, mas a febre logo deu uma arrefecida.
O que vemos hoje, com algumas exceções dentro do rock alternativo/indie, é uma dificuldade muito grande para bandas autorais conseguirem emplacar músicas e enfileirar uma série de shows consecutivos.
Bandas em ascensão no rock pesado brasileiro, como o Project46, que gravou seu mais recente álbum nos Estados Unidos, tem agendado no máximo cinco shows por mês, em épocas boas, como disse em entrevista ao Combate Rock o vocalista Caio McBeserra.
Bandas legais e que estão com trabalhos novos praça, como Carro Bomba, Baranga, CaSch, Tomada e muitas outras conseguem atrair um público razoável quando juntam em fazem um minifestival de um dia. Nos shows avulsos, são prolíferas as lamentações a respeito de um público aquém do esperado.
São dois os efeitos colaterais desse estado de coisas: o fim precoce de bandas e a proliferação de festivais de rock de final de semana por todo o Brasil.
No primeiro caso, o cansaço de brigar em um mercado sem nenhuma perspectiva derruba veteranos cascudos e mesmo ídolos de gerações, como nos casos de Matanza, Metalmorphose, Hibria, Kamboja e o fundamental Patrulha do Espaço, mantido a duras penas pelo baterista Rolando Castelo Júnior, que anunciou o fim da banda recentemente.
No caso dos festivais, ou minifestivais, o que vemos é o surgimento de pequenos eventos com dez ou mais bandas como maneira de otimizar recursos e divulgar os trabalhos de bandas autorais.
A questão é que não tem vaga para todo mundo, e mesmo assim a coisa não está fácil, tanto é que o Roça'n'Roll, um dos três festivais de rock e rock pesado mais importantes do Brasil, não ocorreu este ano e seu organizador, o músico e produtor Bruno Maia, da banda Tuatha de Danann, já avisou que a parada é por tempo indeterminado.
Não se trata de condenar as empreitadas bem-sucedidas do Angra, do Shaman e de seus derivados. Ainda bem que estão conseguindo vender bastante ingressos e que mantêm a chama acesa, atraindo um público mais velho e também a molecada, que vai em peso aos shows do Viper e de Edu Falaschi.
Só que a pergunta fica no ar: até quando isso vai durar? Até quando o nome Angra vai sustentar vendas grandes de ingressos pelo Brasil afora? Será que a cena roqueira de São Paulo e do Brasil vai se sustentar no saudosismo de uma era em que o rock era relevante e tinha mercado?
É bom que, ao menos, os medalhões ainda despertem a atenção de um público acomodado – ou extremamente exigente, você escolhe – ás vésperas da terceira década deste século.
No entanto, devemos ficar atentos ao vácuo que existe atrás dos veteranos que ainda vendem tonelada de ingressos. Será que teremos a sorte de contar com Sepultura, Angra, Shaman, Korzus, Krisiun e mais duas ou três nos próximos enquanto nos recuperamos da terra arrasada que domina o resto? Será que Sepultura e Angra, que têm 30 anos de carreira, terão paciência e estofo para chegar aos 40?
O sucesso até certo ponto inesperado do retorno do Shaman evidencia a distância que o mercado impôs a quem se dispõe a fazer rock pesado autoral. Por onde começar a virar o jogo?
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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