Sem Marcelo Gross, Cachorro Grande rompe com o passado e mira a modernidade
Combate Rock
03/05/2018 06h43
Marcelo Moreira
O lugar era meio estranho para um show de rock, com sua aura hippie e decoração inspirada na cultura indiana. Mas estranheza era o que menos preocupava o guitarrista e cantor Marcelo Gross, que também era integrante do Cachorro Grande, naquele espaço cultural de São José do Rio Preto.
Apesar de ser outono, era uma noite fria de sexta-feira perdida em 2015 e o artista estava com sua banda para divulgar o seu primeiro CD solo e riu quando alguém, após o show, o comparou a Izzy Stradlin, o guitarrista outsider do Guns N'Roses que abandonou o barco em 1992.
"O chapéu e a pose enganam. Outsider? Talvez, mas o que realmente me fascina é a guitarra e tocar o som que eu quero e que mais me dá prazer", respondeu de forma pretensiosa. Seria, de certa premonição?
O fato é que, três anos depois, Gross foi demitido do Cachorro Grande, da qual era fundador. O anúncio foi feito pela banda nesta quarta-feira (2) e o substituto temporário já foi divulgado: Gustavo X, músico e profissional de bastidores conhecido no mercado paulista.
Já não é de hoje que se comenta entre os músicos que mora em São Paulo o desconforto de Gross com a banda e vice-versa. Inicialmente, a questão seria o rumo mais pop, experimental e eletrônico que o Cachorro Grande assumiu. Por essa versão, Gross seria um músico mais purista e aferrado ao estilo de rock nacional calcado no som sessentista que tanto adora.
Outra versão, que circulou há algum tempo pela internet, dava conta de que os problemas seriam mais complexos, envolvendo aspectos aspectos criativos e profissionais.
O fato é que o vocalista Beto Bruno, em entrevista exclusiva ao jornal "Folha de S. Paulo", confirmou parte dos "boatos" afirmando que há tempos Gross estava distante da banda, e que havia algumas divergências a respeito dos rumos do Cachorro Grande, em especial em relação aos dois últimos álbuns – "Costa do Marfim" (2014) e "Electromod" (2017).
De certa forma, Bruno foi contraditório ao dizer que Gross tinha de sair, que era inevitável, mas que a banda sentiria demais a sua saída, "já que ele é com um irmão para mim". Resignado, na mesma reportagem o guitarrista lamenta pela decisão, mas mantém o desejo de, no futuro, voltar a tocar com os colegas da banda.
Aparentemente, a Cachorro Grande perde um instrumentista que imprimiu de tal forma seu DNA no som que uma mudança radical se tornará inevitável – não que isso seja ruim e, de certa forma, talvez seja exatamente o que o grupo quer.
Se o som estava diferente ultimamente e apontava para experimentalismos cada vez mais profundos, a guitarra de Gross nos fazia lembrar sempre do som clássico e orgânico que a Cachorro Grande fazia questão de manter, seja no estúdio ou ao vivo.
Mais ainda: era a guitarra de Gross que dava peso ao vivo, transformando o grupo em um combo rock'n'roll clássico e básico, com timbres datados, mas cativantes, com os dois pés enraizados nos anos 60.
Sem o guitarrista fundador, a Cachorro Grande perde de vez a inocência e a aura de banda anárquica de garagem, e escancara definitivamente as portas para novos sons e novas possibilidades, por mais arriscado que isso seja. Riscos, no entanto, são o que menos preocupam Beto Bruno e o resto da galera.
Já Marcelo Gross terá a chance de reforçar a aura de "guitar hero" e cair de cabeça ainda mais no rock dos anos 60 e 70, enchendo sua guitarra de groove e de uma sonoridade que remete ao blues rock e ao hard de gente como Black Crowes, Allman Brothers e Joe Bonamassa. Será que todos sairão ganhando?
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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