Topo

A guitarra é maior do que a ditadura do preconceito e do ressentimento

Combate Rock

12/03/2018 17h00

Marcelo Moreira

FOTO: DIVULGAÇÃO

A guitarra incomoda bastante. Incomodou muita gente e ainda incomoda e incomoda muito mais. Essa é a única explicação para o tom de "comemoração" com que "especialistas" e "intelectuais" por aí abordam a queda grande nas vendas de instrumentos musicais, principalmente nas de guitarras e baixos.

Indícios e sinais são vomitados como se tais perpetradores das teses tivessem descoberto a roda ou a pólvora. Escrevendo com satisfação, narram o que consideram uma "libertação" dos jovens da atualidade, que não precisariam mais de guitarras ou outros instrumentos para compor e garantir a diversão própria e de milhares de pessoas.

O mais novo aventureiro nesta seara é o competente jornalista Ruy Castro, radicado no Rio de Janeiro e que escreve para a Folha de S. Paulo.

Viúvo da bossa nova e saudosista do tempo em que o violonista João Gilberto era um artista relevante e ainda compunha, Castro destilou todo o seu ressentimento no artigo que escreveu nesta segunda-feira, 12 de março.

Falando em suposta "ditadura musical", não conseguiu esconder o sarcasmo e a satisfação ao narrar as dificuldades financeiras que as três maiores fabricantes de guitarras do nundo estão sofrendo – Gibson, Fender e PRS.

Com um provável sorriso de canto de boca, exalta o fato de que os jovens hoje só precisam de um computador para fazer música, libertando-se da tal ditadura da guitarra. Castro só recobra o equilíbrio ao criticar o contínuo frequente desprezo pela educação musical. "Nunca fomos tão analfabetos musicalmente."

Bons jornalistas e bons articulistas não acertam sempre. No caso de alguém estrelado, como Ruy Castro, quando erra, erra tremenda e fantasticamente.

Seu ressentimento contra o rock e as guitarras o impedem de admitir que a guitarra é o símbolo da maior revolução na cultura popular ocorrida no século XX.

A ascensão do rock'n'roll como força propulsora de mudanças culturais, educacionais, comportamentais e sociais foi tamanha que ainda hoje é arriscado tentar "medir" o tamanho de tais alterações, embora seja muito fácil perceber o impacto que causou.

Ao contrário da influência que a televisão teve em relação ao cinema e ao rádio, a guitarra e o baixo não erodiram os mercados tradicionais de instrumentos, como pianos, violino e de sopro.

A música erudita e o jazz não foram afetados com ascensão da guitarra com a fuga de interessados, como parece estar ocorrendo agora em 2018 com o rock e outros gêneros com predominância da guitarra.

Bradar contra a suposta ditadura musical da guitarra e se deliciar com o seu suposto ocaso lembra a ridícula marcha contra os instrumentos elétricos em 1965, em São Paulo, liderado por Elis Regina e outros músicos brasileiros puristas. Mal sabiam eles que a guitarra se tornaria indissociável da MPB nas décadas seguintes.

Mais ainda, é o mesmo que reclamar dos computadores que soterraram e inutilizaram as máquinas de escrever.

O rock movido a guitarras não só foi a grande revolução cultural e comportamental do século XX como dominou a preferência do público por mais de 50 anos – e não só no Ocidente, mas em todo o mundo.

Responsável direta por impulsionar surtos contínuos de criatividade e inovação dentro da música desde os anos 1940, a guitarra se tornou um ícone poderoso e símbolo máximo do poder transformador da música popular, além de ser a trilha sonora da juventude por mais de meio século.

A ditadura musical da guitarra e do rock, se é que existiu, com certeza foi mais benéfica do que as ditaduras do ressentimento, do preconceito e da intolerância.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

A guitarra é maior do que a ditadura do preconceito e do ressentimento - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Mais Posts