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Em obra ousada e arriscada, Angra acerta em cheio com 'OMNI'

Combate Rock

17/02/2018 07h00

Marcelo Moreira

Em 1996, Angra e Sepultura estavam no auge da criatividade e popularidade e disputavam de forma renhida a "liderança" do metal nacional com os extraordinários álbuns "Roots" (Sepultura) e "Holy Land" (Angra).

Vinte e dois anos depois, as duas bandas, até de forma improvável, recuperam o protagonismo do rock nacional com novos trabalhos de qualidade muito alta.

Em janeiro de 2017, o Sepultura lançou "Machine Messiah", em todas as listas de melhores do ano; sem que tenha sido a intenção, o Angra finalmente coloca agora no mercado "OMNI", que tem chances enormes de superar o trabalho dos eternos concorrentes – e amigos.

"Foi um período extraordinário em todos os sentidos a elaboração do novo álbum. Ainda que tenhamos tido as mudanças variadas, creio que consolidamos aquela que chamo de terceira fase Angra. Se com o André Matos nos vocais foi a tese e com o Edu Falaschi, a antítese, agora temos a síntese com o Fabio Lione nos vocais", afirmou o guitarrista Rafael Bittencourt, hoje o único membro fundador da banda.

Assim como "Rebirth", o álbum de 2000, foi um verdadeiro renascimento do Angra, "OMNI" é um novo recomeço – algo em que o grupo se especializou por conta das diversas "novidades" que o acometem.

O disco anterior, "Secret Garden", de 2015, já apontava alguns caminhos, mas ainda não conseguia escapar da pecha de "transitório", já que o clima ainda era, de certa forma, de indefinição – com a saída do cantor Edu Falaschi, em 2012, a banda ficou mais de dois anos repensando a carreira e sua trajetória até optar por "testar" Fabio Lione, italiano da banda Rhapsody.

Mesmo que "Secret Garden" tenha surpreendido por sua qualidade alta e por canções bem acabadas e diretas, tinha um clima de "vamos ver o que acontece". Era menos homogêneo do que costumavam ser os álbuns da banda e trazia quase metade das canções cantadas por Bittencourt, uma novidade (positiva) e tanto.

"OMNI" tinha a missão de estabilizar as coisas, apesar de conter novas propostas sonoras e temáticas. Desde o conceito até a concepção sonora, o álbum demonstrava que seria um grande passo para o Angra, em termos de ousadia e audácia.

No evento de audição à imprensa do álbum, no Café Piu Piu, em São Paulo, Bittencourt minimizou o impacto da saída de Kiko Loureiro no novo CD, o guitarrista fundador que foi para o Megadeth no começo do processo de transição entre "Secret Garden" e "OMNI".

"Kiko sempre foi parte fundamental da banda, ajudou a manter tudo de pé por 27 anos. Sempre será da família, sempre será uma inspiração. Em 'OMNI', há elementos que remetem a ele, mas foi um processo orgânico e coeso. Já havia um conceito e a colaboração de todos na atual formação foi total", disse o guitarrista.

Diante dos obstáculos surgidos neste segundo recomeço, os integrantes do Angra fizeram o que melhor sabem fazer nestas circunstâncias: se reinventaram.

Se cada fase da banda tem suas qualidades e peculiaridades, a atual tem uma vantagem: a experiência de 27 anos de existência para cometer aquele é provavelmente um dos três melhores álbuns do grupo, ao lado de "Holy Land" (1996) e "Temple of Shadows" (2004).

Muitos fãs não esconderam o estranhamento de ouvir a voz de Lione – de técnica apuradíssima, mas de viés operístico – em "Secret Garden".

Dois anos depois de turnês e um processo longo, mas muito proveitoso, de composição e produção, o estranhamento parece ter sumido ou, ao menos, amenizado.

Tanto Lione como os demais integrantes estão muito entrosados e mais adaptados  um ao outro. As músicas novas certamente mais "encaixadas" na voz do italiano, que demonstra muito mais conforto para cantar o metal progressivo do Angra sem escorregar em alguns tiques de sua outra banda, a sinfônica Rhapsody.

Por ser um álbum conceitual, não é algo fácil destacar isoladamente uma música, mas o primeiro single, "Travelers in Time", é excelente, rápida e pesada, onde Lione dá um show de interpretação.

"War Horms" também é pesada, mas tem uma intensidade diferente, onde o baixo de Felipe Andreoli dá as cartas e funciona quase como uma guitarra, enquanto os guitarristas Marcelo Barbosa e Rafael Bittencourt duelam de forma insistente e intrincada – isso para nãao falar dos solos de Kiko Loureiro, em participação especial.

"Black Widow's Web" é a surpresa e a novidade com o entrelaçamento de três vozes distintas e peculiares. Mergulhando fundo no conceito da história, a cantora Sandy (da extinta dupla Sandy e Júnior), abre a faixa com sua voz delicada, que vai encarar duelos com a potência de Lione e a agressividade de Alissa White-Gluz (Arch Enemy).

Óbvio que os radicais de plantão se encarregaram de criar uma campanha de ódio por conta da participação de Sandy, que é amiga do pessoal da banda – é cunhada de Lucas Lima, da Família Lima, que também toca na banda solo de Rafael Bittencourt.

O resultado ficou muito bom, onde a sensibilidade do produtor sueco Jens Bogren foi fundamental para que houvesse um equilíbrio vocal perfeito para que o conceito se sobressaísse.

"Insania" mostra uma variedade de ritmos e arranjos, explicitando toda a gama de influências que o quinteto reúne, enquanto que "Magic Mirror", mais densa e intensa, tem um trabalho de guitarras admirável, estabelecendo um clima totalmente "cinematográfico".

"The Bottom Of My Soul" destoa um pouco do roteiro geral, o que não é ruim. É uma quebra de sequência por ser uma balada emotiva e que ressalta a sensibilidade da interpretação vocal de Rafael Bittencourt. "Caveman" resgata o momento mais para cima da obra, com pitadas de música brasileira, com partes cantadas em português.

Sobre o conceito em si da obra, é mais uma história originada da mente inquieta e curiosa de Bittencourt, um aficionado por histórias fantásticas e de ficção científica.

Na verdade, são pequenas histórias de ficção científica entrelaçadas que ocorrem em diversas épocas do tempo de maneira simultânea.

De acordo com Bittencourt, o ponto principal da trama é a ideia de que a percepção e a cognição humanas serão alteradas por uma inteligência artificial no ano de 2046, mudando assim a forma como vemos e nos relacionamos com o mundo e possibilitando que as pessoas transitem por diferentes momentos temporais.

Dessa maneira, "OMNI" (que em latim significa "tudo") conecta as histórias e ideias apresentadas em "Holy Land" (1996), "Rebirth" (2001) e "Temple of Shadows" (2004).

O Angra, assim como o Sepultura do século XXI, nunca teve medo de correr riscos, e nunca teve motivos para se arrepender de tal escolha. O ótimo "OMNI" é a maior prova do acerto estético e conceitual de uma das melhores bandas de heavy metal do mundo da atualidade.

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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