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'Their Satanic', o 'fracasso' dos Rolling Stones, ganha edição de 50 anos

Combate Rock

06/10/2017 06h51

Marcelo Moreira

O lançamento de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", dos Beatles, salvou a carreira dos Rolling Stones. A turma de Mick Jagger sabe disso, mas jamais vai admitir.

Foi graças ao fracasso da tentativa de imitação da maior obra do rock que os Stones caíram na real e decidiram voltar a fazer o que sabiam melhor do que os outros – e melhor do que os próprios Beatles: blues rock com a pegada mais incisiva e poderosa que já existiu.

"Their Satanic Majesties Request" foi lançado em dezembro de 1967, seis meses após a obra-prima dos Beatles. O ano de 1967 foi fantástico em termos de lançamentos – Beatles, Doors, Who, Cream, Moody Blues, Pink Floyd e muitos outros – e o Stones ainda estavam em período "sabático forçado", já que emendaram férias com problemas policiais e jurídicos, que atrasaram todas a programação e cancelaram shows.

Cinquenta anos depois do lançamento daquele que talvez seja o maior fracasso comercial da banda, uma versão de luxo, com bônus, chega ao mercado para tentar fazer jus ao termo "álbum incompreendido cheio de pérolas escondidas.

A versão de 2017 é um CD duplo, mas sem grandes novidades. O primeiro CD traz as dez músicas remasterizadas em stereo, em um trabalho excelente feito pelo veterano engenheiro de som Teri Landi. O segundo disco são as mesmas dez músicas remasterizadas, mas em mono. O resultado é bastante curioso.

Muitos consideram "Their Satanic" como uma obra excêntrica e desconectada da realidade roqueira da época. Ok, há excentricidades, como a faixa "In a Another Land", a única dos Rolling Stones cantada pelo baixista Bill Wyman, autor único da composição. O efeito de voz inserido é esquisito, no intuito de deixar a música com um clima tétrico, mas o resultado ficou aquém do esperado.

A obra pode ser excêntrica, mas não desconectada, ainda que não tenha dado muito certo. Fascinados com o resultado de "Sgt. Peppers", os Stones não se importaram em passar recibo e decidiram que iriam gravar o seu próprio "Sgt. Peppers" assim que o álbum dos Beatles chegou às lojas.

Vale lembrar que no começo daquele ano a banda tinha colocado nas lojas "Between the Buttons", o quinto álbum de estúdio do grupo (de acordo com a discografia inglesa).

Na realidade, foi o primeiro a ter o conceito de álbum desde o início de sua elaboração, já que os anteriores eram praticamente um ajuntamento de singles e gravações esparsas não utilizadas ("Aftermath", o quarto e anterior a este, teve algum planejamento).

"Between the Buttons", hoje, é considerado de alta qualidade e um precursor do que os Stones viriam a fazer nos anos 70: faixas autorais mais intimistas, com letras mais sofisticadas e arranjos mais bem elaborados, com menos blues.

A edição inglesa, original, cometeu o pecado de não ter nenhum hit. Há coisas excelentes, como "Yesterday's Papers", "Connection", "Miss Amanda Jones" e "My Obsession", mas que passaram despercebidas na época.

Os americanos foram mais espertos e fizeram enxertos, trocando duas faixas pelos grandes hits "Let's Spend the Night Together" e "Ruby Tuesday", que foram lançadas em singles na Inglaterra. Uma grande picaretagem, mas que ajudou a vender um pouco mais.

Com os resultados mornos deste álbum do início do ano, e os diversos problemas enfrentados naquele ano, os Stones tiveram alguns alívios.

Nas vésperas de serem inocentados pela Justiça pela posse drogas e outras acusações, Mick Jagger e Keith Richards participaram de uma sessão de gravações de "Sgt. Pepper's" e ficaram atordoados com o material que os amigos John Lennon e Paul McCartney lhes mostraram. Mais tarde, naquela noite, os dos stones foram convidados para a audição mais acurada do álbum na casa de um amigo dos Beatles e a coisa foi mais impactante ainda.

Decididos a retomar o rumo da banda e do sucesso, Jagger e Richards convenceram o restante da banda a mergulhar na psicodelia e no experimentalismo. Desconfiados, Bill Wyman e Charlie Watts aceitaram de forma relutante. Já Brian Jones pareceu interessado no começo.

Sem qualquer planejamento, foram para o estúdio e mergulharam fundo na psicodelia e nas invencionices. Caótico, desconjuntado e sem foco, o álbum fracassou nas paradas e foi duramente criticado.

Ficou claro que era uma tentativa de copiar o álbum dos Beatles, mas sem imaginação e com canções menos inspiradas. Como álbum não deu liga mas, isoladas, algumas canções são muito interessantes.

A melhor de todas é "2000 Lights Years From Home", totalmente lisérgica e progressiva, com uma das melhores interpretações de Jagger e guitarras hipnóticas de Richards e Jones, além de uma competente gama de arranjos e experiências sonoras.

"Citadel" é uma ode à psicodelia, com guitarras distorcidas, pesadas e climáticas. "2000 Man" é a mais "normal" do disco, um rock cru e direto, também, com guitarras pesadas nos refrões – virou hit 20 anos depois na gravação de Ace Frehley, do Kiss, com a banda tocando-a em várias ocasiões.

"She's a Rainbow", no entanto, virou o cartão de visitas do álbum, com uma caprichada produção e a arranjos que ficaram a cargo de um jovem gênio dos estúdios britânicos, um moleque de 21 anos que estava "trocando de nome" – deixava de ser o nerd John Baldwin para se tornar o requisitado músico de estúdio John Paul Jones, futuro baixista do Led Zeppelin.

Com uma orquestração imponente e arranjos de cordas de bom gosto, a canção é suntuosa e consegue empurrar a banda para um nível mais alto de performance.

E temos também "Sing This All Together", que aparece em duas versões, uma abrindo o álbum, mais enxuta, e a que encerra o então lado A, com o subtítulo "See What Happens", com seus longos oito minutos e meio recheado de colagens sonoras e arranjos dispersos. Aqui fica mais do que evidente a tentativa de emular o que os Beatles fizeram com sucesso na mágica "A Day in the Life".

Cinquenta anos depois fica mais fácil encontrar e valorizar as qualidades do álbum, que não são poucas, por mais que o resultado não tenha sido bom à época.

Os próprios Stones declararam anos depois que "Their Satanic Majesties Request" foi um grande erro na carreira, mas que foi necessário para recolocar a banda nos trilhos, de volta ao blues e ao rock visceral, sem se preocupar em ombrear os rivais. Foi a principal decisão que eles tomaram em sua carreira.

 

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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