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A liberdade individual e a luta por direitos, os grandes legados do 'Verão do Amor'

Combate Rock

05/07/2017 06h33

Marcelo Moreira

Jimi Hendrix incendeia sua guitarra no festival de Monterey, em 1967 (FOTO: REPRODUÇÃOD E TV/DVD)

De capital mundial hippie à meca do individualismo e da sede por desenvolvimento tecnológico. Certamente não era isso o que esperavam aqueles malucões e politizados do verão do amor para a sua amada San Francisco.

Musicalmente foram vários os eventos que mudaram a música em 1967, mas foi o mundo hippie psicodélico que definitivamente afrontou a sociedade ocidental conservadora e estabeleceu um novo mundo por meio do comportamento livre e descompromissado.

Embalado por música de qualidade questionável e, de certa forma, conectada a qualquer coisa – salvara-me, claro, os doidos ousados do Grateful Dead -, o verão do amor surgido na Califórnia ganhou ares de nova era e espalhou pelo mundo a filosofia de que tudo era possível e de que todos os sonhos se transformariam em realidade desde que houvesse paz e amor.

Se era inegável que o rock e a cultura pop estavam em franca expansão e que eram os motores para mudanças profundas na sociedade ocidental, aquele verão californiano era a prova maior de nada mais seria igual, para o bem ou para o mal.

Durante um mês, San Francisco e outras cidades californianas viveram um momento mágico de contestação, de celebração e profundo sentimento fraterno. As pessoas realmente achavam que dava mesmo para o mudar tudo – de certa forma, estavam certos, mas não pelos motivos em que acreditavam.

Foi um choque, é claro. Houve reações diversas ao comportamento livre e desobrigado de convenções sociais. O conservadorismo ficou alarmado, tentou-se algum tipo de repressão e retaliação, por um breve espaço tempo quase todos acreditavam que a transformação era possível.

Os festivais de música eram a linha de frente para empurrar a tal transformação, principalmente o seminal Festival de Monterey, e então os jovens acharam que poderiam ditar novas regras e moldar a realidade de acordo com seus desejos fraternos e pacifistas.

Jovens marcham nas ruas de San Francisco em 1967 (FOTO: divulgação/acervo/Getty Images)

Pena que a realidade insistiu em estragar os sonhos da maior parte dessa galera, em especial a terrível e criminosa Guerra do Vietnã, que mantinha o seu moedor de carne em ação sugando a vida de mais de 53 mil soldados norte-americanos em quase dez anos de conflito, para não falar na morte de mais de 1 milhão de vietnamitas.

John Lennon disse que o sonho tinha acabado em uma entrevista em 1971. Ele não foi preciso, já que o sonho, na verdade, tinha acabado mesmo no inverno daquele mesmo ano de 1967, quando o grosso dos "manifestantes" e "soldados da paz" do verão de 1967 tinham retornado para a segurança de seus lares burgueses de classe média e classe operária nos Estados Unidos.

San Francisco foi esvaziada, e os hippies locais fizeram de tudo para esticar o sonho até onde deu, até que os Rolling Stones resolvessem acabar com tudo de uma vez com o fracasso do show de Altamont, na Califórnia, em dezembro de 1969 – o assassinato de um jovem negro de 19 anos perto do palco pelos Hell's Angels, que faziam a segurança do show, acabou à força com a "era de Aquário".

Tanto há 50 anos como agora uma parcela expressa das pessoas despreza e pisoteia o movimento hippie, rindo de sua ingenuidade e de seus ideais "infantis". Ainda que possam acertar pontualmente aqui e ali, tais manifestações só exacerbam a pobreza de espírito de quem nem de longe entendeu o que aconteceu.

Esqueça por um momento o tal do amor livre, do sexo sem amarras e desenfreado, do pacifismo pueril e descolado da realidade e das toneladas e hectolitros de drogas vendidas e consumidas.

Por uma das contradições mais estranhas do nosso tempo, o verão do amor de 1967 foi uma luta incansável pela liberdade justamente no mundo ocidental que se gabou sempre de preservar a "liberdade" em todos os sentidos.

Se o mundo conservador se apavorou com os aparentes ideais esquerdistas e anarquistas dos hippies de San Francisco, observou depois que a questão, no fundo, era uma reivindicação de mais liberdade e mais autonomia – sobre os corpos, sobre as vidas, sobre o futuro.

Os Merry Pranksters e seu onibus (FOTO: divulgação/acervo/Getty Images)

Esse foi o maior legado, e a maior vitória, do verão do amor de 1967. Não é exagero dizer que a busca pela liberdade pessoal, que, em tese, desembocou em um individualismo necessário, tem ligação direta com o surgimento do empreendedorismo e da explosão criativa das empresas de tecnologia que transformaram o Vale do Silício em centro mundial de excelência.

Certamente devemos agradecer imensamente aos perpetradores do verão do amor por um legado fundamental: a redefinição da liberdade pessoal, da liberdade de escolha, e da maneira de como as pessoas passaram a exigir direitos que hoje nos parecem básicos e necessários.

E se a música californiana hippie e derivados não era lá essas coisas, pelo menos possibilitaram a realização do estupendo Festival de Monterey, o evento musical que estabeleceu, 50 anos atrás, a forma como ouvimos rock e música boa no mundo de hoje.

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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