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Política estraga amizades, e também acaba com bandas de rock

Combate Rock

03/04/2017 07h00

Marcelo Moreira

Banda Buisc já sem o guitarrista Hard Alexandre; grupo faz audições para escolher novo guitarrista (FOTO: DIVULGAÇÃO)

As tensões políticas dos últimos dois anos chegaram bem rápido ao mundo da música e do rock, mas ninguém imaginava que provocaria rachas inconciliáveis a ponto de provocar a saída de membros de bandas e, em última análise, causar o fim de algumas (embora isso ainda não tenha ocorrido).

A saída do guitarrista Hard Alexandre da banda Busic, no mês passado, expôs um dilema que certamente muitos artistas estão vivendo no conturbado 2017 brasileiro: existe limite para as opiniões políticas dentro de uma banda? Até que ponto as falas e textos de um integrante podem afetar a imagem da "instituição".

Alexandre anunciou via redes sociais que estava deixando a Busic por questões políticas, sem entrar em detalhes, mas afirmava que tinha sido vítima de censura.

Andria Busic, baixista e vocalista da banda, lamentou a decisão do músico e afirmou que não se tratou de censura.

"Ele tem posições políticas fortes e bem definidas, é direito dele. No entanto, sua postura nas redes sociais e discussões políticas é agressiva, praticamente não admite opiniões contrárias. Briga muito com outras pessoas por isso. Nem com o Dr. Sin e nem com a Busic falamos de política, religião e futebol e explicamos isso a ele, já que a postura que mantinha podia nos prejudicar. Mas ele não entendeu o nosso ponto de vista", afirmou.

O tema é explosivo e foi abordado na edição de fevereiro da revista Rolling Stone Brasil, que trouxe o Capital Inicial na capa. O texto que mostra o atual momento da banda expõe uma certa "divergência" política entre o esquerdista Dinho Ouro Preto e o restante da banda.

Capital Inicial contornou a situação

O baixista Flávio Lemos, na entrevista à revista, deixou claro que discorda de muitas posições e posturas políticas do vocalista e que tem a preocupação de que tais opiniões "grudem" de tal forma na banda, estendendo-as aos outros integrantes. Será que Dinho ignora um suposto acordo tácito para evitar os temas políticos?

No Ultraje a Rigor, os guitarristas Roger Rocha Moreira e Marcos Kleine capitaneiam os discursos públicos anti-esquerda e violentamente críticos contra o PT e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Houve quem dissesse que os outros integrantes ficavam um pouco incomodados com isso, mas o Combate Rock não conseguiu confirmar a informação.

A implosão dos Garotos Podres

Entretanto, antes mesmo da profunda radicalização política que atingiu o Brasil a partir de junho de 2013, uma banda brasileira simplesmente acabou por questões políticas.

Como revelaram com exclusividade o blog e o programa de web rádio Combate Rock, os Garotos Podres, ícones punks do Brasil e referência de rock politizado e de protesto, esfarelou em 2011 devido a brigas por questões político-ideológicas.

Segundo o vocalista José "Mao" Rodrigues, por mais de 20 anos ocorreram discussões acaloradas por conta das divergências entre os integrantes.

"Eu escrevia as letras e é natural que o grupo ficasse marcado pela mensagem que eu passava, já que fui sempre um ativista de esquerda e pró-direitos humanos. Eu sabia que havia integrantes que não gostavam disso mas, irônica e hipocritamente, a coisa estava cômoda e assim foi por mais de 20 anos, ainda que ocorressem discussões e brigas. Mas era óbvio que em algum momento a coisa complicaria, e foi o que aconteceu", disse Mao em 2013 ao Combate Rock.

Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos: Mao é o de jaleco branco (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Os Garotos Podres acabaram e Mao partiu para o seu projeto O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos. Já os ex-parceiros tentaram recriar os Garotos Podres meses depois, o que provocou uma disputa judicial pelo nome.

Professor universitário de história e uma das vozes mais politicamente ativas da música nacional, Mao conta que a separação era inevitável e que libertou os dois lados.

"Agora não preciso mais ficar pensando dez vezes antes de escrever uma letra e depois ter a chatice de tentar convencer os companheiros a permitirem que toquemos e lancemos a música. E eles, por sua vez, agora podem à vontade fazer elogios aos militares e a policiais como adoram fazer, e podem tocar músicas com posições políticas 'bizarras"', declara ironicamente Mao. "Só vai ser muito estranho eles continuarem tocando hinos de protesto de esquerda, como 'Papai Noel Velho Batuta', sendo que estão em outro 'espectro' político…"

Dead Kennedys e Rage Against the Machine

O fim dos Garotos Podres como conhecemos seguiu de forma muito semelhante a implosão dos Dead Kennedys, seminal banda punk californiana.

Nesta banda, assim como na brasileira, o ponto central era a postura política e o ativismo do vocalista e líder, Jello Biafra – assim como Mao, um intelectual de esquerda e professor universitário por um tempo, tendo se especializado em história da América Latina, com mestrado em história do Paraguai.

O engajamento político do vocalista era tanto que ele concorreu por duas vezes a prefeito de San Francisco (com chances praticamente nulas de ganhar), fato que teria irritado muito os outros integrantes.

As tensões internas foram tão fortes que resultaram no fim da banda em 1986 – antigos integrantes reativaram o grupo sem Biafra anos depois, o que, obviamente, rendeu uma disputa judicial.

Será que o Rage Against the Machine, dos Estados Unidos, passou por problema semelhante? Quando a banda terminou, em 2000, o vocalista Zack de la Rocha afirmou que estava saindo da banda porque "era o necessário a fazer, já que os integrantes não estavam mais conseguindo tomar decisões em conjunto.

"Já não funcionamos mais como um grupo e, eu acredito que esta situação está destruindo os nossos ideais políticos e artísticos", afirmou Rocha em declaração publicada pela revista norte-americana Rolling Stone.

Dead Kennedys (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Notícias de bastidores dão conta de que Rocha e o guitarrista Tom Morello não divergiam ideologicamente, mas sim pela maneira de como exercer o ativismo político de forma que este não suplantasse a arte – ou seja, pedia a valorização da música em detrimento dos atos políticos. Os músicos se reconciliaram em 2007 para algumas turnês nos anos seguintes.

A solução então é fazer como os irmãos Busic, que se abstém de falar de política, dentro da banda e nas letras?

"A solução é respeitar sempre a opinião do outro. Se a convivência por conta de opiniões e posturas é impossível, então por que se juntaram? Como foi possível a convivência por algum tempo? Sem respeito e tolerância não existe amizade, não existe diálogo e não existe rock", diz o professor universitário de Ciências Sociais Renato Costa, baixista e ex-integrante de duas bandas de rock em São paulo e Curitiba, das quais saiu por "divergências políticas".

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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