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'Crônicas autobiográficas' de Rita Lee agradam, mas carecem de profundidade

Combate Rock

07/12/2016 07h00

Marcelo Moreira

Ela queria ser desde sempre um espírito livre, ainda que paparicado, com uma retaguarda forte e uma irresponsabilidade infantil que permeou os seus 70 anos de idade.

Rita Lee viveu uma vida de almanaque, e foi como um almanaque que ela decidiu contar  sua vida em livro, ainda que a prosa seja errática e a memória, um pouco enevoada.

"Rita Lee – Uma Autobiografia" chegou às livrarias prometendo e ganhando muitos elogios, mas infelizmente entregou pouco diante de tanta expectativa.

De autobiografia mesmo não há muito. A cantora foi inventiva ao trocar capítulos por tópicos, como se fossem pequenas crônicas. A saída foi interessante, tornou a leitura mais leve, só que não conseguiu encobrir o conteúdo de menos que a obra oferece – ou deixou de oferecer.

A Globo Livros, a editora, ao que parece, decidiu dar total liberdade para ela – afinal, já tinha escrito livros infantis e é uma das artistas mais articuladas da cultura brasileira. Se essa foi uma decisão editorial, não deu muito certo.

Rita Lee brinca bastante, faz piada de quase tudo e até mesmo exagera na autodepreciação – não foram poucas as vezes em que afirmou que era uma cantora e musicista apenas mediana.

Da mesma forma que relativiza sua capacidade, mesmo reconhecendo seus muitos méritos artísticos, não economiza veneno ao falar de desafetos e ex-companheiros de banda – e aqui os defeitos da obra ficam mais evidentes.

As mágoas cinquentenárias dos Mutantes estão latentes ainda. Rita pega pesado e não é nada lisonjeira em relação aos irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista, seus ex-companheiros de Mutantes, a quem chama sempre de "ozmano", de forma pejorativa.

Ela prefere zombar dos dois e acaba por deixar de lado passos importantes da formação da banda – que, ainda que eu a considere a mais superestimada da história da música brasileira, tem relevância inegável no contexto histórico.

Quando resolveu estruturar o livro como se fosse uma "crônica autobiográfica", com lembranças atiradas em pílulas, a autora deixou passar coisas importantes, como a própria formação dos Mutantes. Mais do que isso: pouco falou dos discos gravados pela banda.

A preferência pelas histórias engraçadas e pelas crônicas mundanas de um dia a dia às vezes diferente, mas não muito, acabou por discriminar os aspectos artísticos, deixado-os meio de lado para privilegiar "causos" engraçados e passagens grotescas.

Talvez esse recurso tenha sido adotado para atenuar qualquer impacto a respeito das partes mais pesadas, como os abusos com drogas, as pisadas de bola com a família – que adquire uma importância crucial ao longo da obra – e as dificuldades de relacionamento profissional ao longo de mais de 50 anos de carreira.

Mesmo com a prosa leve e com as piadas, Rita também não alivia a sua própria barra: vai fundo na autocrítica e conta em detalhes algumas das vaciladas que cometeu – com agradecimentos pungentes ao companheiro Roberto de Carvalho, parceiro e marido há 40 anos, ao filho, Beto Lee, que cuidou dela por algum tempo quando era adolescente, e as "madrinhas" Balú e Carú, que praticamente ajudaram a criá-la e a criar as irmãs Mary e Virgínia.

Exceto pelas opiniões nada lisonjeiras em relação a algumas personalidades, o livro não traz novidades. Como crônica de uma vida artística atribulada, o livro de Rita é um almanaque bem bacana, mas não vai muito além disso. Para uma autobiografia de uma das artistas mais importantes da música brasileira, faltou um pouco mais de estofo e direcionamento.

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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