Heavy metal e o mal: o fardo injusto que o gênero ainda carrega
Combate Rock
21/11/2016 07h02
Marcelo Moreira
Até que ponto ser associado ao mal e às situações complicadas é um marketing positivo para o rock? "A situação está punk" já entrou para o anedotário nacional, e virou sinônimo de situação tensa até por conta da veia de protesto que o gênero musical sempre carregou.
Entretanto, o termo "heavy metal", usado fora do contexto musical, ainda tem um significado ruim, sempre relacionado a coisas más.
Há poucos dias, um apresentador da emissora por assinatura GloboNews, da Rede Globo, conversava em um programa noturno com o jornalista Ariel Palácios, correspondente da empresa para a América Latina e baseado em Buenos Aires, na Argentina.
O assunto era a situação política gravíssima na Venezuela e um suposto plano de golpe de Estado patrocinado por empresários e partidos de direta contra o governo esquerdista do presidente Nicolás Maduro.
Sabe-se lá o motivo, o suposto plano teria recebido o nome de "Côndor Rock and Roll". Ao final da conversa, Palácios faz alusão ao plano e ao seu nome, e o apresentador do horário noturno arremata: "A coisa tá mais para heavy metal do que para rock and roll".
Os roqueiros sempre gostaram de uma fama de mau desde sempre, seja com James Dean, ator morto nos anos 50, seja com os pioneiros do rock se envolvendo com problemas com a lei, passando pelo "rockers" ingleses que "agrediam" os bonzinhos mods (moderninhos, em tradução bem livre), até chegar aos cabeludos que gostavam de rock pauleira e aos metaleiros que se vestiam de preto nos anos 70 e 80.
A fama de mau até fazia sentido para um grupo segregado e discriminado – nos anos 80, famílias e polícia tratavam roqueiros, fossem punks ou fãs de metal, como desordeiros, bandidos e desajustados.
Assumir essa postura não só era uma forma de defesa e de agregação: era necessário para que a cultura underground se mantivesse viva, ainda que tretas e brigas frequentes entre gangues de punks e headbangers não ajudassem muito.
Trinta anos depois, eis que as coisas mudam bastante, mas a imagem permanece, e de forma bastante anacrônica e dissociada da realidade. Basta observar ao longo dos anos, desde os anos 90, como se comportam os apreciadores de rock pesado em todos os vários festivais e shows de grandes lendas, como Black Sabbath, AC/DC, Iron Maiden e muitos outros.
A associação do heavy metal à violência e situações de extremo perigo ou tensão, mesmo que em certo desuso, ainda aparece por aí, na boca de gente desinformada e desavisada, como no caso do abilolado apresentador da GloboNews.
Discriminatória e preconceituosa, a associação vai pelo mesmo caminho que as expressões absurdas e inacreditáveis, como "preto de alma branca" e coisas parecidas – felizmente cada vez mais fora de moda.
A fama de mau pode ser engraçadinha e causar certa excitação em adolescentes descobrindo o rock e o metal, sempre loucos para integrar grupos e serem aceitos como membros, mas institucionalmente é uma coisa tola em pleno século XXI.
Em certos meios, o uso da metonímia (figura de linguagem que costuma sempre pegar a parte pelo todo, e que no caso presente, podemos dizer que pega um punhado de encrenqueiros para generaliza) faz parte daquilo que se costuma justificar: "ah, é só modo de dizer".
Não, não é só isso. É uma cultura enraizada que ainda resiste, ainda que atualmente esteja acanhada e suscite vergonha em quem o diz inadvertidamente.
Persiste a visão medieval de que roqueiros são do mal, maléficos, bandidos e subumanos, pechas que foram pregadas nas testas de Elvis Presley, John Lennon, Ozzy Osbourne, Lemmy Kilminster, Joe Strummer, Johnny Rotten, Joey Ramones e quase todos os nomes importantes do rock.
Até que ponto nós, que gostamos de rock, somos culpados por este rótulo continuar existindo e fazendo com que uma parte da população, mesmo a parte supostamente bem informada, insista em associar o heavy metal a situações de extremo perigo, ruins e negativas?
Difícil responder. Mas uma coisa é certa: se a desinformação a esse respeito ainda sobrevive neste quesito, o que dizer então a respeito de circunstâncias mais graves, como racismo e preconceitos generalizados nas questões de liberdade sexual, por exemplo?
Diante disso, faz sentido então que o então colunista da TV Globo Arnaldo Jabor, ex-cineasta, tenha destilado todo o veneno ao comentar a morte do guitarrista Dimebag Darell, ex-Pantera, em pleno palco em dezembro de 2004.
Desinformado e preconceituoso, associou o assassinato ao "clima de violência que sempre acompanhou o meio", fazendo piada até com o apelido do músico ("dimebag", que pode ser traduzido, em alguns lugares dos Estados Unidos, como trouxinha de maconha"). Nem se deu ao trabalho de observar que foi um caso isolado envolvendo um esquizofrênico, que foi o autor do assassinato.
Se um colunista de um telejornal da maior emissora do país – e uma das maiores do mundo -, cometeu tais equívocos por conta de preconceitos arraigados, não dá para esperar muita coisa a respeito da ainda deturpada visão que predomina em alguns grupos populacionais do Brasil.
Para encerrar, apenas uma constatação: se a situação na Venezuela estivesse heavy metal, o país estaria em situação muito, mas muito melhor do que se encontra hoje, infelizmente.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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