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Glenn Hughes salvou, há 30 anos, o Black Sabbath do fim

Combate Rock

01/11/2016 06h36

Marcelo Moreira

Tony Iommi, o eteno guitarrista do Black Sabbath, queria gravar um álbum solo com vários vocalistas amigos – gente como Robert Plant (ex-Led Zeppelin), Ian Gillan (então de volta ao Deep Purple) e Rob Halford (Judas Priest). A gravadora não queria, e resistia às tentativas do guitarrista e boicotava as formações que ele reunia para gravar.

E eis então que surge das trevas Glenn Hughes (ex-Deep Purple), que estava havia dez anos em uma carreira solo errática e sem futuro, completamente afundado nas drogas e no álcool.

Amigos havia algum tempo, Iommi e Hughes eram da mesma região, no entorno de Birmingham, na Inglaterra, mas nunca foram próximos, apesar da amizade entre os membros do Sabbath e do Purple. E foi Hughes quem deu a liga para que o Black Sabbath não morresse, em 1986, ano de lançamento do subestimado álbum "Seventh Star". Sem o carisma e o talento do cantor, é provável que o Sabbath não tivesse resistido à época.

Trinta anos atrás, o grupo que praticamente inventou o heavy metal correu o seu maior risco de encerrar as atividades, ainda que, eventualmente, pudesse retomar as atividades no futuro.

Ao contrário do conterrâneo Deep Purple, que anunciou oficialmente o seu fim em 1976 – para voltar com a formação clássica em 1984 -, o Black Sabbath nunca interrompeu as atividades em 48 anos de carreira, ainda que com várias formações e alguns hiatos.

Glenn Hughes não lembra com muito afeto a sua passagem pela banda. "Não era para ser Black Sabbath, e nem Tony queria isso. Não éramos próximos nos anos 70, mas ele me convidou para ensaiar e ver no que dava, em 1984 ou 1985. Ele tinha tentado outros dois caras, mas não de certo. Sabe-se lá como,  nos entendemos e encaminhamos um projeto, que deveria ser um álbum solo. Não fiquei feliz com a imposição de o álbum levar o nome da banda."

O baixista e vocalista reconhece que não estava nos melhores dias de sua carreira, embora os trabalhos no estúdio para as gravações de "Seventh Star" tenham sido relativamente tranquilos.

"O problema foi a turnê norte-americana. eu ainda estava em uma vida de excessos e minhas performances estava longe de seres as melhores. Aí tive uma briga com um dos executivos da turnê e foi demitido após o quarto show, creio que em março de 1986", relatou Hughes em uma conversa com jornalistas em São Paulo, após o Monsters of Rock de 1998.

Sem rumo

Para muitos críticos, o Black Sabbath deveria ter acabado com a saída de Ian Gillan, no primeiro semestre de 1984. A banda tinha demitido Ozzy Osbourne em 1979, e tinha acertado ao contratar Ronnie James Dio (ex-Rainbow e Elf) logo em seguida. Um novo auge surgiu entre 1980 e 1983, com o lançamento dos álbuns "Heaven and Hell" e "Mob Rules".

Durou pouco. Durante as mixagens do ao vivo "Live Evil", Dio se desentendeu no começo de 1983 com Iommi e com o baixista Geezer Butler e saui do grupo, levando o baterista Vinnie Appice.

Pouco tempo depois, durante uma bebedeira em um pub em Birmingham, Iommi e Ian Gillan, a voz do Deep Purple, amigos de longa data, desafiaram-se, na brincadeira, sobre a entrada do cantor no Black Sabbath. Gillan não levou muito a sério. Só que, na versão galhofeira de Iommi, o porre terminou pela manhã com o amigo tendo aceitado o desafio e assinado um contrato.

Black Sabbath na turnê de 1983/1984: da esq. para a dir., Geezer Butler (baixo), Bev Bevan (bateria), Tony Iommi (guitarra) e Gillan (FOTO: DIVULGAÇÃO)

"Foi um período bem legal e gostoso, adoro Tony e Geezer. Eu tinha terminado minha banda solo e me recuperava de uma cirurgia nas cordas vocais. Depois que aceitei [o Black Sabbath], comecei a achar que ficaria estranho, mas ainda assim fui em frente. Eu me diverti muito, mas percebi que eu estava fora do meu mundo. Eram as músicas deles, a banda deles", disse Gillan também em entrevista no Brasil em 2004.

O cantor gravou o álbum "Born Again", o mAis detestado da discografia do Black Sabbath, mas também cult, e um dos mais apreciados, sobretudo no Brasil.

A turnê norte-americana foi seguida por uma europeia, que terminou em 1984 com o adeus de Gillan. "Em janeiro daquele ano começaram as negociações para o retorno da formação clássica do Deep Purple, a mark II. Aquilo era sério, e em nenhum momento escondi isso de Tony. Era inevitável que, se houvesse a volta, eu estaria nela. Tony sabia e já esperava. O deep Purple voltou no segundo semestre daquele ano."

De novo sem vocalista, o Black Sabbath praticamente ruiu: desencantado, o baixista Geezer Butler também saiu, enquanto que o baterista Bev Bevan, da ELO (Electric Light Orchestra), amigo de juventude dos dois, dava adeus para retornar a sua banda de origem.

Sozinho e sem futuro

A ideia era que o Black Sabbath continuasse, o Natal de 1984 foi reservado por Iommi para busca de um vocalista antes de formar nova banda. Foram vários os boatos de que o americano Ron Keel teria sido um dos testados – ele não desmentiu por um tempo, mas admitiu mais tarde que foi apenas "sondado".

Na realidade, apenas dois músicos chegaram a ir ao estúdio com Iommi. O americano Jeff Fenholt (ex-Rondinelli e Joshua) foi bastante recomendado, e gravou algumas demos, que surgiriam em um álbum pirata mais tarde chamado "Star of India". Curiosamente, nem ele nem Iommi souberam dizer o que não certo.

Outro americano testado foi Dave Donato, no começo do ano seguinte. Desconhecido, também chegou por indicação, mas desde o começo Iommi viu que não era o profissional que procurava.

As coisas só começaram a encaixar quando o guitarrista do Black Sabbath decidiu que, por hora, congelaria a banda e se concentraria em um eventual primeiro álbum solo. Queria que cada faixa fosse gravada por vocalistas de peso, de preferência amigos.

Foram vários os convidados, e quase todos aceitaram, só que o fizeram antes de analisarem suas agendas e de lerem seus contratos com as gravadoras. Gillan e Halford aceitaram, Plant ficou de dar uma resposta, e o empresário disse que iria tentar falar com Bruce Dickinson (Iron Maiden). No fim, apenas o então "desempregado" Glenn Hughes apareceu no estúdio, após rápido trabalho com Gary Moore no álbum "Run For Cover".

Ajuda inestimável

"Glenn foi importante para que o projeto engatasse. Com alguém de sua importância engajado, de seu nível, ainda que passasse por problemas, tive mais ânimo e força para continuar. A banda era boa, e as músicas me agradaram bastante – eram bem diferentes do que eu fazia com o Black Sabbath. Pena que a gravadora insistiu para que o álbum solo fosse lançado como se fosse do Black Sabbath, mas mesmo assim Glenn foi em frente comigo", disse o guitarrista à revista Classic Rock quando do lançamento do álbum "Fused", em 2005 – em parceria com Hughes, 20 anos depois do primeiro encontro profissional entre os dois.

"Seventh Star" é um ponto fora da curva da carreira do Black Sabbath, apesar de também ter virado cult, como "Born Again".  Glenn Hughes fez um trabalho satisfatório, mas a produção deixou muito a desejar.

Black Sabbath cantando música de amor? Pois é, tem isso em "No Stranger to Love", que ganhou um clipe com a atriz Denise Crosby (Star Trek – New Generation). Tem música esotérica? Tome a faixa-título. Tem blues tradicional? Sim, a maravilhosa "Heart Like a Wheel", em uma estupenda interpretação de Hughes. E tem metal? Tem, com a boa "In for the Kill".

Black Sabbath em 1986, da esq. para a dir.: Dave Spitz (baixo), Hughes, Iommi, Eric Singer (bateria) e Geoff Nicholls (teclados) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O álbum teve performance discreta nas paradas e listas de mais vendidos e a turnê foi uma tragédia, com Hughes cada vez mais problemático por conta das drogas e álcool.

Com o Hughes sendo retirado da turnê, Iommi teve de recorrer a mais uma indicação para substituir o amigo. O indicado foi o jovem desconhecido Ray Gillen, que surpreendeu a todos pela alta qualidade da voz e de sua performance, amenizando bastante os prejuízos e os problemas.

Entretanto, também era problemático por outros motivos. ao final da turnê, gravou todo o álbum seguinte, "Eternal Idol", mas deixou a banda intempestivamente antes do fim de 1986 para iniciar os trabalhos na nova banda do guitarrista Jake E. Lee (ex-Ozzy Osbourne), Badlands. E lá foi Iommi correr atrás de outro desconhecido, Tony Martin, que ficaria por dez anos na banda.

De qualquer forma, até mesmo Tony Iommi reconhece: Glenn Hughes salvou  o Black Sabbath do fim em 1986.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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