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O fim do Deep Purple há 40 anos foi necessário e bom para todo mundo

Combate Rock

19/09/2016 07h01

Marcelo Moreira

A quarta formação do Deep Purple (mark IV), que implodiu em 1976, após um show em Liverpool, na Inglaterra (FOTO: DIVULGAÇÃO)

As cenas foram bem feias. Houve muita discussão, xingamentos, desprezo e a certeza de que era o último show. Por alguns minutos, alguém tentou encontrar resquícios de razão e, mais uma vez, controlar as coisas. Só que o ambiente era desolador, e o guitarrista, como fazia com frequência, tinha sumido. Para o cantor, era o fim.

A melancólica cena ocorreu em 15 de março de 1976, em Liverpool, na Inglaterra. Desiludido, o vocalista David Coverdale, do Deep Purple, decretou na conversa com o tecladista Jon Lord: "Não havia mais clima para continuar com o Deep Purple". Lord retrucou: não havia mais um Deep Purple para continuar.

E assim, de forma lamentável, o Deep Purple esfarelava e acabava 40 anos atrás. Um dos pilares da santa trindade do rock pesado dos anos 70 – ao lado de Led Zeppelin e Black Sabbath -, o quinteto inglês deixava de existir após oito anos conturbados de uma carreira brilhante.

Os problemas foram tantos, especialmente desde 1973, que praticamente tornara m inviável qualquer retorno, o que só ocorreria oito anos depois, e de forma não menso turbulenta.

O fim do Deep Purple acabou se tornando, de certa forma, um "case" dentro do rock por conta da quantidade e da gravidade dos problemas. Muita coisa deu muito certo para o grupo, mas tudo o que poderia dar errado, deu.

Clima sempre turbulento

Formado em 1968 pelo guitarrista Ritchie Blackmore, pelo tecladista Jon Lord e pelo baterista Ian Paice, já veteranos da cena londrina e com experiência de terem tocado na Alemanha, o Deep Purple parecia fadado ao fracasso ao apostar em um rock psicodélico com um acento blueseiro.

Foram três álbuns entre 1968 e 1969 recheados de versões de clássicos de outros artistas, como "Help", dos Beatles, e "Hey Joe", de Joe South, imortalizada por Jimi Hendrix. Só que não virou, ao menos não jeito que queriam – o segundo álbum, "The Book of Taliesyn", é muito bom, mas não empolgou em uma cena inglesa lotada de bandas boas e coalhada de artistas novos surgindo a todo momento.

Blackmore detectou dois problemas: a falta de engajamento do vocalista Rod Evans e do baixista Nick Simper e o predomínio dos teclados de Jon Lord (maestro formado, e de formação erudita), que imprimia o clima psicodélico que já estava se exaurindo nos Estados Unidos e na Inglaterra.

O guitarrista implantou mudanças radicais: demitiu vocalista e baixista e jogou o som da guitarra lá para cima e para a frente, observando a tendência que adotavam Hendrix, The Who, Cream e os então novatos do Led Zeppelin.

As dispensas de Evans e Simper não foram capítulos bonitos da história da banda – nunca são, em qualquer grupo -, e houve lavação de roupa suja. Já a conversa com Lord foi mais amena.

Segunda formação do Deep Purple (mark II), considerada a clássica: em pé, da esq. para a dir, Ritchie Blackmore (guitarra), Roger Glover (baixo) e Ian Paice (bateria; sentados: Ian Gillan (esq.) e Jon Lord (teclados) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Rock pesado

Com o som pesado e as entradas de Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo) ainda em 1969, ambos do Episode Six, o Deep Purple decolou, atingindo o estrelato com álbuns excelentes, como "In Rock", "Fireball" e a obra-prima "Machine Head".

Com o estrelato, problemas antigos retornaram e novos apareceram. Finalmente passaram a ganhar algum dinheiro, os excessos de droga e bebidas eram mais do que frequentes, e as discussões se tornaram a regra dentro da banda, para desgosto de Blackmore, que sempre se comportou como o chefão, para irritação profunda do irascível e bélico Gillan, sempre disposto a discutir e discordar.

O clima ficou insustentável, pois as discussões se tornaram brigas. Gillan se enfureceu e acabou deixando a banda em 1973, que estava no auge artístico. Pouco tempo depois, Glover também sairia após várias discussões com o guitarrista.

Os substitutos escolhidos foram um acerto e um erro. Um acerto porque eram dois jovens músicos muito promissores – o baixista e vocalista Glenn Hughes tinha prestígio porque era a peça principal do Trapeze, quinteto que depois virou trio; o vocalista David Coverdale, desconhecido e balconista de loja, era um talento inexplorado e que explodiu onos primeiros ensaios da banda.

No entanto, a escolha foi um erro, embora não se pudesse prever, porque a entrada dos dois foram diretamente responsáveis pela implosão do Deep Purple três anos depois.

Erros e acertos

O primeiro álbum da nova formação, "Burn", de 1974, é a maior prova do acerto. Era uma banda diferente, com uma pegada mais roqueira, mas ainda pesada. O rock com elementos blueseiros ganhou um novo colorido, com estruturas melódicas variadas e nova abordagem nos solos.

No entanto, a maior mudança veio mesmo nos arranjos e nas composições, com Hughes e Coverdale impondo uma nova maneira de criar: as músicas agora tinham mais groove, mais suingue, e aproveitavam tudo o que as vozes privilegiadas dos dois novatos poderiam oferecer. O som da banda se expandiu, e Lord e Paice gostaram disso.

Blackmore topou experimentar, mas depois decidiu que não era aquilo que pretendia, e ficava cada vez mais desgosto com as influências de soul e rhythm & blues que a dupla novata inseria no som e nas novas composições. Segundo o guitarrista, até mesmo a "sagrada" "Smoke on the Water" tinha sido contaminada.

Desafiado e sem forças – e apoio – para redirecionar o som, Blackmore anunciou no começo de 1975 que sairia da banda que tinha fundado sete anos antes. Foi um choque, mas que foi sendo absorvido com surpreendente sobriedade até maio.

O nome Deep Purple ainda era muito forte, e os álbuns "Burn" e "Stormbringer" mantiveram o pique em termos de vendas e credibilidade, mas já havia um certo incômodo por parte dos fãs com as mudanças sonoras e a saída de um dos mestres da guitarra de todos os tempos.

Sem Blackmore para tentar reverter a "expansão", e vendo a inércia de Lord e Paice, Hughes e Coverdale caíram de cabeça na condução da banda – e nas drogas. E a chegada do ótimo guitarrista norte-americano Tommy Bolin, ex-James Gang e Zephyr, só agravou uma série de problemas.

Bolin não ficou impressionado com o convite do Purple. Teve de ser convencido a entrar, mas impôs condições, como ter tempo para manter a carreira solo, entre outras.

O som mudou ainda mais. Bolin tinha os requisitos para embarcar na viagem soul/black/funk e incrementou, de uma outra forma, a sonoridade roqueira do grupo. A liberdade era tanta que não  pensou duas vezes em mudar alguns solos, ao vivo, de clássicos da banda.

Implosão

O novo gás, no entanto, logo começou a acabar, já que Bolin era um junkie ainda mais junkie do que o então junkie Hughes. Juntos, mergulharam nas drogas, no álcool e em todo o tipo de balada.

"Come Taste the Band", o único álbum da formação, foi incompreendido na época, apesar de ser excelente. Ainda havia fagulhas criativas, apesar dos problemas que Bolin criava no estúdio e de suas ausências.

Talvez seja o disco menos rock do Deep Purple, mas contém grandes momentos, como "Gettin' Tighter", "Lady Luck", "This Time Around" e "You Keep on Movin"'. É rock de qualidade impregnado de blues, soul e rhythm & blues.

Se no estúdio as coisas deram certo, apesar dos problemas, nos palcos tudo dava errado. Bolin era genial em alguns shows, e disperso e pouco comprometido me outros. Hughes começou a perceber o clima e, em algum momento, foi aos poucos largando, para desespero de Coverdale e a indiferença de Lord e Paice.

Em dezembro de 1975, praticamente não existia mais Deep Purple, por mais que Coverdale se esforçasse para esticar a vida útil da marca, em meio a constantes brigas entre todos.

Claro que o fim da banda foi sentido e lamentado em 1976, mas o esfarelamento não causou um impacto de um terremoto, talvez porque fosse, de certa forma, esperado – e necessário, como disse certa vez, em uma entrevista no Brasil, Glenn Hughes.

"Os excessos e inúmeros problemas que tínhamos cobraram rápido o seu preço. Éramos jovens, inexperientes e loucos para aproveitar tudo o que a vida nos proporcionava a mil por hora. Não poderia dar certo por muito tempo. E não deu. O fim do Deep Purple foi a melhor coisa que aconteceu para todos. Pena que Tommy não percebeu a tempo", disse o baixista, referindo-se à morte do guitarrista oito meses depois do fim da banda, vítima de overdose de cocaína.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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