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Há 25 anos morria Bill Graham, o maior empresário do rock

Combate Rock

19/08/2016 06h58

Marcelo Moreira

Meticuloso, mercurial, obsessivo, atemorizante. O empresário Bill Graham era tudo isso, mas ainda assim reconhecido como um dos grandes homens do show business musical e capaz de inesperados gestos de generosidade e gratidão.

"Trabalhar com ele não era fácil, mas era o melhor. Sabíamos que teríamos o melhor em termos administrativos e de organização", declarou certa vez o guitarrista Brian Robertson, da The Band.

Temido, mas também muito requisitado, Graham foi o maior empresário do rock, seja organizando shows, turnês ou mesmo gerenciando artistas. Criou os Fillmores – West, em San Francisco, e East, em Nova York, casas que viraram referência para shows de pequeno e médio portes nos Estados Unidos entre 1965 e 1971.

Há 25 anos, Graham desaparecia de cena aos 60 anos de idade em um acidente de helicóptero em uma noite chuvosa, em San Francisco, logo após um show de Huey Lewis and the News. Na queda do aparelho, que se chocou contra uma torre de alta de tensão, morreram também a sua mulher na época, Melissa Gold, e o amigo e colaborador Steve Kahn, que pilotava a aeronave.

Empreendedor com grande tino comercial, demorou, no entanto, para engrenar na carreira, que abraçou quase ao acaso. Nascido em Berlim, na Alemanha como Wolodia Grajonca (na escola adotou o germanizado nome de Wolfgang), em 1931, era o último de seis filhos – tinha cinco irmãs – de uma família judia de origem russa e polonesa.

Perdeu o pai muito cedo, vítima de problemas de saúde causado por excesso de trabalho. A mãe e as duas irmãs mais velhas fizeram o que puderam por sua educação e das outras irmãs, mas o nazismo interrompeu qualquer plano.

Rita, a mais velha, tomou a decisão de fugir para Xangai, na China, onde casou com um compatriota. Ester, a segunda, deu suporte para a mãe e ajudou Evelyn e Sonja a fugirem para a Suíça e para a Hungria – as duas sobreviveriam à guerra morando em Budapest e, depois, em Viena, na Áustria.

Foi Ester e a mãe que colocaram Wolodia e a irmã Tanya, ambos crianças, em um trem de refugiados judeus que partiu da Alemanha para a França em 1940, enquanto ficavam para trás. Os meninos foram separados quando foram encaminhados para portos franceses diferentes.

Wolodia embarcou para os Estados Unidos com a bênção de uma organização de apoio a refugiados e desembarcou em Nova York. Tanya foi dada como desaparecida até que, bem depois do final da guerra, teve a morte confirmada pela Cruz Vermelha em um campo de concentração – destino semelhante ao da mãe. Já Ester passou anos no tenebroso campo de Auschwitz, mas sobreviveu e foi libertada pelos russos em 1945.

Wolodia, que agora era definitivamente Wolfgang, passou dias em uma instituição para jovens até ser "adotado" por um tio-avô que morava havia anos nos Estados Unidos. Thomas e Pearl Ehrenreich o criaram como filho, e teve o apoio do irmão de criação Roy.

Pouco tempo depois, cansado das dificuldades das pessoas de pronunciarem corretamente "Wolfgang Grajonca", recorreu a uma lista telefônica para achar um nome mais condizente com a sua nova vida. Por semelhança fonética com o nome original, escolheu William Graham.

Apesar de muito inteligente e de falar quatro idiomas aos 15 anos de idade – francês, alemão, íidiche e inglês -, não se interessava pelos estudos. Quando pôde, começou a trabalhar por conta própria em uma série de trabalhos temporários, ms se viu mesmo entrando na área gastronômica, principalmente como chefe de cozinha e garçom – e fazia uma graninha tabém com apostas em dados e carteado.

Ao voltar do Exército – combateu na Guerra da Coreia, que durou de 1950 a 1953, mesmo sem a cidadania americana definitiva -, ficou perdido nos anos 50, ora trabalhando na área administrativa de empresas, ora como garçom. A virada definitiva se deu no começo dos anos 60, quando decidiu sair da adorada Nova York e tentar a sorte como ator em San Francisco, cidade onde morava a sua irmã Ester.

Aos 34 anos, pertencente a uma trupe de teatro integrada por esquerdistas radicais, percebeu que no cinema e no teatro não teria futuro. Passou então a organizar turnês de seu grupo de teatro pela Califórnia e de outras companhias. Logo estava envolvido em uma série de eventos, a maioria beneficente, e descobriu a sua vocação.

Amante de música latina, especialmente salsa, acabou entrando no mundo do rock por conta na incipiente cena psicodélica. Percebeu que era o único profissional – e sóbrio – em um grupo de doidões e proto-hippies. Seu rigor e disciplina na administração lhe valeram muitas inimizades, mas também grande reconhecimento pelo talento organizacional e de criar condições para que todos lucrassem.

Trabalhou com  todos os maiores nomes do blues, do rock e do jazz – de Jimi Hendrix e Janis Joplin a The Who e Rolling Stones, passando por Bob Dylan, The Band, Crosby, Stills, Nash & Young, Chuck Berry, entre outros.

Com o padrão Graham de qualidade, criou os shows dos Fillmores, da casa Winterland, em San Francisco, e vários outros circuitos. Foram seis anos de trabalho intenso, que lhe custaram um casamento e a distância do filho, David.

No auge do sucesso como empresário, parou com tudo quando se sentiu desprezado por uma banda, de quem esperava gratidão. Fechou os dois Fillmores e passou seis meses na Europa, passeando e visitando as irmãos Evelyn e Sonja, que moravam, respectivamente, em Genebra (Suíça) e Viena (Áustria).

Quando voltou a San Francisco, usou parte do dinheiro que ainda tinha para criar a Bill Graham Presents, e sua fama de ótimo empresário e promotor de shows na Costa Oeste dos Estados Unidos só cresceu. Um de seus primeiros clientes foi nada menos que o Led Zeppelin.

Ao longo dos anos a empresa só cresceu, em especial com a turnê dos Rolling Stones de 1981/1982, quando formou uma parceria elogiada por Mick Jagger e Keith Richards. O bom trabalho e a relação especial com os dois, no entanto, não foi o suficiente para que voltassem a trabalhar juntos na turnê de 1989/1990 da banda, fato que o magoou bastante.

À parte a competência e a genialidade para bolar estratégias de marketing e criar soluções criativas de logística dentro do mundo do rock, Bill Graham foi satanizado por esquerdistas de todo o país e por bandas de viés ideológico que nunca conseguiram trabalhar com ele. Foi chamado de o pior dos capitalistas, mesmo tendo trabalhado de graça em vários festivais beneficentes – ajudou em turnês da Anistia Internacional, em Woodstock e no Live Aid.

O empresário também não ajudou muito a dissipar essa impressão quando decidiu espalhar o seu lema desde os anos 60, nos Fillmores: "Ninguém entra de graça; todos pagam ingresso." Era o auge do que ele chamava de profissionalização e fim da cultura do desperdício, coisa que os artistas amaram e o agradecem até hoje por isso.

Muito do que a administração do show business é hoje pode ser atribuída a Bill Graham, com sua ética reta e sem desvios, com seu perfeccionismo insano, sua paranoia com a segurança e com o bem-estar do consumidor. Portanto, deve ser reverenciado como o principal empresário/promotor de shows da história do rock.

P.S.: No Brasil, a biografia em forma de depoimentos dele, de amigos, parentes e desafetos, de autoria do escritor Robert Greenfield, foi editada pela Barracuda Editora.

 

 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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