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Dr. Sin: elegância, competência e comprometimento até o fim

Combate Rock

22/03/2016 06h52

Marcelo Moreira

Dr. Sin ao final da apresentação no Carioca Club, em São Paulo (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK DR. SIN)

A sensação que predominou no Carioca Club, em São Paulo, no último sábado (20) era de "felicidade melancólica". Todo mundo sabia que assistiria a um grande evento e que faria parte da história, mas, no fundo, ninguém queria estar participando daquela "celebração". Afinal, era a penúltima apresentação da carreira do Dr. Sin.

Era o tipo de celebração que ninguém queria que houvesse um dia. Desde que a banda paulistana anunciou surpreendentemente o encerramento das atividades, em 2015, poucos meses depois de lançar o seu melhor CD, "Intactus", havia uma tênue esperança de que a decisão pudesse ser revertida. Ninguém queria que esse dia chegasse, e esse sentimento predominou na pista da casa de shows no triste sábado de março.

De qualquer forma, o que importava era a celebração, pura e simples, e participar de um momento importante do rock nacional, com casa abarrotada de fãs e um sentimento para lá de positivo. Não poderia haver fim mais eloquente e simbólico para um trio que manteve o alto nível da produção por 24 anos.

No palco, a banda assombrou pelo profissionalismo de sempre, mas com uma carga emocional difícil de suportar. O explosivo Ivan Busic espancava a bateria e transbordava energia, enquanto o contido Andria Busic mantinha o trem na linha com seu baixo gordo e pesado.

Compenetrado e concentrado, Edu Ardanuy relembrou os dias de "Edu Malmsteen" com sua guitarra endiabrada e um feeling absurdo. Ivan colocou a emoção para fora, mas com certeza foi Ardanuy quem mais demonstrou o que estava sentindonaquela noite derradeira, com solos carregados de adrenalina e força.

Não era para aquilo estar acontecendo, dizia um quarentão vestindo a camisa da turnê de "Intactus", com os olhos tristes, mas resignados.

Uma garota sardenta e de cabelos pretos, com ar de nerd, preferiu uma camisa preta de uma banda norueguesa de death metal, mas chorava com o desfile de hits. Sua amiga, de pele alva e bochechas rosadas, de cabelo bem curtinho, mostrava indginação. "Onde estava esse povo quando a banda precisou ao longo dos anos? Foi preciso acabar para que todos viessem velar o defunto?"

Essa era a grande pergunta que todos faziam na lotada pista: por quê? E justamente quando a banda atingia o auge criativo e a maturidade artística? Por que o apoio não veio quando tinha de vir?

Por mais que a emoção estivesse dominando a galera, o apoio sempre esteve presente – é só observar a lotação completa de quase todos os shows da turnê, até mesmo antes do anúncio do fim. Foi assim , por exemplo, no Vila Dionísio, em São José do Rio Preto (interior de São Paulo) no começo de 2015, em pleno domingo modorrento.

O que a maioria não queria admitir é que o trio amado e reverenciado por todos, e que tinha a fama de os "mais gente boa" da cena, amigos de todos os músicos e produtores, também poderia sofrer com problemas internos que assolam todas a bandas musicais, de todos os gêneros.

Enfim, a despedida em Capinas (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/ FACEBOOK DR SIN)

Discretos e avessos a polêmicas – exceto quando criticavam a falta de entusiasmo e de certo profissionalismo em geral do rock brasileiro, Ivan, Andria e Edu circulavam por todo o cenário musical, da MPB ao sertanejo, passado por todas as vertentes do rock.

Não é por outro motivo que os irmãos acompanharam a cantora Fafá de Belém em shows no réveillon de 2015 em Portugal, sem falar que Edu é uma figura carismática e presente em shows e CDs dos principais artistas de rock e blues do país.

Era difícil admitir que os amigões de todo mundo pudessem um dia romper o que estava intacto havia 24 anos, como bem anotou um importante guitarrista de rock de São Paulo.

O que o maravilhoso show de despedida e a aura de banda intacta escondiam ao longo dos anos era o desgaste natural de uma carreira vitoriosa, mas difícil e cheia de percalços, em um mercado que nunca foi amigável para o rock pesado – e que piorou muito no século XXI.

Não foram as dificuldades de mercado que selaram o destino do Dr. Sin – a turnê final bem-sucedida e a qualidade alta do último trabalho são prova disso.

Os 24 anos de relacionamento profissional baseado em uma irmandade com o mais elevado grau de respeito e amor fraterno resistiu o quanto pôde, mas não era imune ao ressentimento – parece que só o U2, no mundo, consegue atropelar esse tipo de sentimento, já que mantém a formação original há 40 anos.

Nos palcos a banda era inquebrável, mas os anos de batalha cobraram o seu preço, por mais que o trio tenha sido bem-sucedido. Edu Ardanuy nunca escondeu que tinha outras ambições, musicais e profissionais, além do Dr. Sin.

Por mais que os irmãos Busic apoiassem algumas iniciativas extra-Dr. Sin, eles não conseguiam deixar de se preocupar: até onde iria o comprometimento do guitar hero?

Como narrado no programa de web rádio Combate Rock (acesse ao final do texto), os irmãos foram percebendo que o envolvimento de Edu foi sofrendo uma erosão com o tempo, seja nas discussões a respeito do gerenciamento, seja na parte artística.

Dr. Sin na divulgação de 'Intactus' (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 

Em momentos mais complicados, Ivan e Andria se ressentiam quando o guitarrista justificava, durante alguma discussão, que "a banda era deles", coisa impensável para os fãs ou amigos mais próximos da banda.

As fissuras foram sendo relevadas e parcialmente contornadas, embora os problemas de comprometimento e comportamento ao longo dos anos foram se avolumando. As questões foram relevadas, mas não resolvidas.

Após horas e horas de conversa e entrevistas com informações nas entrelinhas, ficou claro que a melhor solução era aquela que ninguém queria, com a realização de um show que provavelmente ninguém queria ter ido.

A celebração dos dois últimos shows – o de Campinas, no dia 21 de março, um domingo de bom tempo, também foi excelente – conseguiu, de forma satisfatória, passar por cima, ao menos por algumas horas, pela dramática e melancólica sequência de eventos que encerraram uma das mais gloriosas páginas do rock brasileiro.

Sem polêmica, sem escândalo, sem brigas, o Dr. Sin deu uma aula de sobriedade e elegância na despedida. Caras adorados por fãs e músicos, deram um exemplo de civilidade no adeus – até nisso eles são exemplo. Quem os assistiu pela última vez teve um raro provilégio em tempos de desvalorização cultural e de falta de respeito generalizado.

Clique abaixo para ouvir a entrevista de Andria e Ivan Busic ao Combate Rock na semana passadaa falando sobre o fim da banda:

Os irmãos Busic (à dir. na foto) no Combate Rock (foto: Eliane Veronezzi)

ou

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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