Desde quando Erasmo Carlos pode ser considerado um artista de rock?
Combate Rock
26/12/2015 07h00
A mesma coisa, sempre, só que cada vez pior. Os shows de final de ano de Roberto Carlos para a TV Globo, os chamados "especiais do Rei", expõe os anacronismos e contradições de uma carreira empacada do cantor e de um formato embolorado de atração musical oferecido pela emissora.
O pior, no entanto, são as participações especiais, tão previsíveis quanto constrangedoras. E, lamentavelmente, um artista importante e relevante como Erasmo Carlos naufraga junto, todo ano, quando sobe ao palco com o amigo de outras eras. Pasteurizada e plastificada, a participação do tremendão em 2015 não conseguiu evitar a aura de certo "artificialismo".
Como certas coisas nunca mudam, infelizmente, julgamos oportuno republicar um texto do Combate Rock de 2011, e que continua bastante atual, em nossa opinião.
Erasmo Carlos (esq.) em uma de suas participações no especial de fim de ano de Roberto Carlos (FOTO: DIVULGAÇÃO/TV GLOBO)
Marcelo Moreira e Roberto Capisano Filho
A música brasileira anda em festa desde o ano passado com uma tonelada de efemérides que nos atormentam a todo momento. Vai desde os 70 anos de Roberto Carlos aos 15 anos das mortes de Chico Science e Renato Russo.
A efeméride da vez são os 70 anos de idade de Erasmo Carlos, o eterno comparsa de Roberto Carlos. Negar as importância do cantor na música e na cultura brasileira é brigar com os fatos, é tentar estuprar a notícia. Não se trata disso – aliás, parabéns pela longeva carreira. Ponto.
O que mais incomoda nas comemorações dos 70 anos de Erasmo Carlos é a constante associação do nome dele ao rock. Desde quando o que ele fez nos anos 60 – e principalmente nos anos 70 – era rock? No máximo um popzinho chocho e de qualidade bastante questionável.
Nem é o caso aqui de ficar dissecando tecnicamente o trabalho do cidadão, como alguns leitores deste Combate Rock "exigem" apenas para espezinhar. A questão é simples e básica: desde quando o que Erasmo Carlos fez em toda a sua carreira era rock?
Que a Jovem Guarda foi um movimento importante dentro da cultura brasileira não há dúvida. Mostrou que os jovens do começo dos anos 60 no Brasil tinham voz, vontade própria, talento e inteligência.
Mais do que isso, não queriam ficar presos às correntes monolíticas da MPB clássica do samba-canção e das marchinhas de carnaval nem às limitações do pseudo-intelectualismo da bossa nova – não é por acaso que a Jovem Guarda é mais relevante como movimento musical e cultural na história brasileira do que a bossa nova e o tropicalismo.
Por outro lado, a associação de Jovem Guarda com o rock soa artificial e forçada. Só porque era um movimento jovem?
Os primeiros vestígios de rock no Brasil só podem ser identificados em uma série de grupelhos de copiavam os Beatles e grupos americanos, como Renato e Seus Blue Caps, e, com grande dose de boa vontade, nas primeiras gravações de Raul Seixas nos primórdios dos anos 60 – que pouquíssima gente conhece ou sabe da existência.
Rock mesmo começou a ser feito de verdade no Brasil quando a beatlemania estava quase extinta. Foi quando apareceu por aqui Ronnie Von e os Mutantes, ao mesmo tempo em que alguns artistas da Jovem Guarda – com Roberto e Erasmo Carlos liderando – resvalavam, bem de leve, em tentativas frustradas de produzir algum tipo de "rock".
Tal associação era benéfica à Jovem Guarda? Alguns historiadores dizem que sim, até porque Beatles, Rolling Stones e o rock em geral se tornaram moda mundial a partir de 1965.
A associação ao rock era uma forma de legitimar o movimento jovem da música brasileira que, de certa forma, era integrada por uma classe média que se consolidava e que era emergente, em contraponto ao elitismo da bossa nova e da MPB classuda e ao populismo e massificação do samba.
A tese até que faz algum sentido. No entanto, academicismos à parte, ainda que a associação Jovem Guarda-rock fosse necessária para atribuir credibilidade (ao menos mercadologicamente), soa muito forçada e quase sem nexo quando se escutam os principais hits da época – e principalmente que tipo de música os principais protagonistas produziram depois.
A analogia vale neste caso: depois do espetáculo lamentável que o time do Palmeiras proporcionou na partida contra o América-MG há alguns dias (1 a 1) e depois de uma atuação sonolenta do Corinthians na vitória de 1 a 0 contra o Atlético-GO, um jornalista do Jornal da Tarde comentou: "Palmeiras e Corinthians não praticam o mesmo esporte que o Barcelona (campeão europeu de 2011). Se os dois times jogam futebol, então o Barcelona pratica outra coisa."
Pois bem. Se Erasmo Carlos e a Jovem Guarda algum dia fizeram rock, então Led Zepelin, Deep Purple, Black Sabbath, Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix, Who e outros fizeram (ou fazem) outra coisa…
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
Sobre o Blog
O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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