Fim do Dr. Sin expõe o esgotamento de um modelo e a necessidade de inovação
Combate Rock
14/08/2015 07h00
Marcelo Moreira
O clima estava bom, e os músicos, ansiosos. O trio paulistano Dr. Sin recebia o Combate Rock em seu novo estúdio, em Moema, na zona sul de São Paulo, para mostrar em primeira mão o álbum "Intactus", que chegaria às lojas duas semanas depois.
A ansiedade era a mesma de subir ao palco para um grande show, pois o lançamento de um novo trabalho por parte de uma banda importante é algo que de muita responsabilidade.
"Intactus" é muito bom, possivelmente o melhor dos 23 anos de carreira do trio: mais diversificado e com mais descontração, mais solto.
Entretanto, durante a entrevista gravada para o programa Combate Rock no UOL Música Deezer, os três músicos não economizaram críticas ao atual mercado musical brasileiro, em especial à falta de respeito aos músicos, à existencia de oportunistas em quase toda a "cadeia" e, principalmente, à desvalorização da música como um produto, no geral, tanto por parte do público como pelos próprios músicos. Nunca Andria Busic (baixo e vocal), Ivan Busic (bateria e vocais) e Eduardo Ardanuy (guitarras) tinham sido tão contundentes.
Era mês de janeiro e nada indicava que o Dr. Sin, oito meses depois, anunciaria o seu fim diante das dificuldades de mercado e dos problemas para continuar tocando e vivendo de música. Se um dos nomes mais importantes do rock brasileiro decide encerrar as atividades por conta de um mercado caótico e em esfarelamento, é bom prestar a atenção.
Paul Weller, cantor e guitarrista inglês dos mais importantes dos últimos 35 anos, cérebro criador do The Jam e Style Council, foi direto e ligeiro em entrevista recente ao jornal O Globo: "O que eu vejo por aí é um monte de bandas de garotos da classe média. Não vivemos em uma época muito boa para quem quer ter uma carreira na música, porque realmente não há mais dinheiro aí". Clique aqui e leia o texto em O Globo, de autoria de Silvio Essinger.
Aos 57 anos e curtindo o lançamento de seu 12º trabalho solo, o ótimo "Saturn Patterns", o inteligente Weller não mantém ilusões a respeito de um mercado onde o produto música perdeu muito de seu valor. "
Aqueles tempos que eu vi, em que os garotos de um bairro pobre montavam suas bandas para conquistar o mundo, se foram. Não há mais tantas bandas assim. Eu não sei se o rock tem a mesma importância cultural que já teve. As pessoas ainda gostam dele, mas eu não sei se ele tem mais o mesmo impacto", diz Weller.
'Público mais alerta'
Em longo texto no Facebook, Ivan Busic tentou esclarecer mais alguns dos motivos que levaram à decisão de encerrar as atividades em dezembro. Deixa implícito que havia divergências com Ardanuy a respeito de como manter a banda em um mercado cada vez mais inóspito, mesmo com o Dr. Sin ainda sendo requisitado para shows pelo Brasil.
"Houve uma queda no público para bandas nacionais autorais é também um fato, mas isso nunca seria motivo para pararmos algo que vivemos e respiramos por 23 anos. Ainda acredito no público roqueiro brasileiro, mesmo que ainda necessite estar mais alerta e de coração mais aberto para os frutos da terra. Sentimos que era o momento de parar, pois se a engrenagem está 100 % ativa vale a pena, senão, nao faz sentido", diz o baterista.
Quem também supostamente está "bem" vê com preocupação os rumos do mercado. O Angra está em turnê pela Europa, mas o baixista Felipe Andreoli encontrou tempo para mandar pelo Facebook uma mensagem de solidariedade aos amigos do Dr. Sin, e lamentou o complicado quadro atual para os músicos em geral.
"Eu entendo perfeitamente a motivação dessa despedida, que pode ou não ser temporária. Não é nada fácil manter uma banda nesse país. A exigência é sempre a mais alta possível, e as condições e o retorno nunca estão à altura dessa exigência. Chega uma hora que cansa mesmo. Isso sem falar de todas as dificuldades inerentes a uma banda, especialmente com tantos anos de carreira", desabafou Andreoli.
Há maneiras diversas de enxergar a questão, partindo do fato de uma banda tradicional e importante decidir parar por conta de, entre outras coisas, perceber que há mais prós do que contras em enfrentar o mercado musical hostil, especialmente em relação ao rock.
Haverá quem entenda que as mudanças no mundo da música obrigaram os artistas, grandes, pequenos e iniciantes, a se contentar com menos, e que há mais democracia e um zilhão de novas oportunidades principalmente por conta da internet. (oportunidades onde e para quem?, perguntariam os céticos…)
'Vamos todos nos tornar músicos de bar e de festas de aniversário'
Um guitarrista paulistano, conhecido pelo sarcasmo (como a conversa foi informal, não citarei o nome), comentou recentemente em um show que o esfarelamento do mercado musical no mundo, e especialmente no Brasil, poderia ser comparado à antiga União Soviética, onde o comunismo só teve sucesso em uma única coisa: socializar a pobreza de forma generalizada. "Agora 99% das bandas e artistas de todos os gêneros viraram banda de bar e de aniversário. É o que sobrou para nós…"
Por enquanto, é esse o pensamento que predomina entre boa parte dos músicos que ainda insiste em remar em um oceano hostil assolado por tempestades.
Não dá para ignorar que a área musical virou terra arrasada, e mais ainda no rock. E não se trata de mera reclamação, mas sim de uma constatação, com uma conclusão preocupante: as perspectivas no curto e no médio prazo são bastante desanimadoras.
"Não é só uma questão de mercado restrito, com mais ou menos lugares para tocar som autoral, ou com mais ou menos condições para gravar e divulgar. É a forma como as coisas estão sendo encaradas. A música está cada vez mais descartável, a maioria das pessoas mudou a sua relação com a música, e muita gente acha que foi para pior. Perdeu valor em todos os sentidos, e muito disso é porque ela passou a ser gratuita", comentou o mesmo guitarrista citado acima.
O Combate Rock tem citado com alguma frequência exemplo de bandas de rock no Brasil que conseguem manter uma carreira em bom nível de forma independente, transitando bem no underground nacional e internacional. Algumas delas: Cachorro Grande, Autoramas, Far From Alaska, Vanguart, O Terno, Boogarins, Scarcéus, Camarones Orquestra Guitarrística…
No entanto, convenhamos que são muito poucos exemplos diante de um cenário bem difícil e bastante preocupante, por mais que consideremos que possamos estar vivendo um período, ainda que meio longo, de transição por conta de novos modos e meios de consumir informação e cultura.
Ainda não é para todos
Por enquanto, o que resta à grande maioria dos artistas que não conseguiram ainda o estágio satisfatório de Cachorro Grande, Autoramas e boogarins é trabalhar, trabalhar e trabalhar muito, tocar cada vez mais e em praticamente qualquer lugar, e fazer um show melhor do que outro, para resgatar as palavras de Beto Bruno (vocalista do Cachorro Grande) e Gabriel Thomaz (guitarrista e vocalista do Autoramas) em entrevistas ao Combate Rock.
Na mesma linha, é o que prega Fabiano Negri, cantor paulista com sólida carreira solo no interior do Estado e que também é vocalista do Dusty Old Fingers, de Campinas.
Em texto publicado no Facebook, e reproduzido nesta quarta-feira pelo Combate Rock, o músico foi bastante lúcido e realista a respeito das condições atuais para quem busca espaço para tocar músicas próprias.
"Quem investe no trabalho próprio tem que parar de se lamentar e sacudir a poeira. Investir em eventos diferentes, construir o próprio público, fazer um trabalho de divulgação legal e, claro, apresentar um trabalho de qualidade. Cativar alguns ouvintes e seguidores. Não estou falando que seja fácil, mas quem procura e batalha acha alguma coisa", afirma Negri.
Que o fim do Dr. Sin sirva de alerta para que mais gente se esforce em buscar alternativas criativas e viáveis para resgatar o valor da música, ou pelo menos parte de sua relevância.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
Sobre o Blog
O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br