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Fã conta em livro a obsessão pelos ídolos - e como conseguiu se salvar

Combate Rock

03/08/2015 06h36

Marcelo Moreira

Você é tão fã da banda, mas tão fã da banda, que dedica sua vida a ela, atrelando seu futuro, a ponto de descascar batatas na cozinha de um dos seus ídolos, integrante do grupo, para depois constatar – e se arrepender, de certa forma – que quase jogou a sua vida fora, literalmente.

O norte-americano Bill German fez tudo isso, e 20 anos depois viu, amargamente, o seu mundo empacado, sem perspectivas e, obviamente, tão sem dinheiro quanto antes, apesar de desfrutar da amizade e de ser confidente de Keith Richards e Ron Wood.

German decidiu ser jornalista ainda cedo na vida, mas antes de ser jornalista, quis dedicar todo o seu tempo aos ídolos Rolling Stones, que se tornaram a razão de sua existencia ao escutar os LPs da irmã mais velha, na primeira metade dos anos 70. Foi amor ao primeiro acorde.

O vício em rock e em Rolling Stones é contado em um livro que foi subestimado no Brasil, "Under Their Thumb – Como Um Bom Garoto se Misturou aos Rolling Stones (e Sobreviveu para Contar)", da editora Nova Fronteira.

O relato é linear e cronológico, com parcos recursos literários, mas isso acaba se tornando um mérito, pois German se limita a contar suas aventuras, sua intimidade com parte dos Stones e de sua equipe e das dificuldades que enfrentou para manter sua paixão viva misturada com o que tentou fazer profissionalmente de sua vida.

É um relato de uma sucessão de desastres pessoais, sem filtros ou condescendências de como um fã insano pode perder de vez a sanidade e cair no limbo da angústia e da depressão com as decepções e as "rasteiras" que o mundo do show business dá – a ponto de o autor pensar em suicídio.

O autor não respeitou um mandamento básico que lhe foi dito por vários amigos, inclusive por Keith Richards: "Quando a diversão se torna um trabalho, obviamente deixa de ser diversão e fica cada vez menos divertido".

Bill German tomou a decisão de se dedicar aos Stones em 1978, quando criou o fanzine tosco "Beggar's Banquet". Queria apenas exercitar sua paixão pela banda contando fatos corriqueiros do dia a dia da banda – e, se desse, alguns segredos.

Morando em Nova York, começou a seguir seus integrantes pela cidade, quando por lá, e a frequentar os escritórios administrativos dos Stones, os estúdios onde gravavam, restaurantes e hotéis por onde passavam. Meio sem querer, descobriu a sua vocação jornalística.

Quase sem perceber, descobriu que os próprios Stones liam seu fanzine, graças às informaççoes exclusivas que obtinha – capas de LPs que seriam lançados posteriormente, listas de músicas de shows e dos LPs futuros, gravaçoes piratas e muito mais.

O então garoto de 17 anos publicava até mesmo informações de cunho íntimo dos integrantes – coisas que eles mesmos desconheciam, seja sobre a vida dos próprios integrantes, ou de detalhes administrativos.

"Quando eu quero saber onde vou tocar na próxima semana ou sobre para qual estúdio deverei me dirigir para gravar, leio o 'Beggar's Banquet'. O cara sabe mais da minha vida do que eu", disse Richards, em 1980.

O fanzine cresceu, mas não muito, e o dinheiro era contado, mesmo com uma base razoável de assinantes. Com recursos próprios, passou a acompanhar shows da banda pelo mundo – Estados Unidos inteiro, Europa e Japão.

Estava tão presente e era tão respeitado pela banda – e odiado pelos "adinistradores" da carreira dos cinco stones – que, quase sem querer, se tornou um integrante não oficial do séquito da banda.

A contragosto dos empresários e agentes, começou a ganhar acesso a bastidores e ingressos VIP de shows e festas.

A consequência: tornou-se amigo íntimo de Ron Wood e Keith Richards, a ponto de ajudar Woody a cozinhar um dia para a família dele – descascaram juntos batatas na cozinha, bebendo bastante e falando bobagens – e a coescrever, com o guitarrista, uma autobiografia deste com base nos desenhos e pinturas que fazia.

Viciado na banda, percebeu claramente que sua dedicação insana havia tolhido parte de sua juventude – poucas namoradas, já que não sobrava tempo, abandono da faculdade de jornalismo, e quase nenhum dinheiro.

Só que, no começo dos anos 80, tudo isso valia a pena para poder sentar e tomar uísque com Keith Richards, que virou o parceiro para quase todas as horas e seu maior apoiador dentro da organização Rolling Stones  em contrapartida, não era visto com bons olhos por Mick Jagger.

Richards se tornou um bom amigo e conselheiro, e ajudou o quanto pôde o garoto fanático a fazer o zine, com entrevistas exclusivas, dicas e informações "quentes" dos bastidores do grupo.

Era comum German ser chamado tarde da noite – ou da manhã – para jogar conversa fora Richards na casa deste em Nova York ou em quartos de hotéis. O guitarrista foi um de seus principais conselheiros, inclusive na melhor maneira de agir em uma contenda financeira contra o escritório financeiro da própria banda.

German se divertiu muito, viajou muito e desfrutou da intimidade de seus ídolos – e também fez bom jornalismo quase sempre com as informações sobre os Stones. No entanto, percebeu aquilo que Richards havia lhe dito: "Quando a diversão vira trabalho, deixa de ser diversão".

Rolling Stones em 2012 (Foto: DIVULGAÇÃO)

Quinze anos depois de iniciar o jornal Beggar's Banquet, já passando dos 30 de idade, a realidade lhe deu um soco no rosto: continuava vivendo na penúria, em um apartamento alugado que era um pardieiro, sem perspectivas, sem namorada – nenhuma aguentava sua obsessão com a banda e o trabalho – e cada vez mais sendo odiado e destratado pelos "funcionários" da organização Rolling Stones.

O autor reluta em admitir, mas deixa transparecer amargura e certo arrependimento, e isso vem com a admissão de que pensou seriamente em suicídio. Em meados dos anos 90, toou a única decisão possível: encerrar o Beggar's Banquet e recuperar o que restava de sua vida.

O relato cru e direto, sem grandes arroubos literários, acertou no tom da narrativa, onde o autor não faz rodeios ao relatar seus fracassos, suas frustrações e suas alegrias, com os altos e baixos permeando o texto de forma interessante – cada tropeço de German estava em sincronia com os momentos pouco inspirados do grupo nos anos 80; as pequenas vitórias pessoais coincidiam com os raros períodos de alta dos Stones na época.

Sem o jornal e longe dos Rolling Stones (por decisão própria), o autor demorou para encontrar o rumo, mas conseguiu resgatar a vida. E concluiu aquele que era seu projeto de vida aos 18 anos: escrever um livro sobre a maior banda de rock do mundo, e sobre a sua paixão por eles.

A vida se encarregou de melhorar o projeto, e o resultado é o mais intenso relato, na música, de um "relacionamento" entre um fã e seus ídolos, com narrativa tão apaixonada quanto angustiada, nervosa, claustrofóbica e frustrante.

German deixa claro: sua paixão pelos Stones começou como uma grande diversão; quando virou obsessão e a razão de sua vida, tornou-se uma fonte constante de sofrimento. Não restam dúvidas: Bill German sobreviveu aos Stones.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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