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Zeca Camargo acertou. Eventuais 'punições' evidenciarão a pobreza cultural

Combate Rock

03/07/2015 06h36

Marcelo Moreira

O século XXI se tornou a era das buzinas assassinas no Brasil. Nas ruas e estradas brasileiras, buzinar se tornou um ato perigoso, pois passou a ser considerada uma ofensa capaz de provocar a fúria dos "alvos". Buzinar pode causar mortes, inclusive.

Nesta categoria, não tão letal, mas igualmente perigosa, entra a questão da emissão de opinião, qualquer uma. Opinar e ter uma posição podem acabar com amizades, virar polêmica nacional (ainda que inútil) e até mesmo, nas situações mais estapafúrdias, gerar processos judiciais – por mais que a Justiça esteja atolada por questões inúteis e sem importância.

Podemos estender o raciocínio à franqueza e à verdade. Ser franco nos dias de hoje também é perigoso, já que a verdade incomoda muita, muita, muita, muita gente.

Falar a verdade pode causar transtornos variados – divórcios, separações, processos judiciais, agressões verbais e físicas, perda do emprego, perda de amizades. A hipocrisia e a falsidade são os comportamentos ideais no século XXI para "se dar bem" e ter uma "vida tranquila".

No meio artístico o melindre é gigantesco, assim como no esporte. Estrelas de todos os calibres se acham acima de qualquer crítica, creem ser blindados contra tudo e todos. Não aceitam nenhum tipo de opinião contrária, seja pessoal ou profissional.

A vítima da vez do mais recente (nem tão recente assim) esporte nacional é o apresentador Zeca Camargo, da TV Globo, jornalista de formação, com passagens pela Folha de S. Paulo e MTV, entre outras empresas.

Especializado na área de cultura, tem bom conhecimento musical, ainda que costume "hypar" porcarias musicais e modinhas passageiras na tentativa de posar de "antenado" e "atualizado".

Entretanto, ele acertou em cheio quando fez uma crônica no canal pago de TV GloboNews sobre a banalização das celebridades musicais e a precarização do ambiente cultural brasileiro.

O motivo foi a absurda comoção desproporcional por conta da morte de um cantor sertanejo que beirava a obscuridade em boa parte do país, Cristiano Araújo, ocorrida há duas semanas.

Criou-se uma celeuma a respeito da fama do cantor, que aparentemente era desconhecido nas grandes cidades do Sul e Sudeste, e aparentemente idolatrado no Centro-Oeste e no Nordeste, além do interior de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.

Zeca Camargo foi contendente: "Como fomos capazes de nos seduzir emocionalmente por uma figura relativamente desconhecida? A resposta está nos livros de colorir. Esse fenômeno editorial indica a pobreza da atual alma cultural brasileira".

Dependendo do ponto de vista, ou da interpretação, Camargo pode ter atirado no que viu e acertado no que não viu. Seja como for, ele foi ao centro da questão: a baixa qualidade da produção cultural brasileira da atualidade, que é mais visível na música chamada pop.

Sertanejo, pagode, axé, funk carioca, música do Pará… nada se salva. E a falência cultural transformou o sertanejo, com a predominância da vertente "universitária" (???), na monocultura musical, assim como o futebol é a monocultura esportiva. Entretanto, a monocultura sertaneja é muito, mais muito mais nociva.

Os artistas de gênero se revoltaram, xingaram Zeca Camargo e ameaçaram não comparecer a programas da TV Globo em protesto contra a opinião do apresentador.

Há que diga que as duas "retratações" de Camargo foram ordenadas pela TV Globo, temerosa do boicote sertanejo, que poderia afetar o desempenho de um novo programa de auditório com foco na cultura popular- fato ainda não confirmado.

A predominância dos artistas sertanejos cada vez mais inodoros, insípidos, incolores, meros clones de si mesmos e com parca competência musical são o maior sintoma da pobreza cultural que assola esse país infeliz.

E a disseminação de tal praga contaminou de forma definitiva o ambiente cultural e musical, influenciando a MPB e o que restou do pop rock nacional.

A comoção desproporcional por conta da morte de um cantor sertanejo relativamente desconhecido em boa parte do país e de talento ainda por ser atestado – mas, na minha opinião, bastante questionável -, explicitou a banalização total do cenário musical nacional e do setor de e entretenimento como um todo.

Zeca Camargo acertou em todos os sentidos, e tem gente torcendo para que pague por sua coragem de ter opinião e de emitir a sua opinião incômoda. A "punição" a Zeca Camargo só aprofundará a sensação dominante de pobreza cultural que vivemos atualmente.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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